A incrível capacidade da esquerda de subverter a realidade

Até meados de 2014 o governo Dilma já havia lançado 23 pacotes de estímulo ao crescimento, sem conseguir, no entanto, um único ano de crescimento pelo menos na média mundial ou da América Latina.


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Nos últimos dias quatro eventos em quatro países bem diferentes mostram o atordoamento das esquerdas diante da realidade. O primeiro, óbvio, é o nosso Brasil, cujo partido que está no poder realizou nesta semana um congresso nacional com o incrível dilema de apoiar ou não a política econômica do próprio governo. O segundo é a Grécia, cujo governo de extrema-esquerda, eleito recentemente prometendo romper com a odiada troika (composta por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), se vê no dilema de ter que pagar uma parcela ao FMI de 1,6 bilhão de euros até o final de junho para, vejam só que ironia, continuar recebendo ajuda da mesma odiada troika. Os demais países, Argentina e Venezuela, assistem paralisados grandes protestos e greves em meio ao caos generalizado provocado pelo chamado “socialismo do século XXI”, o bolivarianismo do amado, e homenageado no último congresso petista, Hugo Chávez.

O que há em comum entre todos eles? O imenso abismo entre o discurso fácil e populista de esquerda e a realidade dos números. Não é por acaso que todos os governos de esquerda que chegaram ao poder tiveram que dar uma guinada à direita. A primeira desculpa é que não dá para mudar o tal “sistema” de uma hora para outra. No caso do PT, que já está no poder há treze anos, tal desculpa já não tem o mesmo apelo. Então resta-lhes agora a apelar para a estarrecedora narrativa de que o ministro Joaquim Levy é apenas um infiltrado no governo popular do PT, uma “concessão” do governo à conspiradora direita golpista que ameaça derrubar o partido.

Não é de hoje que a esquerda vive de narrativas descoladas da realidade. Sua história é uma coletânea de erros. Das decapitações da Revolução Francesa, passando pelas dezenas de socialismos, do socialismo utópico ao chavismo, a esquerda teve que reciclar seus discursos a cada nova derrota para a realidade. Não surpreende que muitos comunistas de décadas atrás abriram mão dos dogmas marxistas e resolveram se contentar em abraçar a social-democracia, versão “humanizada” do capitalismo que até o final da Guerra Fria era vista com desdém pela maioria dos esquerdistas, que acusava a solução européia de tentar “apenas” reformar o capitalismo.

Também surpreende que a maioria dos principais críticos do esquerdismo já foi um dia socialista ou comunista. No sentido inverso, é mais difícil: não existem casos de ícones do esquerdismo que um dia já foram liberais ou conservadores ideológicos e se tornaram ferrenhos esquerdistas; no máximo, temos oportunistas como Maluf e Collor, por exemplo, que se aliaram ao petismo por interesses pessoais.

No campo intelectual, os casos de Delfim Neto e Bresser-Pereira chamam a atenção por parecem exceções à regra. No entanto, uma analise mais detalhada das trajetórias dos dois apenas confirmam o que os liberais afirmam há muito tempo.

O caso de Bresser-Pereira, o mais notório por ter sido um tucano que abraçou o petismo, apenas revela o perfil de centro-esquerda do PSDB que os petistas insistem em negar. Ou seja, Bresser é apenas um esquerdista mais teimoso que a média dos tucanos, mais identificado com o nacional-desenvolvimentismo e o capitalismo de estado, outros dois equívocos a que os esquerdistas atuais se apegam para não se renderem totalmente à realidade que insiste em apontar o livre mercado como o caminho trilhado por todos os países que chegaram ao cada dia mais numeroso clube de países ricos. E aqui temos mais um desmentido da realidade aos esquerdistas, afinal até bem pouco tempo a Teoria da Dependência dizia ser impossível um subdesenvolvido ficar rico devido a uma suposta conspiração destes últimos para evitar que outros ascendessem também aos seus status, uma neurótica versão da luta de classes a nível de nações, comumente ilustrada pelos discípulos de Celso Furtado com a famosa analogia do “chute na escada”.

Já na década de 90, quando os casos de novos ricos se tornavam ainda mais comuns, a esquerda continuou com seu discurso conspiracionista, sustentando agora que tanto o neoliberalismo quanto a globalização eram um plano dos países ricos para subjugar os países subdesenvolvidos, apesar do tempo mostrar, na prática, que a globalização favoreceu enormemente os países emergentes. Aliás, os ricos foram as principais vítimas da globalização, com a migração de suas principais empresas para países com mão de obra farta e barata.

