Girard apocalíptico: a perspectiva escatológica da história

por Elton Flaubert (04/06/2016)

A imaginação apocalíptica é o arremate da teoria mimética; a revelação do drama humano na História numa perspectiva escatológica.

 

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“De um ponto de vista tradicional, eu represento uma reação agostiniana contra os excessos do humanismo”[1].

“Sempre apostarei na identidade contra a diferença”[2].

René Girard

 

Introdução

O Senhor ressuscitou. Ele está vivo em nosso meio. Aleluia! A morte e ressurreição de Jesus Cristo – por uma centelha – desvela o mundo. A Cruz – então instrumento de tortura e morte – tornou-se o símbolo que condensa toda história humana. Ela é a transgressão que confirma a ordem, pois “está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes” (1Cor 1:19). Símbolo de vida a partir da morte terrena, de ligação insubornável da transcendência com o sentido da matéria, a Cruz é a unidade que articula toda obra de René Girard.

Indo-se deste mundo no último 4 de novembro, René Girard não partia da teologia (embora a fizesse por outros meios), mas dos dados humanos, da análise antropológica[3]. A primeira intuição de Girard é sobre a natureza mimética dos desejos humanos e de como a encontramos na literatura. O desejo mimético é a base da sua obra, sobre a qual o resto se erige. A partir do mimetismo, ele encontra na violência e no sagrado a fundação das culturas. Na antropologia da experiência religiosa, descobre na revelação cristã o desvelamento dos mecanismos expiatórios. Na seara do conhecimento, o cristianismo não lhe serve como dogma, mas como uma teoria do homem que se revela correta universalmente, confirmada pela história. Como o próprio cansou de afirmar: um mapa onde o orgulho e a inveja encerra a humanidade. Os Evangelhos são a chave profética que confirmou Cristo e a chave da história que nos espera, sendo sempre confirmados milênios depois. Assim, chegamos à unidade que articula a obra girardiana: a Cruz.

A obra de Girard não pode se dissociar da Cruz e só pode ser entendida num sentido mais profundo a partir da Sua cosmovisão. Apesar de seu método estrategicamente não partir do logos dos filósofos, mas da antropologia, a quintessência da contribuição de Girard (sem a pretensão de encerrar as nuances da sua obra) está em diálogo com Platão e Agostinho; com uma longa tradição filosófica sobre a transcendência e a escatologia cristã – e resgatadores como Voegelin e Lavelle; e com uma perspectiva histórica não-historicista baseada na “interpretação figural”; para não se transformar numa substância rala e contrária ao seu ímpeto original.

A ambição de Girard foi grande como sua obra, mas possui alguns problemas filosóficos. Infelizmente, a sua leitura de Platão era muito influenciada por um dos seus piores intérpretes (Derrida). Dizendo-se (corretamente) um continuador de Agostinho (um discípulo intelectual de Platão) contra os excessos do humanismo, Girard enxergava na filosofia do grego uma ocultação. Ao contrário, como mostra Voegelin em Ordem e História, a filosofia socrático-platônica é parte do desvelamento da tradição pagã que se cristalizará no cristianismo. Ela é parte fundamental da história da ordem que revela justamente o sentido da história.

Ler Girard no contexto da revelação não significa emoldurá-lo num quadro maior de repetição duma tradição, mas, ao contrário, compreender o sentido de suas ideias, a essência delas, o status quaestionis de sua generalidade, e sua contribuição (e também divergências e deficiências) perante isto. A leitura girardiana da Cruz não permite ideologias do vitimismo, nem nostalgias da antiga ordem, sendo antes um desafio à fragmentação hipermoderna e ao relativismo.

Nesse sentido, alguns leitores de Girard acolhem a teoria mimética e as origens da cultura perante a violência e o sagrado, mas que, quando não negam, dissolvem a revelação cristã (na perspectiva antropológica) numa linguagem culturalista ou em filosofias modernas da representação. Sem falar noutras interpretações que o ligam à raiz da fragmentação pós-moderna numa chave pós-estruturalista ou derridiana. Num dos seus últimos livros, Rematar Clausewitz (2011), o próprio Girard afirmou:

Todos os meus livros foram escritos desde uma perspectiva cristã. Foi minha conversão que me colocou na pista mimética, e foi a descoberta do princípio mimético que me converteu. Dizer que meus dois primeiros livros formam um todo – porque neles sou relativamente discreto quanto à revelação cristã – e que todos os outros devem ser jogados fora é um pouco demais! Contudo, é uma atitude comum.
Meus leitores, mesmo os benevolentes, continuam a não me seguir em minha convicção de que somente o judaísmo-cristianismo e a tradição profética podem dar conta do mundo em que hoje estamos. Existe uma sabedoria mimética – que não tenho a intenção de encarnar – e é dentro do cristianismo que devemos todos procurá-la. Pouco importa se sabemos disso ou não. Foi a Crucificação que fez surgir diante de nós o mecanismo vitimário, e que explicou a história. É porque todos os “sinais do tempo” hoje convergem que não podemos mais insistir na loucura das rivalidades miméticas (nacionais, ideológicas, religiosas). Cristo disso que o Reino não era desse mundo. É isso que explica a espera pelo fim do mundo entre os primeiros cristãos, como testemunham as duas Epístolas aos Tessalonicenses. É preciso aceitar a ideia da finitude essencial da história: somente essa perspectiva escatológica devolve ao tempo seu verdadeiro valor[4].

O tema do apocalipse é o remate final da obra de Girard. Ele significa aceitar a perspectiva de fim substancial e material desse mundo em que vivemos. E é só a imaginação dessa possibilidade real que nos traz de volta a ideia de finitude da História. A imaginação apocalíptica faz o tempo readquirir seu real valor e desvela aos homens a sua essência. O fim é o enlace que dá sentido a toda narrativa bíblica e a toda realidade condensada na vinda e ressurreição de Cristo. Logo, da revelação dos mecanismos expiatórios só poderíamos chegar à imaginação do apocalipse. Ela é o remate final da teoria mimética, e sua conclusão é a revelação do drama humano na História numa perspectiva escatológica.

Para além dos fatos, das possibilidades dentro dos limites do real e das estruturas materiais, há uma História que dá sentido a esses dois tempos materiais, que nos faz universalmente humanos e é a síntese mesmo da existência. Resgatar sua escatologia é a única maneira de tomar consciência das ilusões desse mundo e de nós mesmos enquanto seres limitados e pecadores. A perspectiva escatológica da história, como tomada de consciência da finitude, rompe as nossas ilusões de transmutar o futuro, trazer o paraíso para a terra e mudar a essência humana (como o aspecto mimético do desejo). A teoria mimética chega à Cruz e nos revela no tecido histórico a profecia dos Evangelhos.

Muitos leitores de Girard têm feito reinterpretações para escapar da crítica moderna à leitura teleológica da história. Esse é um debate fruto da incompreensão da tradição escatológica cristã. Em geral, essas críticas tomam a teleologia pela associação do sentido da história com sua finalidade terrena. São as utopias modernas que “imanentizaram o eschaton” e trouxeram o paraíso para a terra. É preciso diferenciar uma teleologia imanentista, que pretende alcançar um reino de perfeição no futuro como finalidade última da história, da perspectiva transcendental que entende o mundo material como um entremeio, ou seja, a partir de suas ambivalências. Para Platão, o fim último das coisas (em si, ambivalentes) estava fora delas. Sem esse fim último todo sentido da vida humana seria meramente arbitrário. Como ressalta Agostinho, só nessa espécie de teleologia é possível uma ética, que reside na busca pela beatitude.

