Para os intolerantes de sempre, a diversidade é bacana, mas apenas enquanto não incomoda.
É impossível deixar de notar o paralelo entre o comportamento dos cineastas que se retiraram do festival de cinema Cine PE (que acabou de ser cancelado), em protesto contra a participação do documentário O jardim das aflições sobre Olavo de Carvalho, e o comportamento de professores e estudantes da maior parte das universidades, em particular das áreas de humanas e artes.
Fica mais claro a cada dia que a ideia de uma universidade aberta ao contraditório e ao diferente é um mito. Como sabemos, o pensamento majoritário no ambiente acadêmico e entre os artistas é de “esquerda”, no sentido mais amplo possível. O mito da convivência boa e necessária dos opostos não difere quase nada tanto lá como cá, haja vista a Carta Aberta dos cineastas e suas motivações.
Quem frequenta ou lê notícias sobre festivais de cinema sabe que uma marca, talvez fundamental, desses eventos é a tão aclamada diversidade. É uma técnica inovadora, é um roteiro genial, é aquele curta boliviano ou o longo iraniano, entre tantos outros atrativos que só um ambiente aberto, plural, criativo pode propiciar. A diversidade é bacana, mas…
Conhecer o novo e o diferente é bom e necessário, mas se vai de encontro aos meus valores é melhor você ler e ficar só para você; é melhor você assistir na sua casa com seus amigos da casa grande, porque aqui no espaço público você não tem direito a ler, defender ou assistir, porque, do mesmo jeito que eu interdito as universidades para o bem maior de todos, eu também protesto e pressiono contra a exibição de qualquer filme que não passa pelos meus critérios de bem.
Não basta a forma autoritária de tratar o conhecimento, nem propor a censura diante de um “documentário conservador”. Essas pessoas vão além e destroem um dos conceitos mais caros apropriados pelo discurso da esquerda identitária e particularista: o conceito de alteridade. Impedir um conhecimento o mais integral possível, tentar censurar um filme ou documentário, opor-se a que o outro exponha suas preferências políticas é, em última análise, a negação inequívoca do outro. Mais uma vez, o apelo à alteridade é tão somente mais um mito.
Para concluir, é sempre bom explicitar o óbvio. Esse comportamento obtuso, excludente e autoritário, esse modo medíocre de ser e ver a vida não é monopólio da esquerda. Qualquer um que constatar o nosso interminável subdesenvolvimento intelectual, moral e político não pode em sã consciência atribuí-lo apenas a “um lado”. É necessário um estado de alerta permanente e estar aberto genuinamente ao livre debate de ideias, sem o que continuaremos numa guerra de torcidas, prontos a apontar o próximo erro do adversário. O aprendizado é longo, difícil, e a esquerda acaba de nos dar de bandeja uma boa oportunidade de reflexão.
Adelino Montenegro
Servidor público estadual, com graduação em sociologia e direito e mestrado em filosofia (UFPE).