A CLT é fonte de ineficiência nas relações de trabalho, mas será que o governo Temer propõe algo melhor?
O presidente interino Michel Temer, em seu discurso de posse, colocou a reforma trabalhista em sua agenda. De fato, a CLT é uma das fontes de problemas que temos. Mas pelo que se vê nas propostas de reforma já apresentadas pelo Congresso nos últimos anos, tanto governo quanto oposição – e a imprensa política – ignoram as transformações no ambiente de trabalho contemporâneo.
Por isso, preocupa que o cerne da reforma trabalhista não seja suficiente, ou pior, inviabilize relações de trabalho inovadoras. Isso confirmaria a máxima segundo a qual “toda vez que um político tem uma ideia o país piora”.
Este artigo pretende contribuir para o debate sobre reforma trabalhista. Para isso, primeiro vamos tentar entender as transformações recentes no mundo do trabalho, e a partir daí propôr uma agenda de reformas que proteja realmente o trabalhador – o que a CLT já não faz bem – e atenda às necessidades corporativas modernas.
Mudanças nas relações de trabalho
Existem duas grandes correntes de pensamento sobre mudanças nas relações de trabalho atualmente. Uma tem origem na administração, e começa com os trabalhos de Peter Drucker sobre o trabalhador do conhecimento. Outra vem da sociologia do trabalho, e se baseia tanto na teoria de Bourdieu quanto em leituras contemporâneas de Gramsci. Representante da primeira corrente podemos considerar o trabalho da consultoria Box1824 sobre os millennials. Na segunda, a sociologia do trabalho da Unicamp, especialmente Ruy Braga e Ricardo Antunes.
Ambas coincidem em muitos pontos no diagnóstico, mas onde a primeira corrente vê elementos positivos a segunda vê negativos. E provavelmente ambas tenham razão. Para as duas correntes, as novas relações de trabalho são marcadas por:
** Elevada interação com tecnologia
** Exigência maior de qualificação profissional
** Flexibilidade de horários, quebrando fronteiras entre o tempo pessoal e o do profissional
** Avanço da terceirização e da prestação de serviços
** Necessidade de um “propósito” ou “discurso de legitimação” para engajamento e motivação
Para a primeira corrente, salário e benefícios já não são suficientes para mobilizar trabalhadores em uma economia do conhecimento. É necessário oferecer também remunerações emocionais, como realização pessoal, melhor conciliação entre trabalho e vida familiar e possibilidade de executar projetos com propósito. O desafio das grandes empresas é que os melhores profissionais preferem abrir mão de uma carreira corporativa para trabalhar em ONGs, empreender ou atuar em negócios menores onde possa fazer a diferença.
Já a segunda corrente vê neste movimento uma elevação da precarização do trabalho. Estudando os call centers e as empresas de terceirização, mostram um incremento nas doenças laborais, assédios e perda de direitos trabalhistas.
Fato é que ambas estão olhando para partes diferentes do mesmo fenômeno. Enquanto os primeiros estão vendo os desafios da parcela mais qualificada da força de trabalho, os segundos estão olhando a base da pirâmide. Mas o fenômeno é o mesmo: as grandes empresas já não conseguem reter os mais qualificados, porque querem tratá-los como tratam os menos qualificados que não têm escolha de sair.
E aí está o ponto. Se a regulação pode fazer algo, é combinar três estímulos diferentes para impulsionar a transformação do ambiente de trabalho:
** Estímulo à maior flexibilidade e melhor conciliação entre vida pessoal e profissional
** Estímulo ao incremento de produtividade por meio de tecnologia e inovação
** Estímulo à maior qualificação na base da pirâmide
Nem a CLT nem as propostas de reforma que tramitam na Câmara endereçam esse esforço. A CLT foi escrita no início do processo de industrialização, e tinha por objetivo proteger o trabalhador sem qualificação que chegava às cidades e às indústrias. As propostas de reforma existentes enfatizam esse foco, seja protegendo, seja precarizando. É necessário uma nova proposta.
Pontos para uma reforma trabalhista
Nem tudo pode ser endereçado por meio de reforma trabalhista. O estímulo à inovação passa pela reforma tributária, e a qualificação só pode ser resolvida com aperfeiçoamento do marco regulatório da Educação.
Mas a regulação trabalhista pode oferecer parte desses estímulos:
** Alívio dos encargos trabalhistas que incidem sobre os salários mais altos, estimulando a contratação de pessoal qualificado
** Estímulos ao prolongamento de licença maternidade e paternidade
** Substituição da contribuição ao Sistema S por uma Lei Rouanet da Educação
** Regulamentação da terceirização
** Revisão do conceito de jornada de trabalho, permitindo remuneração por desempenho, home office e tempo flexível
** Intensificação do combate ao trabalho escravo
Medidas como as apontadas acima podem estimular o lado benéfico da transformação do mercado de trabalho, e proteger o trabalhador do lado pernicioso. Não seria suficiente, mas seria um começo.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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