Olavo de Carvalho, o cinéfilo

por Amálgama (16/06/2009)

por Emilio Gonzales * – Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de filosofia. Escreve para diversos jornais e é fundador e editor-chefe de um site chamado Mídia sem Máscara. Mas não quero me alongar no quesito biografia, pois na net há uma página dedicada a isso. Acredito que seja um filósofo conceituado, e […]

por Emilio Gonzales * – Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de filosofia. Escreve para diversos jornais e é fundador e editor-chefe de um site chamado Mídia sem Máscara. Mas não quero me alongar no quesito biografia, pois na net há uma página dedicada a isso. Acredito que seja um filósofo conceituado, e longe de mim querer discutir filosofia ou algo parecido (logo eu que achava a Caverna de Platão um desenho animado).

O quê me trouxe aqui foi um texto que ele escreveu na última sexta com o seguinte título “Obra-prima de vigarice“. Nele, o nosso ilustre literalmente bota fogo (desculpem o trocadilho) no filme Queimada, de Gillo Pontecorvo. Faz uma análise severa e crítica e descobre que, no fundo, o dito cujo é apenas um instrumento de propaganda marxista-comunista, e dentro de um contexto mais amplo detona também com (de acordo com ele) o segundo Neo-Realismo italiano.

É sempre bom tomar conhecimento daquilo que pensam os intelectuais conservadores. Afinal, para quem não sabe ainda, o site Mídia sem Máscara seria aproximadamente a antítese do site Vermelho do PC do B. E Olavo de Carvalho está mais à direita que o próprio PFL (hoje DEM) e Cia.

Mas vamos àquilo que interessa. Li o texto sobre o filme e constatei que certos profissionais não deveriam nem tentar dar palpite fora da sua área de atuação. Com raríssimas exceções, só sai bobagem.

Queimada não é um instrumento de propaganda e muito menos uma “verdadeira aula de interpretação marxista da história”. Creio eu que assim como há paranóicos na esquerda também os há à direita. Imaginar que tudo aquilo que não reza pela cartilha do capitalismo é vigarice ou simples invencionice, é loucura total.

A obra de arte independe da sua qualidade, é produto individual e/ou coletivo que se adapta ou não às convenções da época. E se quebrar os paradigmas, melhor. E cinema é nada mais, nada menos: ilusão. Tentar defenestrar um filme por que o seu roteiro não faz qualquer sentido, seria o fim da arte, da licença poética. Hitchcock já disse tudo aqui.

Vejamos então em que se baseia o professor Olavo para caluniar o finado Gillo Pontecorvo (1919-2006). Primeiro, alega que escravos sozinhos não poderiam montar uma revolução social. Logo, o roteiro do filme é fantasioso e historicamente falho. Segundo, “destruir pelo fogo a matéria-prima, os meios de produção e a quase totalidade da mão de obra disponível” seria motivo de linchamento de quem por ventura tivesse ordenado tal ato extremo e brutal. Quer dizer, Queimada é uma “farsa idiota, postiça até o desespero, composta por um pseudo-intelectual de meia idade para a deleitação masturbatória de jovens aspirantes a pseudo-intelectuais”. E por último, faz uma apologia do capitalismo por subsidiar e aplaudir tantos filmes anticapitalistas etc e tal. Em outras palavras, o sistema é perfeito, haja visto que permite e incentiva a sua própria crítica.

Eis o erro de analisar um filme pelo viés ideológico. Você não usufrui da obra nem ela te dá prazer. Seria como falar mal do Encouraçado Potemkin por ser pura propaganda comunista e esquecer da sua fotografia, dos planos, da montagem. Seria como ir no cinema em busca dos erros de continuidade, dos furos no roteiro, da falta de verossimilhança. Queimada é um excelente filme, não por ser de esquerda, e sim por nos provocar, nos instigar a tomar partido, nos causar emoções, nos fazer rir ou chorar. Ninguém saiu do cinema e virou marxista – afinal, como outro filósofo mais conceituado já escreveu antes: “Humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo”. E se Pontecorvo achou por bem ser maniqueísta e esquemático, é problema dele. Se ele leu muito Gramsci e achou correto falar mal das elites, azar do processo criativo.

Afinal, aí que redondamente se equivoca o professor Olavo: os capitalistas, os donos do poder e do dinheiro estão pouco se lixando se o filme vai falar mal deles ou não. O que importa é o retorno financeiro, o lucro. Ledo engano de quem acha que um filme, por melhor que seja, vai insuflar as massar e derrubar o sistema. O capitalismo se retro-alimenta da sua própria crítica, banaliza seus detratores e se torna mais forte e lucrativo. O professor Olavo pode dormir tranquilo, pois nenhum escravo irá perturbar seu sono. As correntes que o escravo carrega fazem barulho, mas as armas das elites falam mais alto. E tomara Deus que ele não invente de falar de um filme anterior do Gillo Pontecorvo… Ou será que A Batalha de Argel foi também uma farsa?

* Emilio Gonzales é publicitário, poeta diletante e pequeno empresário. Nascido no Peru, brasileiro por opção e paulistano de coração.

Amálgama

Revista digital de atualidade e cultura.

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