Quem poderia imaginar que uma minoria, os muçulmanos, não sentiria tesão por outra minoria, como os gays?
Douglas Murray, National Review
trad. Daniel Lopes, João Rodrigues, Pedro Novaes
Em janeiro último, o Gay Times britânico publicou um artigo morbidamente fascinante. Na sequência dos últimos ataques em Paris e da prática do ISIS de atirar gays do alto de edifícios, a revista perguntou “O islã é em si mesmo uma ameaça para a comunidade gay?” Talvez sem surpresa, os leitores viram que a sentença seguinte era “A resposta é simples. ‘Não’.”
De acordo com o artigo (escrito por certo Thomas Ling), não existe nada no islã que precise preocupar os gays. Mas, ouço vocês perguntarem, e as tradições islâmicas? E o Alcorão? Felizmente, o Gay Times cobriu o assunto, insistindo que o Alcorão não diz “absolutamente nada” sobre ser gay. Ufa! Então todos puderam virar a página para conferir as matérias sobre dieta e rotinas de academia?
Bem, não exatamente. A razão dada pelo veículo foi que “a palavra ‘homossexual’ simplesmente não existia quando [o Alcorão] foi escrito.” OK, mas o que dizer do fundador do islã, Maomé, e sua injunção de matar pessoas que são gay? Nosso intrépido repórter pulou essa lei, mas notou uma outra “narração profética”, que diz “Quando um homem se deita com outro homem, o trono dos céus balança.” (O autor perde a oportunidade de gracejar que, se você tiver sorte, a terra também mexerá.)
Seja como for, tendo chegado perto do busílis, o autor do Gay Times prontamente passa para a questão mais confortável das injunções bíblicas sobre a homossexualidade. Ele insistiu que “as impiedosas e deploráveis aplicações da lei da sharia pelo ISIS não são uma consequência inevitável do islã.” Para que o leitor se anime, somos lembrados de um deputado muçulmano que votou pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo, e nos é dito o quão maravilhoso era o trabalho de um grupo “anti-islamofobia” que teve que encerrar as atividades depois que tabloides publicaram notícias “negativas” sobre muçulmanos. O exercício de casuística conclui assim:
Talvez seja hora de aceitar que o Estado Islâmico tem muito pouco a ver com os ensinamentos do islã. Talvez devamos comparar seus militantes a terroristas como Anders Breivik, o assassino em massa norueguês, motivado por crenças pessoais distorcidas ao invés de por uma religião completamente diversa. Talvez então a sociedade possa aceitar o islã e promover uma tolerância que poderá ser celebrada por futuras gerações de muçulmanos gays.
São muitos “talvez”. Por isso, permito-me acrescentar um ou dois de minha lavra. “Talvez” o sr. Ling e o Gay Times estejam errados. Talvez ambos sejam apenas, na verdade, evidentes sintomas do lento aprendizado das comunidades gays no Ocidente em relação ao islã. E talvez, quem sabe, após Orlando, algumas pessoas a mais se deem conta de que essa colcha de retalhos de atomização social a que chamamos de “diversidade” seja apenas um inferno que nós mesmos criamos.
Não surpreende que a maioria dos representantes e publicações do movimento gay tendam à esquerda. Por razões históricas – sobretudo a oposição da direita política aos direitos dos gays –, a maior parte dos representantes gays continua a pensar que os sentimentos anti-gay emanam apenas da direita política. Durante muitos anos, Pat Roberson encarnou seus piores pesadelos. Ele, entretanto, ambicionava apenas impedir que os gays se casassem. Pat Robertson não conclamava ninguém a nos atirar do alto de edifícios.
A despeito da crescente consciência de que era precisamente isso que os islamistas desejavam, os representantes do movimento gay, suas publicações e grupos, seguiram, ao longo dos anos 2000, sustentando as velhas ilusões da esquerda. Estas incluíam a ideia de que, como “minoria”, os gays só teriam algo em comum com outras “minorias”. Dessa forma, seria natural que os gays fossem companheiros, em termos políticos e sociais, não apenas de outros gays, mas de pessoas com deficiências, minorias religiosas e raciais e também, quem sabe, de mulheres.
Tudo, evidentemente, uma grande piada. Homens gays não têm quase nada em comum com lésbicas. Por que – mesmo que tivessem uma visão e voz unânimes – comungariam das mesmas ambições de “todas” as pessoas com uma perna só? Ou dos sikhs? Ou dos muçulmanos? Para que uma visão de mundo assim faça qualquer sentido, é preciso acreditar na existência de uma voz “patriarcal” dominante na sociedade, que esse é o único grupo intolerante e que todas essas minicomunidades precisam se unir contra esse dominador de fantasia.
