Cinema de opinião única

por Rodrigo Cássio (12/05/2017)

O ato falho dos diretores que se retiraram do Cine PE expôs um comportamento infantil e intolerante presente no cinema brasileiro.

Os diretores que retiraram seus filmes e motivaram o cancelamento do Cine PE 2017 cometeram um excesso de transparência. Daí a repercussão negativa que o gesto deles está adquirindo, pelo menos em meios mais racionais, em que ainda há algum bom senso para mediar o que as pessoas dizem sobre política no Brasil.

Por que um excesso de transparência? Porque a esquerda cultural já se acostumou a agir dissimuladamente: ela incentiva patrulhas ideológicas e coloniza todos os espaços possíveis. O ambiente ficou pior depois do impeachment de Dilma.

Este cinema de opinião única não é feito principalmente para o público, apesar de ser bancado na maior parte com o dinheiro dele. Ele não é feito principalmente por convicções estéticas. Ele é feito, acima de tudo, com base em acordos de cumplicidade ideológica (ou ainda menos que isso, de cumplicidade partidária).

O “jeito certo” de construí-lo é conhecido no meio: discursos inflamados sobre política cultural, olhares tortos para quem pensa diferente e distribuição de benesses aos envolvidos. A política vem na frente, a estética – se vier – vem depois. O “jeito errado” foi escolhido pelos diretores que se retiraram do Cine PE. Ficou óbvio demais que o importante, para eles, são critérios políticos. Ficou óbvio demais que é preferível negar o acesso do público aos filmes a ter de tolerar a existência de outras visões políticas.

O excesso de transparência foi um ato falho que expôs um comportamento infantil e intolerante presente no cinema brasileiro.

Embora tudo isso diga respeito a uma política, não dá para esquecer que estamos falando – ou deveríamos estar – de arte. O cinema de opinião única e sua crítica incentivadora são desertos da discussão formal. Na medida que tudo deve passar pelo filtro da política, os filmes já não precisam se justificar por meio da forma, da resposta criativa ao gosto ou da reflexão estética.

Deserto total: sem ver os filmes, não podemos julgá-los pelo que eles são. Sem julgá-los pelo que são, eles passam a ser julgados pelo sinal ideológico que possuem. Jardim das aflições, obra execrada pelos diretores descontentes, tornou-se essa semana uma candidata a clássico do cinema brasileiro. Não por méritos cinematográficos, e sim pelos motivos errados – isto é, por motivos políticos.

“Fazemos cinema porque não podemos fazer política”, dizia alguém do Cinema Novo na ditadura militar. Os filmes eram o manifesto. Com a liberdade de fazer política, hoje, os filmes parecem cada vez menos importantes, ao passo que os manifestos se impõem como a principal intervenção dos cineastas. Chegará um momento em que já não precisaremos dos filmes? Os manifestos os ultrapassarão em importância e finalmente os retirarão do nosso horizonte?

Não é preciso imaginar o futuro. O episódio de cancelamento do Cine PE já é exatamente isso.

Rodrigo Cássio

Professor e pesquisador. Autor de Filmes do Brasil Secreto (Ed. UFG).

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