Os "direitos humanos" de que mais precisamos são uma participação verdadeira nos recursos públicos
“O meu semblante está enxuto.
Mas a alma, em gotas mansas,
Chora abismada no luto
Das minhas desesperanças…”
(Manuel Bandeira)
Com minguados orçamentos de alguns poucos bilhões ao ano (quantidade pífia diante da gravidade de nossos reais problemas), pastas essenciais para o funcionamento de uma nação e o desenvolvimento de um povo como MEC, MINC e Ministério da Saúde seguem pessimamente administrados. A desculpa é sempre a falta de recursos que nos privam não somente de Saúde e Educação, mas também nos atola em cidades caóticos com obras públicas executadas com canivete e durex.
Nesta semana, alguns jornais do país divulgaram a espantosa cifra de 700 bilhões de reais contabilizados em impostos suadamente pagos de janeiro até o presente momento. Até o final do ano fiscal o brasileiro terá sangrado mais de um trilhão de reais ao cofre da viúva, recebendo em troca… nada. O PT, que celebra em praça pública dez anos de governo “popular”, mantém firme o cumprimento da única promessa que honrou: aquela feita na “Carta ao Povo Brasileiro” (documento que poderia ser chamado de “Carta ao Capital”), a saber, manter nossos históricos problemas de fisiologismo, coronelismo, exploração da pobreza e manutenção da ignorância por um compromisso firmado com o empresariado e a mesma classe burguesa que, nos discursos oficiais, é inexplicavelmente denegrida, visto que são representantes dessa impalpável classe que integram secretarias, ministérios e contratações sem licitação.
Agora que, guarnecido com uma infindável base aliada e intelectuais orgânicos, o ParTido repete aos quatro ventos que o Brasil mudou pela implantação de leis raciais e por políticas públicas multiculturalistas (duas das piores invenções liberais que transformaram nossa nação num retalho), uma simples chuva que coloca uma capital como o Recife em caos lava essas mentiras fantasiosas e demonstra que o Brasil é lamentavelmente o mesmo: o Brasil do descaso, da falta do profissionalismo no serviço público, da ausência de licitações limpas, com um executivo soberano e isento dos lobbies das empreiteiras, de uma classe esclarecida vendida que se cala diante de tais absurdos.
Diante da imperdoável incompetência em gerir nossa economia, nosso dinheiro e nossas cidades, os companheiros douram um discurso de justiça social que seria maravilhoso se não fosse somente uma cortina de fumaça para ocultar um completo esgotamento. Os “direitos humanos” de que mais precisamos são uma participação verdadeira nos recursos públicos (verdadeira, não virtual e hipotética). Em um país composto por cidades improdutivas que, como Recife, estão indo literalmente por água abaixo, o mínimo esperado do governo em sua fome pantagruélica por impostos seria responder a uma pergunta elementar: onde estão os nossos 700 bilhões?
Dezenas de bilhões gastos sem licitação evaporaram de nossos cofres em compras secretas, longe da imprensa ou de qualquer órgão fiscalizador. Tudo para modernizar o país para a Copa e não fazer feio pras visitas (como se o mundo não tivesse olhos para o Brasil e não conhecesse o brasileiro em seus furores de brasilianidade). A conta da Copa chegou, mas e quanto aos produtos pelos quais pagamos tão caro? — cidades modernizadas, semáforos inteligentes, canais de escoamento de chuva, asfalto concretado, aeroportos ampliados, conexão de internet de altíssima velocidade. Nada, absolutamente nada foi construído. Passarão Copa e Olimpíadas e nada ficará como patrimônio, exceto uma frustração eternamente intacta, suspensa no ar como a casa no Beco de Manuel Bandeira. Asfalto e esperança descem ralo abaixo… a chuva, em gotas assassinas, dissolve nossas esperanças em um país que minimamente funcione. Tudo se perdeu… como lágrimas numa chuva.
Pedro Gabriel
Psicanalista, mestre em Psicologia pela UFPE.