Agora sabemos como eram as relações de Dilma com Odebrecht e JBS, e como ela tentou obstruir a justiça.
Diante de mais um abalo gigantesco no mundo político, temos a consciência de como o sistema político brasileiro está organizado por instituições falhas, incluindo também aquelas responsáveis por desvelar os malfeitos praticados pelos políticos. Não obstante esses problemas institucionais conhecidos há anos, décadas, o debate público continua orientado para identificar as falhas pessoais dos atores políticos, um ambiente moralizante em que tudo é avaliado pela ótica da vantagem pessoal, sem olhar como uma conduta antiética pode assumir formas impessoais que são até mais deletérias.
Um exemplo claro é o caso de Dilma Rousseff. Avaliada como “honrada” por inúmeros comentadores, mesmo opositores seus, em especial devido à percepção de que nunca tomou para si qualquer vantagem pecuniária, a ex-presidente da República pode não estar implicada em obter propinas para si como claramente esteve seu principal adversário em 2014, Aécio Neves, ou tão imiscuída na política de compadrio como seu vice e sucessor, Michel Temer. Mas isso não deveria bastar para sua absolvição política ou jurídica.
Hoje sabemos: Dilma pedia dinheiro para suas campanhas para a Odebrecht, JBS e quem mais fosse, seja por intermediários, seja ela mesma. Implícita nos pedidos sempre esteve a ameaça de cessarem as vantagens dadas a essas empresas em seus governos. Além disso, tinha pleno conhecimento sobre a forma pela qual empréstimos e subsídios eram decididos. Suas preferências ideológicas por uma política industrial patrimonialista não eram os únicos incentivos para a conduta deplorável a partir da qual ela e seu partido pretendiam se sustentar no poder e amealhar recursos para dele nunca sair.
Além disso, as provas já são claras a respeito das tentativas de obstruir o trabalho da justiça por meio da divulgação de informações privilegiadas, às quais Dilma não deveria ter qualquer acesso, muito menos utilizá-las para avisar seu marqueteiro sobre o progresso de investigações sigilosas. Para finalizar seu mandato com uma chave de ouro do comportamento interessado, promoveu a nomeação de seu padrinho Lula como forma de evitar a prisão do ex-presidente. A soma dos fatos apresenta uma conduta tão corrupta quanto às de Temer, Lula, Aécio e tantos outros mais. Apostar em sua “honestidade” sempre foi uma tentativa de enxergar erros apenas na obtenção de vantagem pessoal, ignorando o dano provocado pelas vantagens públicas indevidas.
A última delação da JBS apresenta um esquema em que Dilma, à maneira de seus antecessores mensaleiros, pretendeu evitar o impeachment por meio do pagamento de somas vultosas a parlamentares. João Carlos Bacelar, um dos que teriam recebido dinheiro para votar a favor de Dilma em abril de 2016, disse na votação do impeachment que honrava sua palavra. Bom saber: a convicção do deputado tem preço, este foi pago e Dilma pôde, apesar da derrota no Congresso, posar como uma mulher honrada e honesta e fazer um périplo pelos Estados Unidos arrotando sua pretensa superioridade moral.
É importante para todos nós brasileiros entendermos que essa pretensão foi alimentada pela ideia de que o roubo dos cofres públicos se tornaria mais problemático quando o político embolsa os valores. Nada mais distante da verdade. A corrupção é a mesma, não importa a conta bancária de Dilma. Enquanto não preferirmos aqueles interessados em mudar o sistema em vez dos que anunciam sua honestidade e honradez enquanto presidem ou buscam presidir o sistema podre, estaremos condenados a tentar um presidente após o outro sem nunca conseguir reduzir significativamente o tamanho do assalto a que somos submetidos, como quase diria Dilma, diuturnamente.
Vinícius Justo
Mestre em Teoria Literária pela USP.
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