A antropologia de Girard nos faz retornar à perspectiva escatológica, pois “toda grande experiência cristã é apocalíptica porque aquilo que se percebe é que após a decomposição da ordem sacrificial não resta nada entre nós e a possibilidade de nossa destruição”[5]. Sobre a diferença da escatologia da História para seu entendimento moderno, diz Girard: “A minha poderia ser definida como uma análise morfológica, cujos horizontes são tão vastos que chegam a compreender toda a história humana”[6].

Assim, a imaginação apocalíptica não é um futuro em aberto onde a sua transformação depende da sua tomada de consciência, ou seja, num lugar aberto para a descoberta de uma nova utopia de convivência (isto sim seria negar a escatologia e voltar ao imanentismo), mas antes o que possibilita compreender o drama humano diante de uma dimensão maior. Ela só pode ser revelação enquanto finitude. Uma tomada de consciência dirigida não à ação transformadora, mas sim no plano da salvação das almas diante da única liberdade que temos: entre imitar Cristo ou imitar os modelos que nos levam aos escândalos. Panaceia não é a perspectiva cristã, mas tratar a imaginação apocalíptica como cura para um eldorado de homens conscientes e iluminados.

Este artigo tem três objetivos: a) ser uma introdução (e uma leitura particular) à obra girardiana e suas nuances; b) mostrar na imaginação apocalíptica o seu arremate enquanto abertura para a perspectiva escatológica da história; c) mostrar que sua obra – num sentido maior – versa, acima de tudo, sobre os dramas humanos e a salvação das almas.

O Verbo encarnado venceu a morte física e espiritual do homem e a Cruz tornou-se aliança entre Deus e os homens, profetizando que este irá falhar, falhar de novo e falhar novamente. A tomada de consciência de si e dos mecanismos expiatórios não serve ao manejo do futuro e às mudanças qualitativas (não-ambivalentes) do mundo, pois isto já seria escolher o mundo diante de Deus e, deste modo, escolher os mecanismos expiatórios, os escândalos e os modelos de Satanás, entrando em contradição com uma real tomada de consciência. Ao contrário, a consciência que vem da imaginação apocalíptica só pode dar sentido a uma ética de reconhecimento de ser limitado e pecador, dirigindo-se à busca pela beatitude através do amor ao Bem. Ou seja, na imitação (positiva) de Cristo.

O desejo mimético

Inspirado em Spinoza e Nietzsche, o filósofo Gilles Deleuze considera que a ação é a base do homem, não como essência, mas antes como potência. A sua filosofia empirista é imanentista e considera no desejo em si o próprio princípio e fim último. O real é uma construção molecular em movimento, de matérias e átomos. Esse real é composto de corpos que são abertos, que se desfazem e se refazem, tomando novas formas num plano imanente. Essa desestruturação molecular é o desejo.

Assim, o desejo é aquilo que Nietzsche chamava de “vontade de potência”, sempre em devir e se rearranjando, produzindo novas realidades. Deleuze rompe assim com a tradição platônica que considera o desejo uma falta. Para o filósofo francês e seu parceiro Félix Guatarri, o desejo é revolucionário, pois ele não é falta, mas produção de realidades.

O desejo produziria o real e é disto que se constitui o ser humano: máquinas desejantes que produzem subjetividades, fluxos, processos, cortes, desconstruções. Desconexo da realidade, pois rompido de qualquer noção de transcendência, o desejo torna-se autônomo para construir novos conjuntos. O desejo não atrairia uma promessa, um objeto desejado, tampouco um modelo, mas mover-se-ia por dentro do real. Desejar algo é mudar o mundo. Por isto, ele só poderia ser experimentado, nunca limitado ou definido. Para Deleuze e Guatarri, o desejo seria quebra da ordem. Essa visão fragmentada hipermoderna do desejo é uma ruptura com a cosmovisão da Cruz a respeito da natureza dos homens.

A interpretação platônica do desejo é antagônica. A partir dos diálogos socráticos, Platão mostrava que havia, por exemplo, uma multiplicidade de cavalos. Havia o cavalo preto, o cavalo branco, entre outras cores e raças. No entanto, diante dessa multiplicidade de cavalos todos eram, ao mesmo tempo, uma só coisa: Um Cavalo. Não poderia haver a multiplicidade sem a unidade. E mais do que isso: sem a unidade, não haveria sentido no mundo. Todavia, não vemos O Cavalo materialmente neste mundo. O Cavalo-Forma é uma ideia (no sentido formal) que empresta seu Ser ao mundo. Então, o mundo material não é o do Ser (o mundo das formas: Homem, Cavalo, Movimento, Repouso, etc.) ou o do Não-Ser, mas encontra-se no entremeio entre Ser e Não-Ser, por isto, aberto a possibilidade e a liberdade de escolha dos modelos.

Entretanto, o mundo do Ser (daquilo que é) é ele também múltiplo. E se é múltiplo e tem existência (como percebemos por contemplação) só pode provir de outra unidade, o Uno (a unidade absoluta de todas as coisas). Ainda assim, as coisas no mundo do Ser não são unívocas, mas ambivalentes. Por exemplo, o movimento é ausência de repouso, logo, ele é e participa do Ser enquanto não-repouso. Por sua vez, repouso é ausência de movimento, logo, ele é e participa do Ser enquanto não-movimento. Movimento e repouso, dia e noite, como aceitação e negação da unidade do logos, como sim e não, fazem parte da ambivalência das formas no mundo do Ser. Ou seja, as formas primordiais existem no Ser enquanto ambivalência que funda a alteridade do mundo material.

O mundo do Ser tem, então, como substrato uma díade da qual proveio todas as coisas da unidade absoluta. Só a partir dessa díade, que torna todas as coisas do nosso mundo material ambivalentes, podemos ter a liberdade de escolha, agir e se mover dentro da própria unidade primordial que nos confere sentido. O mundo material, como um entremeio, é uma “cópia imperfeita” do verdadeiro e pleno. Ao contrário dos sofistas, que encaravam no homem a medida de todas as coisas, Platão observa por contemplação que a transcendência das formas é a razão de ser desse mundo. O cosmos é então uma imitação da ideia produzida pela própria unidade absoluta de todas as coisas. Só assim podemos compreender a escatologia da História.

Deste modo, lembro da célebre frase de Sócrates em O Banquete: “o amor é desejo, o desejo é falta”. Os objetos desejados por nós são aqueles que não temos materialmente ou não temos (nem podemos ter) em plenitude. O desejo é falta porque o mundo material é ele uma imitação que nos revela sermos seres incompletos, imperfeitos, pecadores, convivendo de maneira ambivalente. O desejo bem orientado busca a Verdade, o Bem, o Belo, a Justiça, pois somos ontologicamente, ao mesmo tempo, carência e necessidade de busca pela beatitude. O desejo mal orientado é dupla imitação, pois deseja não o que nos transcende, mas as coisas do mundo material, carente em si mesmo. O desejo mal orientado é o desejo deleuziano, pois é autossuficiência de si e negação da carência que somos.

