Estão chamando de festa da democracia a defesa de um político corrupto.
Tudo começa quando o jovem se envolve, na primeira metade dos anos 90, com o Movimento Hip Hop. Escreve letras de protesto, critica as instituições, o imperialismo norte-americano, o capitalismo. Influenciado pelos seus artistas preferidos, torna-se um militante esquerdista, mais especificamente petista, e inclusive usa uma estrelinha vermelha no peito. Briga com seus parentes no almoço de domingo, pois se acha o dono da verdade que os ignorantes não querem ver. Participa de passeatas escondido, pois seus pares dizem ser perigoso seu chefe vê-lo empunhando uma bandeira do PT, correndo o risco de ser demitido.
Mais adiante, participa de uma rádio comunitária que fica junto a um sindicato. Entra em contato com outras lideranças de esquerda, lê livros que mostram o paraíso cubano e, na primeira eleição de sua vida, vota no Lula, que acaba perdendo para o neoliberal Fernando Henrique Cardoso. Continua fazendo seus raps de protesto, entra em coletivos de luta contra o sistema e ingressa na universidade. Lá encontra professores engajados em uma utopia socialista e que descartam qualquer pensamento contrário. Nas aulas de Didática, em vez de aprender o tema central da disciplina, estuda de forma crítica a educação “bancária”, que oprime os mais pobres e que está a serviço do capital. Paulo Freire é o maior e é idiotice contestar seus ensinamentos.
Vem outra eleição e Lula é eleito presidente. Aquele jovem, já casado e com uma filha, vê seu sonho realizado e sai para a rua comemorar, empunhando uma bandeira, e depois chora no discurso do salvador. Quando o messias lança o programa que promete erradicar a fome no Brasil, diz que não irá dormir tranquilamente enquanto houver uma pessoa faminta no país. Os anos passam, há milhares de pessoas com fome, mas o presidente não parece estar com sono atrasado. Vêm os escândalos do mensalão e o jovem vê sua estrela quebrar.
Como se não bastasse, e depois de escapar de qualquer condenação, Lula mantém o poder e ainda o repassa a uma sucessora. Surgem novos escândalos de corrupção, desta vez seu nome é citado várias vezes em delações, há provas de desvios de dinheiro, há tentativas de obstruir o trabalho da justiça. Mesmo assim, no entanto, seus discípulos continuam acreditando nele, o defendem, brigam por sua causa, ofendem e fecham as portas de trabalho para os que não pensam como eles.
Aquele jovem mudou. Leu muito depois disso, mas não apenas os livros que seus ex-colegas indicavam. E também já não é tão jovem. Hoje está no time dos que se sentem iludidos, enganados, enfeitiçados por um discurso vazio. Não houve igualdade nos anos petistas no governo federal, não houve a eliminação da fome nesses mais de dez anos, a pobreza, a violência, a educação precária continuam nos impedindo de crescer. Apenas foram oferecidas migalhas para manter a população ao redor de um projeto de poder, tal qual os pombos de uma praça em volta de alguém jogando restos de alimentos pelo chão.
Neste dia 10 de maio de 2017, estão chamando de festa da democracia a defesa de um político corrupto. O messias intocável está sendo perseguido e é o herói que resiste ao inimigo. Quanta ingenuidade! Ou é falta de caráter mesmo? Nem Lula, nem qualquer outro político merece ser defendido desta forma. Democracia? Salvo se o povo quer continuar sendo ludibriado. Se lembrarmos de tantos ovelhas que são enganados por pastores empunhando suas Bíblias, não é difícil entender isso. É uma nova igreja que surge, semelhante à criada pelo diabo em um conto de Machado de Assis. Só que na história machadiana, as pessoas deixam de seguir o demônio. Parece, porém, que a realidade não vai imitar tão cedo a ficção. As ovelhinhas obedientes permanecem prontas para o abate.
Cassionei Petry
Professor e escritor. Seu novo livro é Cacos e outros pedaços.