O problema é que há quem acredite que o país deve ser refém do desejo de uns poucos.
John Fund, National Review
trad. Daniel Lopes
Aqueles de esquerda frequentemente levantam a causa do “poder para o povo”. Isto é, até o povo decidir ir na direção contrária a seus desejos. A decisão de 52 por cento dos eleitores britânicos em desafiar seu establishment político desencadeou uma enxurrada de insulto contra esses eleitores.
Uma petição no website do governo britânico agora pede por um segundo referendo; ele já ganhou mais de 3 milhões de assinaturas em apenas dois dias. Isso significa que o parlamento terá que debater o assunto de um segundo referendo. O argumento para a legitimidade da petição é risível: ela pede que o governo refaça o referendo porque o voto vencedor do Leave foi abaixo de 60 por cento e teve como base um comparecimento de menos de 75 por cento. Mas todos os referendos britânicos (houve outros dois nos últimos cinco anos) foram decididos na base do voto majoritário, e o comparecimento para o referendo do Brexit foi seis pontos mais alto do que o comparecimento para a eleição de 2015 que escolheu o atual governo.
Não obstante, o ex-primeiro ministro trabalhista Tony Blair jogou lenha na fogueira ao dizer ao programa Sunday Politics da BBC: “Pelo que vejo, não sei como poderíamos realizá-lo [outro referendo]. Mas, sabe como é, a questão é por que descartar qualquer coisa agora? Como eu digo, teremos uma realidade na qual passaremos por um teste.”
David Lammy, o último ministro trabalhista para a educação superior, foi ainda mais longe e conclamou seus colegas de parlamento a ignorarem a votação e “parar a loucura” do Brexit. “O parlamento tem agora que decidir se devemos seguir adiante com o Brexit, e deve haver uma votação no parlamento próxima semana”, disse ele. “Não vamos destruir nossa economia por conta das mentiras e da arrogância de Boris Johnson [apoiador do Brexit].”
Os adversários do Brexit na mídia estão agora concluindo, a partir de umas poucas cartas aos editores de grandes jornais, que muitos eleitores do Leave já estão se arrependendo de sua escolha. “Tem muito protesto acontecendo”, disse Gillian Tett, do pró-União Europeia Financial Times, à ABC News. “Muita gente foi para as cabines de votação para dar um voto de protesto. Elas estavam com raiva de tudo. E agora que despertaram e entenderam as consequências, há de fato um enorme sentimento de arrependimento. E isso tem um bocado de implicações para os votos populistas e políticos populistas de uma forma mais ampla.”
É absurdo que Tett acredite que um segundo referendo seria dominado por gente arrependida de ter votado no Brexit. Partidários do Brexit observaram que a vasta maioria de assinaturas na petição é de gente de Londres e de cidades universitárias, áreas que votaram em massa para permanecer na EU. Suas assinaturas não são um indicativo de que a votação seria diferente numa segunda vez.
A ironia é que a petição para um segundo referendo foi na verdade criada mês passado por William Oliver Healey, um estudante universitário que apoiava o Brexit mas temia que ele fosse perder nas urnas. Ele queria pressionar o governo britânico a não usar o referendo como um pretexto para aumentar os poderes da UE. Desde o referendo, ele renegou a petição e voltou sua raiva à campanha do Remain. Ele soltou uma nota dizendo: “Estou genuinamente chocado com o comportamento de alguns da campanha pelo Remain, com a maneira como eles estão se comportando no pós-referendo, não só pela petição, mas de uma forma geral. O referendo foi adequadamente financiado; democraticamente avalizado, cada voto foi pensado igual, e acredito que o processo foi um reflexo verdadeiro do ânimo do país.”
O problema é que há quem acredite que o país deve ser refém do desejo de uns poucos. No domingo, a líder escocesa Nicola Sturgeon disse à BBC que seu parlamento pode vetar o Brexit. Ela alega que, de acordo com a devolução de poderes à Escócia pelo Reino Unido, “a lógica diz” que uma votação sobre o Brexit deve ocorrer no parlamento escocês. É mais provável que Sturgeon esteja usando esse frágil argumento para reforçar seu apelo por um novo referendo de independência escocesa – algo que ela diz ser “altamente provável.”
Tudo isso mostra como a esquerda é relutante em aceitar o desejo soberano do povo. No entanto, a reação petulante dos apoiadores do Remain diante de sua derrota também levou a algum arrependimento no seu lado. O site de notícias alemão local.de reportou sobre um grupo de expatriados britânicos em Berlin que estava assistindo a apuração na noite do referendo. Um homem chamado Sam, que é da cidade britânica de Lincoln, tinha votado pela permanência na EU. “Preocupo-me com o mundo que encontraremos pela frente”, ele disse. “Isso é mais retrocesso do que progresso.” Mas Sam também foi crítico da forma com que o campo do Remain se comportou. “Toda a campanha do Remain foi condescendente. As pessoas odeiam que se diga que elas não sabem o que é melhor para elas.”
É exatamente por isso que a mesquinhez da reação dos apoiadores do Remain ao resultado da última semana tem mais chances de diminuir o número de partidários pró-UE do que aumentá-lo.
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