De certa maneira, Girard retoma essa tradição do desejo como falta contra a fragmentação hipermoderna. Porém, ele apresenta o mimetismo dentro de uma ambivalência (queda e liberdade do homem) não tão clara na obra platônica. Eis então a sua descoberta fundamental sobre a qual toda sua obra se constrói e se repete: além de uma ausência do objeto desejado, todo desejo é mimético. Eis, a primeira intuição da obra girardiana: o desejo humano é mimético.

Em 1961, Girard lança o seu primeiro livro: Mentira Romântica, Verdade Romanesca (2009). O tema principal versa sobre o caráter imitativo do desejo e o seu desvelamento na literatura ocidental. O escritor romântico é aquele que trata o desejo dos personagens de maneira autônoma, autocentrada e sem ligação externa. Por exemplo, a paixão liga um ponto ao outro por autonomia dos sujeitos. Há uma ligação direta entre sujeito que deseja e objeto desejado. Essa é a mentira romântica sobre a natureza do desejo.

Girard irá encontrar em alguns autores, como Cervantes, Dostoiévski, Flaubert, Stendhal e Proust, a verdade romanesca. O escritor romanesco é aquele que desvela o caráter mimético do desejo. Este não é autocentrado, nem fruto da autonomia do sujeito desejante, mas depende fundamentalmente de um modelo para o objeto desejado. Portanto, os escritores romanescos são aqueles que inserem um terceiro elemento entre o sujeito que deseja e o objeto desejado.

Chegamos à estrutura triangular do desejo: um sujeito desejante, um objeto desejado e um modelo. Para desejar algo dependemos de um modelo que imitamos. Por exemplo, um menino deseja ser jogador de futebol e ter as glórias de um campeão do mundo como Ronaldo. O menino é o sujeito que deseja, as glórias de ser um campeão do mundo do futebol é o objeto desejado, e o modelo é Ronaldo. Outro exemplo: uma menina anda pelo parque, vê um casal feliz passeando por ele e deseja ter um namorado e ter o mesmo tipo de felicidade. Ela é o sujeito que deseja, o ideal de felicidade de um relacionamento é o objeto desejado, e o casal que ela viu é o modelo.

É interessante notar que o desejo é diferente dos apetites biológicos. Os apetites são espontâneos e naturais – como a fome, a sede etc. Todavia, o homem é um ser cultural que vai além dos apetites e que, por ter consciência da sua carência de Ser, se vê insatisfeito por não ter a plenitude. Ele é impelido assim a buscar o que os outros parecem possuir. Depois de exercer seu apetite, o homem se vê diante doutra ausência: a de um objeto específico. É a partir dos modelos que ele se situa no mundo, estruturado por sentimentos que ele não tem autonomia para criar, mas pode desejar.

Todo desejo não é mimético porque assim deseja Girard ou porque assim ele anuncia através da crítica literária, mas pela razão de que podemos observar isto – por contemplação – na realidade. Sem a presença de um mediador, não poderíamos estar-no-mundo desejando, caso contrário, seríamos os inventores dos objetos desejados e, acima de tudo, dos sentimentos. Sendo assim, seria impossível o diálogo e a experiência.

O que, afinal, a teoria mimética nos explica é que nós não inventamos os sentimentos, que são os substratos dos desejos. Não inventamos o amor, a felicidade, a glória, a ambição, a vaidade, o erotismo, etc. Sentimentos sobre os quais versam todas as narrativas humanas. Estes existem desde que o mundo é mundo e só podemos compreendê-los e deseja-los através de um modelo. Eles não são minhas criações, nem criação do modelo. Estes sentimentos existem e circulam no mundo material como imitação de sua forma-ideal, pois não criamos o amor, mas somos capazes dele participar. É só na interação entre os seres humanos que estes sentimentos podem circular, e isto só através da imitação[7]. A natureza mimética do desejo é o fundo insubornável que permite que um homem possa se relacionar com o outro.

De início, pode-se ter muita resistência a ideia de que todos os nossos desejos são miméticos, pois vivemos num mundo hipermoderno – de individualismo, ensimesmamento, utilitarismo e profunda desconexão com a realidade. A autonomia do eu ou a visão deleuziana dos corpos como máquinas desejantes são explicitadas vulgarmente pela publicidade e pela mentalidade de todas as elites ocidentais. Sobre a mentira romântica no mundo moderno e a liberdade:

O mundo moderno é ultraindividualista, quer que o desejo seja estritamente individualizado, único. Em outras palavras, meu apego ao objeto de desejo é de certo modo predeterminado. Se o desejo é só meu, eu sempre desejo as mesmas coisas. E se o desejo é fixo, não há mais diferença entre instinto e desejo. A mobilidade do desejo, em contraste com a fixidez dos instintos ou apetites ou do ambiente social, decorre da imitação. (…) Só o desejo mimético pode ser livre, ser de fato desejo, pois tem de escolher um modelo[8].

Girard faz também uma diferenciação entre os tipos de mediação. Há dois tipos de mediação: externa e interna. Quando o modelo é algo longínquo do sujeito que deseja temos uma mediação externa. O menino deseja ser um grande jogador de futebol como Lionel Messi, mas o seu modelo está distante da consecução do seu desejo. Essa mediação é externa. Alguém aspira ser um filósofo reconhecido como Hegel, mas este já está morto e distante, então a mediação é novamente externa. A característica essencial da mediação externa é o fato do sujeito não poder possuir o objeto que pertence ao modelo. Ele não pode tirar o reconhecimento de Hegel para ser ele o reconhecido. A mediação externa é a inspiração no modelo, como geralmente acontece na relação entre pai/filho, professor/aluno.

A mediação interna ocorre quando o sujeito pode possuir o objeto que pertence ao modelo. Um adolescente vê um colega feliz num relacionamento com uma moça. Ele passa a ser seu modelo e a felicidade na relação com a mesma moça o seu objeto desejado. Na mediação interna, o sujeito se vê num mesmo patamar com o modelo, já que o objeto deste modelo está ao seu alcance, instaurando assim um conflito com este pelo objeto desejado. Os dois desejos concentram-se no mesmo objeto e um se torna obstáculo para o outro.

A partir da mediação interna, o desejo mimético torna-se rivalidade. Explica Girard que:

(…) em decorrência da proximidade física entre sujeito e modelo, a mediação interna tende a tornar-se mais simétrica; pois, à proporção que o imitador deseja o mesmo objeto desejado pelo seu modelo, este tende a imitá-lo, a tomá-lo como modelo. Assim, o imitador torna-se, ao mesmo tempo, modelo de seu modelo; imitador de seu imitador.[9]

A rivalidade tende a se agravar e caminhar para os extremos porque o sujeito deseja cada vez mais o objeto por seu modelo deseja-lo cada vez mais também. Os rivais começam agir reciprocamente e ocorre uma crise de indiferenciação entre ambos. O objeto do desejo torna-se o menos importante e a reciprocidade entre ambos toma conta de tudo: são os duplos.

Assim, toda rivalidade tende ao exasperamento, pois vai aumentando o desejo duplo pelo objeto. O crescimento da simetria desse conflito pode produzir outros, através de um contágio mimético. Os duplos se formam por toda parte, propagando o conflito. O objeto inicial desaparece – e vai sendo dilacerado – e o conflito em si torna-se o objeto de desejo. Os sentimentos que circulam são todos da má imitação: cobiça, inveja, orgulho, vaidade etc. A proliferação da rivalidade mimética através do contágio vem acompanhada do ciclo de violência, aonde uma má atitude vai gerando a outra. A proliferação cria uma crise mimética para comunidade que corre o risco de se desorganizar e desaparecer.

