O petista tem certeza de que não haverá vida após a morte. O não-sou-petista-mas é um agnóstico
O petismo é diferente. Ele é uma religião. Não é que o tucanismo, o pessolismo e outros careçam de acólitos, ou de caciques. Mas o que diferencia o petismo é a existência da figura de um Messias, que vem a ser Luiz Inácio. O petismo é uma religião secular porque é política e não acredita em vida após a morte.
Tal como o profeta de certa religião monoteísta tem a conduta racionalizada no que se refere a episódios de sanguinolência e pedofilia, os crentes do petismo também, desde sempre, “contextualizam” (ou aceitam em seu valor de face) as condutas mais abomináveis de Luiz Inácio, seja separando-o sem manchas da cleptomania de seu bando, ou colocando suas falas em que classifica os adversários de nazistas na conta do calor da disputa eleitoral.
Que a elite intelectual do país encare com naturalidade a possibilidade de retorno ao poder de um elemento de tal envergadura moral mostra apenas que ela é um caso perdido a curto prazo, no mínimo.
Após a prisão ou falecimento de Luís Inácio, presenciaremos a morte do partido de que é coronel. A morte será de um jeito ou de outro. Ou será a morte do partido como o conhecemos, em que a sigla abandona o legado do Messias e se transforma em um partido de esquerda moderno, minimamente ético e sem ranço autoritário, talvez mesmo mudando de nome e símbolo; ou, mais provável, haverá uma formolização que o deixará eterno refém das crenças antidemocráticas e do modus operandi do Messias, em total descompasso com a evolução da opinião nacional, e portanto uma espécie de PCdoB mais nocivo aos cofres públicos.
A segunda rota será a mais provável não exatamente por vontade dos caciques que sobreviverem ao Messias, e podem até, alguns, ter interesse em modernizar o partido, mas por pressão dos lulistas nas classes médias. Será mais cômodo e psicologicamente mais valioso cultivar a imagem de Luiz Inácio – e a imagem que ele fazia da América Latina e do mundo, da relação partido-Estado, a imagem que ele fazia daqueles que discordavam de seu projeto – do que transformar o PT em uma espécie de Partido Trabalhista britânico.
O certo é que haverá vida após a morte do PT lulista. O absurdo é que os figurões das cátedras e redações – ou, por falar nisso, de certos círculos tucanos – tentam dia e noite nos convencer do contrário. De fato, a principal diferença entre os fieis da nova religião e seus observadores isentões é que os petistas estão certos de que não haveria vida após a morte do PT, enquanto que os não-sou-petista-mas comportam-se como agnósticos.
Temos no ponto mais fundamentalista do petismo os jornalistas alugados, os artistas covers de si mesmos e os filósofos do pensamento único. Estes são os mais enfáticos: a vida acabaria com a morte do PT.
Temos os petistas que inspiram encanto nos não-sou-petista-mas. O mais representativo é André Singer, que escreveu que precisamos ter cuidado com a faxina na política sendo operada pela Polícia e pelo Ministério Público, pois na Itália essa brincadeira moralista levou à ascensão de Silvio Berlusconi. Para estes petistas, também não haveria vida após a morte do partido, mas eles disfarçam a crença pintando uma hipotética vida pós-morte ainda pior do que a vida atual.
E, finalmente, temos os não-sou-petista-mas, que não andam matraqueando a propaganda partidária, mas que são sempre rápidos em acusar a real oposição ao petismo como “alas radicais”, e, principalmente, em tratar as críticas ao Messias que fazem jus a seu histórico de atos e falas no espaço público como nada menos que heresias, vindas de extremistas sem qualificação para viver em uma democracia.
Tereza Cruvinel já foi a maior representante da espécie não-sou-petista-mas, antes de sua conversão e mudança de nível. Atualmente, quem mais me diverte é Cristiana Lôbo, que comenta política brasileira como quem trata de política dinamarquesa.
Os petistas, claro, são os soldadinhos da mitologia lulista, mas serão os não-sou-petista-mas compradores da farsa que impulsarão a entronização do “legado de Lula” como algo positivo e a consequente fossilização do PT.
Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
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