Maduro e Diosdado Cabello estão negando qualquer possibilidade de que seja o povo que decida sobre sua permanência ou não no poder.
Simón García, TalCual
trad. Daniel Lopes
O governo venezuelano decidiu dar um passo rumo à ditadura do século XXI. Pede rebeldia contra a Constituição, desconhece a Assembleia Nacional e converte em normal a subordinação do Conselho Nacional Eleitoral e do Tribunal Supremo de Justiça às instruções de Maduro.
Na contínua destruição da institucionalidade, o que mais envergonha é a alma curvada de alguns ex-cidadãos que viraram do avesso as funções dos órgãos de que fazem parte: um CNE contra as eleições e um TSJ contra a justiça. Serão eles os responsáveis pela forma que tomará esta fase final do regime.
Um presidente fraco, inseguro e sem soluções cambaleia em direção ao abismo com indecisões e contraindicações que podem forçar o país a nutrir com sangue a árvore da liberdade. É isso o que querem evitar a oposicionista Mesa da Unidade Democrática e os que concordam, inclusive no interior do governismo, com a necessidade de acelerar o tempo e colocar nas mãos do povo uma resolução que tenha o maior consenso e os menores custos possíveis. A cúpula do poder, como sempre, nega essa solução.
O referendo é a fórmula direta e democrática para assegurar a governabilidade imediata e posterior ao madurismo, para lidar desde já com a crise humanitária e começar a introduzir um programa de reconstrução da economia, das instituições e de uma democracia com novas bases. Mas é preciso entender que, para encerrar o incentivo de ódios, regenerar a sociedade venezuelana, resgatar valores e pôr em pratica uma nova cultura cívica, necessita-se de acordos entre os dois grupos que estiveram em confronto nos últimos anos.
Esses acordos, à margem da dinâmica maioria/minoria que predomina no campo político, estão se dando na base da sociedade. Mas as diversas elites, da militar à profissional, estão obstruídas por incompreensões, preconceitos, interesses hegemônicos, ou presas na visão que submete a necessidade de mudança a um simples “saia você para que eu possa entrar”. Nos setores populares e entre os jovens, há expressões de uma cultura aberta ao acordo cotidiano e ao pacto cívico.
A boa reação diante do risco de quebra do país é o crescimento da convicção de que Maduro e sua cúpula se tornaram incompatíveis com uma solução pacífica, democrática e constitucional. A má reação é a desesperança e a apatia. A pior reação é a de reforçar e justificar a tática governista da violência, último recurso para impedir que o povo, exercendo seu direito irrenunciável à manifestação, exija uma votação. É a única coisa que se pede do CNE.
Mas Maduro e Diosdado Cabello estão negando qualquer possibilidade de que seja o povo que decida sobre sua permanência ou não no poder. Eles fogem do referendo porque lhes falta estatura política para entender que ele é a saída mais conveniente para eles próprios e seu partido, além de para o país faminto e sofredor que o exige.
Suas negativas refletem uma força aparente, mas, sem povo e sem comunidade internacional, qualquer acaso pode fazer explodir massivamente a manifestação de uma sociedade que está dizendo que não aguenta mais. À revolta das intermináveis filas, à mobilização das vanguardas nas ruas, à crescente pressão de governos, às medidas governamentais que aprofundam as calamidades, a isso tudo se junta o acúmulo de armas advindas do crescente número de saques. Tic-tac.
O pavio foi acesso. O mantra chavista que a cúpula madurista não cansa de repetir (foguinho que se acende, foguinho que se apaga) é uma piada. A única solução é iniciar, com o referendo, um processo de transição com negociação. Antes que os sinos dobrem, talvez, para todos.
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