Eis, o núcleo central dos sentimentos humanos e de todas as narrativas da existência: a natureza mimética do desejo. A percepção do desejo mimético, da sua estrutura triangular, da mediação externa e interna, da rivalidade mimética, da indiferenciação, do contágio mimético e, por fim, da crise mimética, leva Girard ao próximo ato: a fundação da cultura. Ou: como uma sociedade se origina superando a crise mimética.

A fundação da cultura: a violência e o sagrado

Como vimos, a percepção da natureza mimética do desejo logo nos leva à dimensão coletiva e social. O mimetismo como núcleo central da existência dos homens no mundo material revela-se a essência de todas as narrativas da experiência humana, centro da hominização e da origem da cultura humana.

Tendo a teoria mimética como fio condutor, em 1972, Girard publica A Violência e o Sagrado (1979), onde apresenta uma tese acerca da fundação da cultura. O seu método é a antropologia morfológica. Para isto, ele vai de encontro ao relativismo cultural da antropologia social de Geertz e Evans-Pritchard, voltando-se para o método comparativo onde observa que há um sentido universal na formação da cultura.

A intuição de que todo desejo é mimético revelou que a mediação interna cria uma rivalidade que tende à exasperação, aonde o desejo pelo objeto vai se intensificando reciprocamente, pois um deseja mais intensamente porque o outro também deseja o mesmo objeto cada vez mais. A rivalidade nos mostra que o mimetismo tem um caráter de posse ou aquisitivo. Desejo o mesmo objeto de outro porque lhe quero a posse. Esse objeto pode estar relacionado desde um sentimento advindo da realidade de um objeto físico (a satisfação com a utilidade de um bem material), um sentimento relacional (amor, amizade etc.), um sentimento de autopreservação perante a reprodução da vida como a água ou a terra, ou mesmo o sentimento de ser igual ao modelo (desejo metafísico). Esse caráter aquisitivo do mimetismo tende a que o duplo da rivalidade vá se espalhando por toda a sociedade, emergindo a violência se não for contraditado por um ato benéfico de reciprocidade.

Como todos desejam a aquisição do mesmo objeto, o grupo encontra-se ameaçado pelo predomínio da violência de todos contra todos. É o que ocorre, por exemplo, quando há várias divisões no grupo e cada qual busca o controle do território. Na crise mimética, prolifera o sentimento de domínio (e de autonomia) sobre a realidade, tendo como consequência: a vaidade, o orgulho, a arrogância etc. Um manancial de sentimentos destrutivos que levam as ilusões sobre o domínio deste mundo, das suas coisas e dos sentimentos que lhe conferem sentido.

A escalada de violência, que vem da “invisibilidade” ou inconsciência da natureza mimética do desejo, quando se dá internamente ameaça o grupo e pode gerar a extinção. Então, o que une e separa um grupo?

Quando a crise mimética estende-se até sua máxima exasperação, ela se resolve através dos sentimentos da vingança e do ressentimento, onde todos se unem contra uma pessoa de dentro ou de fora do grupo. Esse mecanismo entra em cena quando um grupo começa a odiar junto o mesmo adversário, que se torna o modelo rival. Assim, os duplos que leva a violência de todos contra todos só se aplaina quando vira a violência de todos contra um bode expiatório. O sacrifício do bode expiatório é o mecanismo que dissolve a violência potencial do mimetismo e reorganiza a comunidade. Ou seja, quando a ordem de um grupo é desestabilizada pelo descontrole do desejo mimético, criando uma crise de “indiferenciação”, ela se resolve quando todos apontam o dedo para a causa do distúrbio. Essa violência contra o bode expiatório une novamente toda sociedade.

Quando o mecanismo vitimário deixa de ser um acaso e se formaliza enquanto cultura, cria um mecanismo social de controle da violência que impede a volta recente da desagregação social, tornando a comunidade mais segura e duradoura. O sacrifício do bode expiatório cria uma ordem que vem de fora da sociedade e se instaura enquanto experiência do sagrado. É a violência contra ele que traz de volta o sentimento de ordem na natureza das coisas. A unanimidade do sacrifício reconcilia a comunidade e, assim, o bode expiatório torna-se parte do sagrado enquanto causador do mal e, ao mesmo tempo, do bem da reconciliação. O sagrado arcaico parece perverso e bom, pois incitou o distúrbio e depois o solucionou. É dessa maneira que o homem começa a se situar no mundo.

Assim, o sacrifício é central no surgimento da cultura e no processo de hominização, pois a violência contra o bode expiatório vira um mito e este tem por natureza: garantir a ordem na sociedade e esconder os mecanismos expiatórios. Girard observa na literatura, nos mitos, nos ritos e nas proibições, maneiras de ajudar o grupo a conter a violência de desagregação. As proibições aplainam os comportamentos que facilitam o conflito, os rituais relembram a sociedade do ato fundador que expurgou a crise. Já os mitos servem para dar lições enquanto escondem a natureza dos mecanismos expiatórios: o autoengano de sua violência, mantendo o mimetismo desconhecido.

O mecanismo do bode expiatório é a origem de todas as culturas. Por isto, como lembra Girard, “a violência é o coração e a alma secreta do sagrado”. No entanto, o sagrado não é a origem da violência. A natureza humana ou a natureza do nosso desejo é a origem da violência. A religião constitui-se para regular a violência que advém do mimetismo. É essa regulação que mantém a cultura e a sociedade. O sagrado é o meio pelo qual a sociedade contém a rivalidade mimética e os mecanismos expiatórios.

No espírito da religião arcaica, há o estabelecimento e a manutenção da sociedade, onde a violência é administrada pela ordem. A relação com o sagrado é imanente. Em primeiro lugar, os deuses são imagens condensadas dos processos naturais; em segundo, aparecem como perigosos e culpados, mas que podem salvar nossa existência na terra se prestarmos cultos e sacrifícios.

Por isto, é próprio do paganismo uma relação imanente, ou seja, de troca de benefícios materiais e terrenos com a divindade. Oferecemos cultos e sacrifícios aos deuses naturais e esperamos deles um benefício terreno: uma vitória numa guerra, uma boa colheita etc. A relação entre o homem e o sagrado é uma relação de troca. Quando a comunidade cai em desgraça é porque provocou a ira dos deuses que resolveram não devolver o objeto da troca. Na essência do paganismo, encontra-se oculto os mecanismos expiatórios e a natureza mimética do desejo (o pecado original). Ainda assim, a religião arcaica foi a primeira grande escola que permitiu ao homem controlar a violência ao formalizar os mecanismos expiatórios.

Portanto, observando a literatura e os mitos, Girard apresenta a relação entre o desejo mimético e o mecanismo vitimário. Ele mostra que a crise mimética se resolve com o mecanismo expiatório e que, com a sua formalização, fundam-se as culturas. Tendo em seu coração o sagrado, elas surgem para gerir a violência. A humanidade é filha do religioso e a religião é a origem de toda cultura.

A revelação cristã

Até agora, compreendemos a natureza mimética do desejo e seus efeitos imanentes (internos ao próprio mundo) como a fundação da cultura, a violência e o sagrado. Porém, qual a substância da imitação? Se um imita o outro que, por sua vez, imitou outro, por quem isto começou ou qual sua origem? Se percebemos que só a partir de um modelo podemos desejar e nos situar no mundo, se vamos apreendendo as possibilidades da existência ao fazer isto, como começamos isso tudo? A natureza da imitação (como das demais coisas terrenas) não pode estar nela mesma. É essa chave que nos leva à revelação cristã e à ligação dos homens com a transcendência.

