Já comentei antes com vocês, leitores do Amálgama, que nem sempre uma produção cinematográfica pode garantir sucesso absoluto junto ao público mesmo seguindo à risca todos os elementos da fórmula de mercado. Qualquer profissional envolvido num filme sabe que há aquele algo mais, abstrato, impalpável e inexplicável que será o toque da varinha de condão para o tão almejado sucesso.
Malévola (2014), da Disney, foi tocado pela magia do inescrutável sim, e ainda por cima seguiu com primor o passo a passo da dita fórmula. Chamou para a direção um dos maiores magos dos efeitos especias da era moderna no cinema, Robert Stomberg, e acertou na aposta de Linda Woolverton para assinar o roteiro. O texto não é somente um remake da animação A bela adormecida (1959, Disney Inc.), mas uma fusão do conto de fadas nas versões dos irmãos Grimm e de Charles Perrault. Há uma belíssima reconstrução de um mundo mágico com seres elementais, figurino, trilha sonora típica das narrativas da “casa” e um cast excelente. E, sem dúvida, a interpretação de Angelina Jolie está surpreendente, dando a cor emotiva à nova proposta da narrativa. Particularmente, nunca achei Jolie muito expressiva, mesmo gostando de alguns de seus papéis aqui e ali. Acho até que ela errou mais vezes do que acertou ao longo da carreira. Porém, ela tem o glamour de uma típica estrela de Hollywood: bela, elegante, emotiva, expõe espontaneamente certos aspectos de sua vida pessoal (mesmo quando era mais jovem e fazia algumas “loucuras”) e, inegavelmente, tem muito carisma.
Malévola é uma prequel – uma narrativa que volta a um ponto atrás de uma outra conhecida, para contar a estória passada de um personagem ou explicar como a estória começou e chegou ao ponto em que a conhecemos – nos mostrando porque Malévola, a fada má de A bela adormecida, se tornou cruel e vingativa. E vai além, reformulando todo o processo de tal trama. Não tem nada de maniqueísta – o herói é o vilão que no final é herói de novo – e todas as “explicações” se mostram bem amarradas no novo contexto, fazendo-nos ligar sem esforços ao original que já conhecíamos.
Malévola, uma fada independente, tem sua liberdade cortada pelas mãos de ferro de um homem ganancioso e covarde que em vão tenta combater a força deste ser feminino capaz de amar e odiar com todo o seu ser. Estratégica, ardilosa, sem deixar de ser capaz de amar, Malévola tem o controle de tudo, mesmo quando parece o perder. A totalidade de suas ações nos arrasta para seu mundo fantástico cheio de cores e vida, mas também para a escuridão de sua dor, que invade o reino inteiro.
Venho acompanhando, através de fóruns de cinéfilos, comentários de espectadores e reportagens internacionais sobre o quanto o filme tem agradado às mulheres e há muitos motivos para isso. É um enredo bastante feminino, sem ser sectário. É delicado, envolvente, emotivo e há a vingança que somente algumas mulheres poderão entender. Continua lá toda a bagagem de significados latentes – tão exauridamente diagnosticados por teorias da psicologia –, como por exemplo: uma moça de 16 anos, já “apta” a se casar numa época antiga, e que deveria seguir as regras da família sendo dona de casa (a roca de fiar representando a vida no lar). Ao ser “espetada” pela vida pacata de esposa, “dormiria” para sempre, a não ser que fosse acordada pelo beijo de um amor verdadeiro (o amor da paixão independente e não do casamento “arranjado”). Porém, ponto a ponto, estes antigos e padronizados significados que demos ao longo dos anos a este conto de fadas vai sendo desconstruído por uma visão mais abrangente da vida. E por fim aprendemos um novo valor do “beijo do amor verdadeiro”, que surpreende pela simplicidade, obviedade, mas principalmente pela fuga do esteriótipo.
Os efeitos especiais de 3D encantam e estão na medida certa. A direção é firme, a continuidade exemplar, e todo o resto enquadrado perfeitamente. Há humor, fofura e briga. O espectador se compadece de Malévola, teme-a, torce por ela, se delicia com suas maldades e a aplaude no final. E não consegui descobrir exatamente, ou não consigo colocar em palavras, o que seja o “algo mais” – se é que seja algo único – que Malévola tem, mas senti que ele está lá…
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