Um ponto de vista assim não apenas se equivoca em sua análise reducionista da grande política, como passa longe de efetivamente ser capaz de se deter nos detalhes cruciais da política das “minorias”, incluindo pensar se haveria aí um alinhamento mesmo que remoto de interesses. Quem poderia imaginar que uma minoria, os muçulmanos, não sentiria tesão por outra minoria, como os gays?
Mesmo um olhar apressado sobre o mundo muçulmano teria sido útil. Quase ninguém, entretanto, queria prestar atenção. A “mídia gay” e a “comunidade gay” deixaram aberto seu flanco esquerdo, e foi justo por ali que os verdadeiros fanáticos chegaram. Quando a homofobia furiosa retornou às sociedades ocidentais, ela veio não do “patriarcado”, mas de outro grupo “minoritário”.
A mesma história se repete em todo o mundo ocidental. Uma pesquisa feita na Grã-Bretanha em abril mostrou que 52% dos muçulmanos britânicos querem que a homossexualidade seja declarada ilegal. Não se trata apenas de “não apoiar o casamento gay” ou “não curtir a ideia de parcerias civis”. É querer ver os gays encarcerados. Na Grã-Bretanha. Em 2016. Quando falamos em homofobia de verdade, e não apenas homofobia de salão, não estamos lidando com o problema de uma minoria muçulmana. Esse é o problema de uma maioria muçulmana.
É claro que uns poucos gays “dissidentes” podem ir contra esta tendência e acabar soando sinais de alerta antes do previsto. O político holandês Pim Fortuyn e o autor nascido nos EUA Bruce Bawer são exemplos notáveis. Mas, por suas preocupações, esses dissidentes se veem atacados não somente por muçulmanos, mas também pela patrulha gay profissional que quer provar a sua dedicação total à causa da “diversidade”. Entre as formas mais cômodas de mostrar essa lealdade estava caçar esses alegados “fanáticos” dentro de sua própria comunidade. Eles fizeram isso até o ponto onde algumas pessoas acharam que assassinato era a única solução.
No entanto, o maior problema ainda permanece. O que poderia ser feito? Como será possível até mesmo apontar homofobia islâmica sem ser rotulado de “islamofóbico”? Afinal, o que é mais “islamofóbico” do que criticar os textos fundadores do islã, os ensinamentos do fundador da religião e o comportamento de todas as sociedades islâmicas no mundo de hoje? É parecido com o problema do antissemitismo islâmico. Como é que um judeu criticaria o antissemitismo islâmico sem ser um “islamofóbico”? A resposta simples é que não é possível. Assim, as únicas opções são a mentir a respeito do que o Islã ensina e do que os muçulmanos pensam (Gay Times) ou fingir que o fanatismo universal só será derrotado quando você tiver derrotado qualquer “intolerância” em seu próprio coração. O que cairia como uma luva para um islamista.
Por enquanto, a maioria dos grupos e publicações gays americanos continua, com raras exceções, em constante negação desse problema. A prevalência na mídia social da ideia de “não vamos ceder à islamofobia” certamente sugere isso. Um colega que estava em um café gay em Washington, DC, imediatamente depois do ataque em Orlando, me relatou que toda a atmosfera permaneceu do tipo “Nada irá nos fazer odiar.” Se é perfeitamente correto não odiar toda uma comunidade por causa de um atirador, é uma ideia totalmente estúpida nem sequer perguntar se seu amor incondicional será devolvido na mesma proporção.
Para voltar àqueles “talvez.” Talvez tudo dará certo. Ou talvez não. Talvez os muçulmanos irão achar as tradições e certezas do islã mais atraentes que o esquerdismo atrapalhado do Ocidente moderno. Talvez, quanto mais muçulmanos existirem, mais homofobia haverá. Da mesma forma que, quanto mais muçulmanos, mais antissemitismo. Talvez o número de muçulmanos que odeiam gays e querem jogá-los na prisão ou do alto de um edifício irá crescer, em vez de diminuir, com o crescimento das comunidades muçulmanas ocidentais. E talvez os filhos de imigrantes não serão mais ocidentalizados do que seus pais, mas mais muçulmanos. Talvez, com o tempo, a ideologia forte e determinada do islã fundamentalista bata uma ideologia ocidental relativista consumida pela dúvida e confusão multicultural. É inteiramente possível.
A única coisa certa é que essa colcha de retalhos da diversidade, cheia de buracos, se desgastará ainda mais nos próximos anos. Não porque apontamos os problemas, mas devido à dura realidade que se afirma a partir de eventos como o de Orlando no fim de semana passado.
Amálgama Traduções
Além de textos exclusivos, também publicamos artigos traduzidos.