Depois de descobrir o alcance social do mecanismo expiatório e a funcionalidade dos ritos, das proibições e do silêncio dos mitos, Girard deseja mostrar o alcance antropológico dos Evangelhos cristãos e, no desvelamento do mecanismo expiatório, apresentar a origem do mimetismo. Em 1978, Girard lança o livro Coisas Ocultas Desde a Fundação do Mundo (2009), onde analisa a bíblia como uma revelação destruidora do mecanismo vitimário. A leitura da Cruz a partir da teoria mimética vira uma constante nas obras de Girard e, em 1999, ele lança o seu melhor livro a meu ver, Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio (2003), onde, ao inverter a ordem de explicação do “Coisas Ocultas”, apresenta o Evangelho como uma chave profética que decifra a humanidade.

A força antropológica do Evangelho desvela não só o mecanismo vitimário, mas explica também a natureza do mimetismo. O conhecimento bíblico da violência começa pelo escândalo (skandalon). Girard começa mostrando que há na bíblia uma concepção original dos desejos e dos conflitos, como mostra o sexto, sétimo, oitavo e nono mandamentos. Todavia, a chave explicativa de tudo encontra-se no décimo mandamento: “não cobiçarás ao que pertence ao próximo”. Na verdade, esta chave é o alerta da natureza mimética do desejo e seu mau uso enquanto inveja. Ou seja, o próximo é o modelo de nossos desejos.

O desejo mimético é que nos torna humanos, funda a cultura e a linguagem e possibilita a liberdade dentro da realidade material. Uma das consequências do mimetismo é a rivalidade e a violência, e estas aparecem na Bíblia com o nome de escândalo. Assim, os escândalos são as rivalidades miméticas indo ao extremo, intensificando os maus sentimentos, como ódio, inveja, ressentimento. Tanto maior a repulsa pelo escândalo, maior a atração. São os escândalos que geram a espiral de violência, onde um ato violento gera o outro e a reciprocidade leva esta situação ao extremo. Por isto, Jesus anuncia a sua vinda com o lema: “é preciso que o escândalo aconteça”. Isto porque a humanidade prefere as glórias do mundo material e não a dos céus. E escolher esse mundo terreno significa optar pelas rivalidades miméticas em suas formas políticas, militares, artísticas, intelectuais, amorosas e por aí vai. E ser escravo das frustrações perpétuas por causa dos escândalos.

Satanás é o semeador de escândalos. Primeiro, aparece como sedutor das rivalidades miméticas a partir da reciprocidade. Depois, no momento da rivalidade, torna-se um adversário, ou seja, é a conversão do modelo em obstáculo e em rival que gera os duplos. Ele induz a reciprocidade e depois colhe com a desordem da crise mimética. Para Girard, este é o verdadeiro mistério de Satanás: no momento de desordem, expulsar a crise (si próprio) com um assassinato e reestabelecer a ordem no mundo material o qual ele depende.

Portanto, Satanás é o acusador, aquele que convence os homens a seguir o caminho do mecanismo expiatório. Ele seduz os homens a agir com reciprocidade para depois reestabelecer a ordem com a violência catártica. O assassinato fundador é onde Satanás expulsa Satanás e funciona para acalmar os ânimos da comunidade. O seu reino é este mundo e o mecanismo vitimário previne a destruição total dele. Como príncipe do mundo material, ele é ordem e desordem ao mesmo tempo. Diz Girard: “A fim de impedir a destruição do seu reino, Satanás faz da sua própria desordem, no seu paroxismo, um meio de expulsar a si mesmo”[10].

Na tradição judaico-cristã, o Diabo é um anjo que se rebelou contra Deus ao invejar sua onipotência. Sua figura é representada pela queda do paraíso por causa da negação. Com esta, o Diabo não se torna propriamente o nada, nem uma divindade má que rivaliza com a boa, porém, perde a sua natureza. Ele se tornou a própria negação enquanto não-ser que participa do Ser, do mesmo jeito que não-repouso participa do Ser enquanto movimento, por exemplo. Ou seja, mesmo a negação, como tudo o mais, só pode ter existência dentro de Deus. Como sua identidade passa a ser a negação que quer imitar Deus, ele só pode existir enquanto puro mimetismo, tornando-se o próprio mecanismo expiatório. Assim, quando Eva, seduzida pela serpente, come a maçã, a humanidade é marcada pelo pecado original, ou seja, pela natureza mimética do desejo e suas consequências inevitáveis como a rivalidade, e pela estrutura da realidade terrena no entremeio entre Ser e Não-Ser. O Diabo tornou-se príncipe deste mundo e precisa dele para existir, pois todo ele é mimético e vive de parasitar a criação de Deus.

O pecado original inscreve-se na humanidade, trazendo na nossa queda o mimetismo e a incompletude. Entretanto, produz também outro aspecto ontológico do mundo material: a liberdade. E a única liberdade que temos (a do livre-arbítrio) é a de escolha de modelos. Privados de seu conteúdo propriamente empírico há dois (e somente dois) modelos para todas as coisas: Satanás e Cristo. Se Satanás induz a crise mimética, ou seja, é o modelo para a rivalidade e violência que ocasiona os escândalos, Cristo é o modelo que para a reciprocidade ao nos mostrar que o seu Reino não é desse mundo, sendo o Messias anunciado na experiência dos profetas. A morte e ressurreição de Cristo anuncia um novo tempo e é elemento central na antropologia de Girard.

A revelação cristã consiste justamente no desvelamento dos mecanismos expiatórios onde Satanás expurga a si próprio. Essa revelação se dá na vida e morte de Cristo enquanto processo de conversão no reconhecimento da verdade sobre o mimetismo. Para Girard, “a revelação é a reprodução do mecanismo vitimário por meio da exibição da verdade, do conhecimento de que a vítima é inocente e de que tudo é baseado no mimetismo. O Evangelho representa a crucificação como um fenômeno mimético”[11]. O centro da revelação é a Cruz.

Como ontologicamente todas as outras religiões, o Cristianismo não pode deixar de ter o sacrifício ou o assassinato fundador. A sua diferença é que o seu sacrifício não é mítico ou sacralizado, mas do seu Deus que se fez homem (Cristo), desvelando aos homens a realidade. Cristo é um bode expiatório que morre pelos homens, para mostrar as agruras do mimetismo, e também para mostrar que todos os sacrificados são vítimas do linchamento unânime, vítimas das relações satânicas.

Durante suas peregrinações, Cristo ensinava aos homens as consequências da sua natureza mimética. Por sua postura romanesca (como a de João Baptista e a de Sócrates), a chegada do Messias deflagra uma crise mimética. Na narrativa dos Evangelhos, a sua chegada a Jerusalém é acompanhada do contágio mimético da multidão, que o acusa de ser um falso messias. Mesmo Pedro sucumbe ao contágio. Pilatos, que representa o poder soberano, também se dobra aos gritos da multidão. É a passagem do todos-contra-todos, uma espiral de reciprocidade e rivalidade criada pelos insatisfeitos com a mensagem de Cristo, para o todos-contra-um.