No caso do “neoliberalismo”, as críticas dos esquerdistas também não foram menos irresponsáveis. A tal cartilha do Concesso de Washington, com os dez tópicos de recomendações para reforma de economias latino-americanas em crise até hoje, é resumida em seu tópico 7, que recomendava a privatização de estatais ineficientes. Ou seja, os outros nove tópicos são tão óbvios e incontestáveis, mesmo do ponto de vista da esquerda, que ela nunca esteve seriamente disposta a debatê-los.

Mas, voltando às exceções dos casos de migração para a esquerda, o caso do Delfim Neto é ainda mais fácil de entender. Afinal, o governo do PT, a partir do segundo mandato de Lula, seguiu rigorosamente a coletânea de erros do nacional-desenvolvimentismo keynesiano dos militares, linha rejeitada pelos esquerdistas da época que ainda tinham o bloco comunista como referência. Também não por acaso, os resultados são parecidos. Depois da euforia inicial provocada pelos efeitos de curto prazo de ações keynesianas combinadas com os ventos favoráveis externos, a economia vai perdendo fôlego e os efeitos retardados do intervencionismo estatal começam a vir à tona, levando o país à crise, exatamente como descrito pelos liberais da Escola Austríaca na teoria dos Ciclos Econômicos desde o início do século passado.

Aliás, este governo do PT tem sido pródigo em confirmar cada axioma dos austríacos. Como todo governo esquerdista, o do PT costuma confundir efeito com causa. Pior: confunde conceitos elementares de economia, inclusive o mais fundamental, o de escassez, a razão principal do estudo da economia. Um dos exemplos mais flagrantes é a equivocada teoria do valor-trabalho, um insight ainda muito rudimentar de Adam Smith que ironicamente Marx adotou como um dogma que explicaria a exploração dos famigerados capitalistas sobre os martirizados trabalhadores. O fato é que graves problemas da teoria do valor-trabalho, solucionados posteriormente pelas teorias marginalista e da valoração subjetiva, ainda continuam sendo ignorados por boa parte dos esquerdistas de hoje, que continuam insistindo da balela da “mais-valia” que sustenta toda a equivocada teoria marxista e sua inconsequentemente volúpia revolucionária.

Um outro equívoco comumente cometido pelos economistas esquerdistas é confundir riqueza e moeda. Neste ponto, o keynesianismo caiu como uma luva nos discursos esquerdistas ao inverter a lógica liberal clássica, que pregava a poupança como única forma de promover o crescimento sustentável, colocando em seu lugar o endividamento estatal para induzir o crescimento e estimular as pessoas a gastarem suas poupanças, para evitar a tal “armadilha de liquidez”. Em outras palavras, o keynesianismo transformou poupança em algo indesejável, alçando o crédito à nova categoria de combustível do crescimento.

Como consequência, desde que o keynesianismo se tornou a escola de economia dominante, o endividamento geral da população mundial e das nações foi multiplicado várias vezes, dando ainda mais combustível à criatividade dos financistas, que aproveitaram as tendências expansionistas dos governos para criarem vários novos produtos financeiros, muitos dos quais lastreados em dívidas, como os famigerados subprimes que agravaram a crise imobiliária norte-americana de 2008, provocada pelo próprio governo ao estimular irresponsavelmente o mercado imobiliário.

Por aqui, o governo, apesar de Joaquim Levy (um liberal monetarista, ainda que muito distante dos princípios que norteiam a Escola Austríaca), continua recorrendo a tais ferramentas monetárias para estimular o crescimento artificial da economia. Um exemplo de política expansionista keynesiana foi a recente redução do compulsório dos bancos para lastimáveis 5%. Em outras palavras, isso significa dizer que apenas 5% do dinheiro depositado nos bancos brasileiros têm lastro de fato. Ou seja, se todos os clientes fossem ao mesmo tempo sacar suas contas apenas 5% do total poderia ser resgatado.

Não é fácil perceber que quanto mais comuns medidas desta natureza, mais instável e vulnerável vai ficando a economia mundial. Por aqui, até meados de 2014 o governo Dilma já havia lançado 23 pacotes de estímulo ao crescimento, sem conseguir, no entanto, um único ano de crescimento pelo menos na média mundial ou da América Latina. Pelo contrário, o governo Dilma I entrou para história como o terceiro pior em média de crescimento de toda a história da nossa república, perdendo apenas para Floriano Peixoto, em tempos de guerra, e Collor em sua tentativa fracassada de frear a hiperinflação.