Cristo se torna o bode expiatório da multidão, mas Ele recusa a reciprocidade. No primeiro anúncio da Paixão, Pedro convida Cristo a não se resignar. Se Ele era Deus poderia reagir e aniquilar seus inimigos. No entanto, Jesus recusa tomar Pedro como modelo, porque tem o Pai como único modelo. O Deus que se fez homem é o único capaz de fazer isto perfeitamente. Assim, contra as ambições mundanas, que alimentam a rivalidade e a reciprocidade, Cristo nega a luta, justamente para nos revelar a Verdade desse mundo.

A crucificação de Cristo é o mecanismo vitimário em ação, onde Satanás se auto-expulsa. No entanto, pela ressurreição, o seu sacrifício não se torna um mito, mas revela o satanismo desse mecanismo. O fracasso da acusação contra Cristo significa a revelação da inocência da vítima e permite ao homem conhecer isto. A Cruz passa a representar o reconhecimento do assassinato fundador. Ela traz o escândalo e lhe revela. É a denúncia da vitima comum e perseguida. A denúncia do sacrifício. A decifração de todas as formas sacrificiais, tirando o véu das ilusões. Enquanto isto, a ressurreição produz o reconhecimento no ser humano da sua culpa, de sua natureza pecadora e limitada pelos modelos. Com a morte e ressurreição de Cristo, Satanás reafirmava seu poder sobre os homens, mas seria derrotado por Deus que, com sua astúcia, lhe expôs:

Cristo é o único homem que transpõe a barreira de Satanás. Ele morre para não participar do sistema dos bodes expiatórios, ou seja, do princípio satânico. A partir de sua ressurreição, estabelece-se uma ponte, que não existia antes, entre Deus e o mundo; (…) Dito de outro modo, Deus retoma seu lugar no mundo, não porque violou a autonomia dos homens e de Satanás, mas porque Cristo resistiu, trinfou sobre o obstáculo (de Satanás)[12].

A Paixão de Cristo produz uma nova situação aos homens, pois ela derrota o principado de Satanás (“que cai como um raio”). O seu triunfo sobre as relações satânicas possuem um caráter dessacralizador e apresenta para os homens a ponte entre a unidade de todas as coisas (Deus) e o nosso mundo material num entremeio. Satanás não desaparece, mas permanece acorrentado e presente enquanto violência desordenada que, agora, pode gerar apenas a desordem.

Ainda assim, a Paixão é tanto uma ruptura como uma continuidade. Há um caráter profético no judaísmo. Ao contrário do politeísmo, que é uma máquina de criar mitos e de renovação dos sacrifícios, o monoteísmo “desvitimou” Deus e “desdivinizou” as vítimas. Essa passagem do mito para a bíblia é a primeira revelação. No entanto, Deus e os homens encontravam-se em separação, como se a unidade de tudo estivesse separada de nós. A segunda revelação são os Evangelhos, a ponte estabelecida com Cristo e o Espírito Santo.

Por tratar novamente do sacrifício, poderíamos entender o Cristianismo como uma regressão arcaica, mas se trata do inverso. Cristo não é mais um bode expiatório sacralizado, ele é o bode que dessacraliza para neutralizar o mecanismo expiatório e tornar evidente o pecado original e o que está oculto na fundação da cultura humana. Ele é o bode expiatório perfeito: plenamente divino e humano, que põe fim aos outros. Assim, a divindade de Cristo não vem do bode expiatório, mas do Reino de Deus e dos indivíduos que compreendem sua inocência. Ele não é uma volta à religião arcaica como afirma Girard:

Que é um sacrifício na religião arcaica? É um esforço por renovar os efeitos reconciliadores da violência unânime substituindo o bode expiatório inicial por uma vítima substituta. (…)
Que é o sacrifício de Cristo? Para compreendê-lo, é preciso partir (…) do que Jesus propõe aos homens para escaparem à violência. Ele os convida a cortar pela raiz as rivalidades miméticas. (…) É preciso deixar para o rival potencial o objeto do litígio, é preciso evitar desencadear a escalada de violência que conduz direto aos bodes expiatórios. (…) Essa é a regra única do Reino[13].

Uma das passagens mais exemplares do caráter profético do Antigo Testamento que Cristo vem para realizar é o julgamento de Salomão. Quando duas prostitutas apareceram como modelos rivais que disputam o mesmo filho, o rei Salomão pediu para lhe trazerem uma espada que serviria para partir o menino vivo em dois, para qual iria cada metade. Diante disso, a boa prostituta abdicou da rivalidade mimética e optou pela maternidade ao pedir que o menino continuasse vivo mesmo que fosse para a outra mãe. Enquanto isto, a má prostituta continuava querendo a divisão e a destruição do objeto em prol da rivalidade. Vendo isto, o rei Salomão percebeu que a boa prostituta teve a atitude de verdadeira mãe, que abdica da reciprocidade para que o objeto continue intacto. O julgamento de Salomão é um dos tantos exemplos bíblicos que denunciam o mimetismo.

A vinda de Cristo não abole o Antigo Testamento, flexibiliza-o, ou efetua um corte radical. Pelo contrário, sua vinda é a confirmação da bíblia, aquilo que muda são as estratégias de Deus para conosco depois de realizar a segunda parte da revelação. O Deus do Antigo Testamento é o Deus do sagrado, da transcendência e das coisas essenciais, os seus elementos de violência são necessários para nos mostrar que não somos estranhos a essa natureza. Ele prefigura o Deus dos Evangelhos. Essa passagem mostra que há uma complementariedade e também uma ruptura e continuidade entre as religiões arcaicas (primeiras escolas a lidar com o mimetismo) e a tradição judaico-cristã, desveladora da natureza e de toda sua História.

Os Evangelhos realizam ou complementam o processo de revelação (e destruição) dos mitos, iniciados pelo monoteísmo judaico. Com a teoria mimética, Girard mostra que a tradição judaico-cristã não é um mito mesmo no sacrifício, porque ela o reinterpreta: “Os mitos são um reflexo passivo, e o judeo-cristianismo, a revelação ativa da mesma máquina coletiva de fabricar bodes expiatórios, a multidão mimética e violenta”[14]. A tradição judaico-cristã carrega a dupla revelação essencial da natureza humana e tem consciência disso. Porque, enquanto o mito oculta o mecanismo expiatório, os Evangelhos carregam a narração do sacrifício que revela o drama humano. Sobre essa diferença, diz Girard:

Antes do advento do judaísmo e do cristianismo, o mecanismo do bode expiatório era aceito e justificado porque permanecia despercebido. (…) Por outro lado, o cristianismo, na figura de Jesus, denunciou o mecanismo do bode expiatório, mostrando o que ele é verdadeiramente: o assassinato de uma vítima inocente, morta para pacificar uma comunidade tumultuada[15].

O Cristianismo não é antissacrificial, o que corresponderia à tentativa de transformar a essência humana e romper com o Deus do sagrado. Ele é sacrificial enquanto denúncia do sacrifício. Portanto, a sua posição é não-sacrificial, ensinando os homens a tentarem não agir por reciprocidade e a terem como modelo (positivo) Cristo.

A Palavra de Cristo veio ao mundo, mas foi rejeitada por este. O Deus que se fez homem no plano da matéria salvou a humanidade ao derrotar e desvelar as relações satânicas. E nisto consiste uma diferença fundamental para o paganismo. Enquanto este trata a divindade a partir de uma relação-de-troca imanentista, a misericórdia divina só pode nos conceder em seu infinito amor o Seu Reino para-além deste mundo. Sem o sentido puramente na imanência dessa vida, a tradição judaico-cristã rompe com a cosmovisão pagã. Só a partir do Deus transcendente, podemos ver nossos pecados e limites.

Ao destruir para sempre a ocultação do mecanismo expiatório, o triunfo da Cruz (poder universal de dessacralizar o sacrifício) acorrentou Satanás (mas não o encerrou, pois este mundo ainda existe) retirando-lhe a sua real força catártica. Foi seu próprio mecanismo de auto-expulsão que permitiu a Verdade de Deus tornar-se legível universalmente. Cristo salva a humanidade ao mostrar a Verdade, mas sua revelação nos priva da proteção sacrificial. A sua vinda marca o começo do fim: o da terceira revelação, a que revela o sentido dos dramas humanos e da história da humanidade. A partir da Cruz nada mais é como era antes: “A morte de Cristo representa a perdição do reino de Satanás: o círculo satânico está aberto, e a verdade e a graça de Jesus pode descer sobre os que não se escondem”[16].

O mundo moderno

A antropologia de Girard mostra que a base de toda história humana é a religião. Noutros termos, a história do sacrifício. Essa história começa no primitivismo e no processo de hominização, vai para as religiões arcaicas que formaliza sua violência e funda a cultura, e chega à ordem monoteísta, responsável pela primeira conversão, a que revela o Deus do sagrado. Então, quando o Deus que se fez homem torna-se a vítima dos mecanismos expiatórios para nos revelar a Verdade, acontece a segunda conversão. Essa revelação transforma profundamente o tempo histórico dos homens. Com a mundialização da economia, da informação, dos modos e de certas mentalidades, o mundo todo é – de certa forma – ocidental e vive desprovido de proteção sacrificial.

Depois do triunfo da Cruz já não é mais possível ocultar o mecanismo expiatório presente nos sistemas místico-rituais. A Cruz retira a eficácia dos mitos e, ao impossibilitar a sua ocultação, desintegra as proteções sacrificiais. Ela faz isto não pela força, mas derrotando a Serpente com sua própria astúcia. O mundo material é a linguagem da força, do triunfo militar, do domínio através da violência. O príncipe desse mundo, Satanás, é derrotado não através das suas armas, mas justamente por usar suas armas. Essa revelação transforma a maneira como nos relacionamos com nossa natureza mimética, pois não há mais ilusões e inconsciência quanto à expiação. Diz Girard: “Assim que o mecanismo vitimário é corretamente (…) pregado na Cruz, o seu caráter irrisório, insignificante, mostra-se a todos e tudo o que se assenta nele no mundo perde, gradualmente, o prestígio”[17]. Os relatos da Paixão não permitem mais o não-conhecimento do linchamento unânime e isto é fundamental na história escatológica da humanidade.

O triunfo de Cristo transformou o mundo ao derrotar a cosmovisão pagã. Aos poucos, o mundo vai se tornando desprovido de proteção sacrifical. No império romano, a cosmovisão cristã se alastra apesar das perseguições. A era dos mártires derrota o paganismo e sua máquina sacrificial de criar mitos. Estes foram desvelados pela Cruz, e a eficácia da divindade como uma troca em prol dos valores desse mundo perde sua força. Mais de mil anos foram necessários, com guerras e conversões, para o cristianismo deixar de ser uma transgressão da ordem pagã e tornar-se a ordem de um novo mundo cristão. A partir daí, a Europa cristã passa pelas transformações que chamamos de Ocidente.

No entanto, a compreensão do bode expiatório não elimina a nossa natureza pecadora. O mimetismo continua, assim como a rivalidade, o contágio, a crise mimética e a expiação. Essa não é uma história linear, mas que, ao contrário, revela a ambivalência desse mundo. O mundo não vai progredindo ou evoluindo em direção a liberdade depois da Cruz, mas encontra-se em transformação, com perdas e ganhos, sendo sempre desafiado pelo “macaco de imitação” de Deus.

Para Girard, as raízes da modernidade estão dentro do paradigma cristão. Todavia, não de maneira unívoca, mas repetindo Jacques Maritain: o bem e o mal vão se tornando mais intensos com o tempo. O mundo moderno é, ao mesmo tempo, mais e menos cristão, sempre intensificando essa fórmula. Assim, o moderno prova o cristianismo, inclusive, na antecipação de seu fracasso.

As instituições do mundo moderno estão diretamente relacionadas à abolição do sacrifício a preocupação com as vítimas. A sua essência encontra-se na ética e epistemologia cristã que aparece desde a Idade Média quando a Europa se converte. Girard constata que em nenhuma outra época como em nossa sociedade existe a preocupação com a vítima. A maior prova disso é que se colocar no papel de vítima nos nossos tempos significa não fraqueza, mas assumir um domínio psicológico sobre os demais. Mesmo os nossos mais empedernidos niilistas do século XX jamais ousaram falar contra a vítima e sempre estiveram dispostos a falar em seu nome. A ideia de vítima produzida pela Cruz é essencial na construção da modernidade:

Em primeiro lugar, examinemos o prato da balança que contém os nossos êxitos: desde a alta Idade Média que todas as grandes instituições humanas evoluem no mesmo sentido: o Direito público e privado, a legislação penal, a prática judiciária, o estatuto das pessoas. (…) A evolução vai sempre no mesmo sentido, em direção à suavização das penas, em direção à maior proteção das vítimas potenciais. (…) Mais tarde, surgiram a proteção da infância, das mulheres, dos idosos, dos estranhos de fora e dos estranhos de dentro, a luta contra a miséria. (…) A única rubrica sob a qual se pode reunir o que resumo desordenadamente (…) é a preocupação com as vítimas.

(…) A preocupação moderna com as vítimas afirma-se, ao que penso pela primeira vez, nessas instituições religiosas a que se chama de caridade.[18]

As raízes do mundo moderno encontram-se na desintegração das proteções sacrificiais. É essa desmitificação que permite o secular, a ética formal, as instituições democráticas, o Estado de direito, e a intensificação das trocas, da produção e a centralidade do comércio (que depois chamaremos de capitalismo). Mas tudo isto deve ser avaliado numa chave de ambivalência, com suas perdas e ganhos. Se, por um lado, diminuiu a violência e foi consequência direta da desmitificação da Cruz; por outro, dissimulou o sacrifício, a rivalidade, a violência, a expiação, colocando-os noutros termos: no humanismo que expia a religião e separa a fé da razão. As promessas de liberdade do mundo moderno são a própria queda da humanidade profetizada pelos Evangelhos, onde os homens, a partir da má imitação de Cristo, pensam o ter superado e, por isto, se sentem independentes. Girard propõe uma análise do mundo moderno a partir dessas ambivalências e excessos do humanismo. Ele afirma:

A descoberta da inocência dele não é bem-vinda porque coincide inevitavelmente com a descoberta de nossa culpa. O ensinamento contínuo da mensagem de Cristo por meio da difusão dos Evangelhos é tão importante quanto essa revelação. É exatamente isso que transforma o mundo, não de modo súbito e abrupto, mas gradualmente, por meio de uma assimilação progressiva de sua mensagem, que muitas vezes é reformulada, a fim de ser usada contra o próprio cristianismo, como no caso da filosofia iluminista, ou do ateísmo contemporâneo, que é acima de tudo um protesto contra os elementos sacrificiais da religião[19].