Outra consequência imediata de tais estímulos artificiais é o aumento da inflação. Desde que Keynes lançou sua famigerada Teoria Geral, a inflação mundial também foi multiplicada. E, não por acaso, é nos governos de esquerda onde ocorrem as maiores taxas de inflação. O que muita gente não entende é que a inflação é justamente o resultado dos gastos do governo acima de suas receitas. Ao colocar mais dinheiro no mercado que a geração real de riqueza, o governo se apropria da diferença do valor retirado da moeda que circula na economia.

Portanto, a raiz da inflação está, na verdade, nos gastos excessivos dos governos. Mas a miopia dos economistas keynesianos não os deixa perceber esta obviedade. Ao invés de combaterem a verdadeira causa, os esquerdistas procuram medidas paliativas, muitas das quais com efeitos contraditórios. Um dos casos mais flagrantes no governo do PT, por exemplo, é o aumento da taxa Selic para combater a inflação e, ao mesmo tempo, o estímulo ao crédito. Na prática, o efeito de uma ação anula a outra, o governo passa a gastar mais para pagar juros, a inflação continua alta e, de quebra, a população aumenta seu nível de endividamento, o que, por sua vez, dificulta ainda mais a retomada do crescimento no futuro.

Eis portanto a verdadeira armadilha keynesiana: baixo crescimento e inflação alta, dois conceitos que em condições normais deveriam ser contraditórios, mas que se tornaram possíveis juntos graças ao keynesianismo, exatamente como previsto por Hayek.

Mas o mais irônico de tudo isso é que, depois de anos e anos promovendo novas distorções, algumas das quais para corrigir problemas criados anteriormente pelas mesmas políticas intervencionistas, tais governos “progressistas” se veem finalmente obrigados a recorrerem a medidas de ajustes fiscais recessivos – ou “neoliberais”! Quem não se lembra de Dilma há alguns anos dando pitacos nos governos europeus, criticando os ajustes que só agravariam a crise? Pois é. Pouco depois, e convenientemente após as eleições, Dilma finalmente admitiu que esgotou todas as armas anticíclicas keynesianas, as mesmas que Guido Mantega disse ter um arsenal à disposição, e que o ajuste fiscal agora é indispensável para garantir as tais “conquistas anteriores”.

Que o estelionato eleitoral está configurado não resta a menor dúvida, nem mesmo para o mais humilde dos eleitores do PT. O que mais choca neste debate, no entanto, é ver economistas renomados terem a ainda a coragem de vir a público para atribuir a crise atual justamente às “políticas recessivas” do atual ministro da Fazenda, com se este estivesse acima da presidente que o nomeou. Marcio Pochmann, professor da Unicamp ligado ao PT, por exemplo, chegou a citar em um debate recente no Painel da Globo News que o aumento da inflação nos últimos meses teria sido provocado justamente pela mudança da política econômica iniciada por Joaquim Levy, que liberou os preços antes represados.

Ou seja, o ilustre economista desconsidera totalmente os bilhões de dólares perdidos pela Petrobrás nos últimos anos, decorrentes justamente da anomalia promovida pelo governo de usar os preços dos combustíveis como instrumento de controle inflacionário. Para ele, o governo poderia continuar usando a mesma “arma” keynesiana indefinidamente, sem maiores consequências…

Eis a mentalidade predominante no nosso meio econômico, principalmente na Unicamp, o berço da economista Dilma, que tentou também baixar os juros e o preço da energia na marra. O argumento de Pochmann chega a ser tão esdrúxulo que o próprio apresentador do programa, William Waack, chegou a corrigir o professor, lembrando um axioma básico da economia que diz que tudo que é represado em algum momento vai estourar. E estourou.

O final de toda a aventura keynesiana, abraçada pelos esquerdistas como última tábua de salvação para seu equivocado objetivo de moldar o mundo com a mão forte estatal, termina sempre em crises, crises estas cada ano mais comuns e persistentes. Aliás, como o próprio Keynes teve que admitir a um jornalista que o questionou sobre os efeitos óbvios do endividamento intrínsecos a suas propostas: “No longo prazo, estaremos todos mortos”.

E o mais desanimador de tudo isso é que sempre que os instrumentos keynesianos são esgotados, a crise chega e os liberais finalmente são chamados para resolver os problemas criados por anos e anos de intervenções desastradas, os esquerdistas afastados do comando da economia passam a acusar seus sucessores pelos estragos que eles próprios causaram, mesmo que o governo que aplique tais políticas “neoliberais” seja o seu próprio. Ou seja, mais que um problema de adotar teorias econômicas equivocadas, a esquerda tem também um claro problema moral.

Amálgama




Amilton Aquino

Formado em jornalismo pela UFPE.


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