Assim, a Cruz desmistificou o sagrado e foi a responsável por essas transformações no mundo. No entanto, essa mesma desmistificação vira-se contra a religião. Como afirma Girard, tanto o iluminismo como o ateísmo contemporâneo são produtos da religião cristã. Sem religião, não existiria a cultura e a sociedade. Só dentro da cristandade, foi possível a existência do laicismo, do ateísmo, da secularização ou da vã tentativa de uma ética formal (kantiana) que transforma o sujeito em transcendental. A moral laica civil que surge com e para além da religião cristã, é um produto da desmistificação da cristandade que se volta contra si mesma. Por isto, o mundo moderno é mais e menos cristão ao mesmo tempo.

Além disso, se o cristianismo representa o fim das ilusões com as proteções sacrificiais, ele também liberta a violência sem esta ocultação. Não acreditamos mais no bode expiatório, porém, tal como o mimetismo, este mecanismo não some, apenas é transferido ou camuflado institucionalmente com nossa moral secular e civil. O humanismo moderno dissimula essa violência no engodo da liberdade e da autonomia diante de sua natureza, e na ótica dos direitos e deveres. Ele é o pai do imanentismo e da ilusão de sermos independentes da realidade e livres de nossa natureza mimética.

O lento processo que leva à secularização da Europa deve-se à disseminação do paradigma cristão que desmistifica o sagrado. A sociedade não se encontra mais unida (e protegida) pelas relações sacrificais, agora, ela se unifica através de uma moral secular possibilitada pelo cristianismo, e construída na preocupação com a vítima e com a negação do sacrifício. Entretanto, essa moral não reconhece suas raízes e age cada vez mais na rejeição ao sagrado. Sendo produto do paradigma cristão, mas indo de encontro cada vez mais a esse paradigma, esse mundo secular encontra-se cada vez mais em suspenso, artificial e desconecto da realidade. Sobre esse paradoxo, afirma Girard:

(…) não enxergam que seu próprio ceticismo é um subproduto da religião cristã. Se é excelente livrar-se das bobagens sacrificiais do passado, (…) também é verdade que essas bobagens sacrificiais eram aquilo que nos impedia de aperfeiçoar cada vez mais nossos meios de nos assassinar uns aos outros. Paradoxalmente, são elas que mais fazem falta no momento atual[20].

Um dos elementos constituintes da modernidade é a redescoberta da democracia. A força motriz que a cria é a desilusão com o mecanismo vitimário. Desde a Idade Média há um afrouxamento gradual das divisões culturais. Convertidos, os povos bárbaros ainda mantêm sua unidade dentro da cristandade. Depois, a descentralização aristocrata medieval será reunida e transformada no poder absolutista a partir de uma ideia ainda introdutória de nação moderna. É nesse processo lento de secularização do poder político que a ideia de democracia é ressignificada depois do humanismo e da dessacralização cristã. O arbítrio do rei retira da religião a unidade do povo. Depois, era preciso fazer a convicção pessoal voltar ao público, mas de maneira laica. Do arbítrio do rei passamos para o império da lei, sustentada por uma moral laica civil que oculta sua raiz cristã.

Antes da democracia e da mundialização de suas formas, havia a predominância da mediação externa nas sociedades. Estas eram dominadas pelo ethos da aristocracia, que resguardava a ligação com a origem e os pais fundadores daquele povo e tinha como dever a proteção do território e da subsistência do grupo. As sociedades aristocratas são dominadas pela mediação externa, ou seja, sua organização é feita para impedir a rivalidade e os maus sentimentos que oferecem um perigo social iminente de desagregação. Falamos em mediação externa, porque as suas autoridades, ou suas regras, culturas e proibições, estão distante do indivíduo que deseja um objeto político. São as sociedades tradicionais, onde a hierarquia é durável e estável, e suas proibições protegem a sociedade do mimetismo em longo prazo. Ela existe de maneira funcional, onde há pouca margem para mudanças, transformações ou transgressões das instituições. Geralmente, sua decadência é brusca e violenta. Ao mesmo tempo, ela oculta certas revelações e suas origens.

No Ocidente, a Idade Média era uma sociedade aristocrática com predomínio da mediação externa. No entanto, dentro dela já existia uma margem para quebra das proibições e hierarquias que se ampliou depois das guerras civis religiosas e do processo de secularização e de dessacralização do poder político. Com a modernidade política, ocorre um processo de predomínio da mediação interna. Chamamos dessa maneira, porque sua autoridade, seu poder político, suas regras e proibições, estão constantemente em disputa pelos cidadãos (através do sufrágio), trazendo o objeto político para perto do sujeito que deseja.

As origens dessa passagem encontram-se no próprio paradigma cristão em sua desmistificação da religião arcaica. Ao mesmo tempo, a dessacralização age contra a própria revelação e, junto com seu substrato (o humanismo), oculta a natureza mimética dos homens, sua rivalidade e os seus mecanismos. O predomínio da mediação interna coincide com a erosão das proibições.

Nesse sentido, a democracia coloca o poder político enquanto objeto desejado ao alcance de todos e o oferece. É possível derrubar um governo, mudar seus paradigmas, alterar leis (até mesmo as culturalmente mais dramáticas) e trocar rapidamente as autoridades sem uma violência muito abrupta que transgrida uma ordem mais dura. Por ser extremamente volátil e oferecer magicamente o objeto (poder político e autoridade) a todos, há um crescimento das rivalidades. Por isto, a democracia só funciona através da regulação dos conflitos, das trocas de poder, da volatilidade, da desestabilidade controlada.

Por causa desta natureza, há uma quebra de hierarquias e proibições que ocasiona sempre muita rivalidade e disputa. Essa crise é controlada com outras formas de controle, tanto no nível simbólico, como do imaginário. O Panóptico de Bentham, a vigilância constante, o julgamento constante e o sistema criminal são exemplos de como tentamos controlar essa violência.

Apesar das vantagens que a democracia oferece (como preocupação com a vítima e as garantias individuais), ela também nos propicia muitos perigos, principalmente quando nos oferece um grande engodo: a ilusão de sermos livres diante da realidade, independentes e donos do todo ao obter e desejar o poder político em disputa. Essa ilusão é o oferecimento de um futuro em aberto, que podemos toma-lo, construí-lo e transformar nossas vidas. É a própria ilusão luciferiana de moldar sua própria realidade longe do logos divino (o que hoje se chama de empoderamento).

A erosão das divisões, da hierarquia, da autoridade, das proibições, baseadas na centralidade do religioso, deixou o homem perdido num mimetismo cada vez mais extremo e caótico, onde predominam a mobilidade do desejo e, logo, do ressentimento. Contra isto, vão se criando cada vez mais “estruturas de contenção” (direitos, ideologias, instituições, meios de comunicação, consumo) para dissimular nossa natureza. Aquilo que a Cruz revelou (e possibilitou) se volta contra Ela.

Nesse sentido, a passagem da mediação externa para interna e a privação das proteções sacrificiais, tornaram as rivalidades cada vez mais íntimas. Antes privilégio do padre, o sermão foi democratizado. As disputas e rivalidades entre as pessoas que convivem de perto, não raro dentro da mesma família, foram intensificadas. O que antes era disputa familiar, principalmente no paganismo, entre os poucos que podiam desejar o poder político, tornou-se universal. Como os Evangelhos assinalam, Cristo foi profético: “Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; E assim os inimigos do homem serão os seus familiares” (Mt 10, 34-36).

Esse predomínio do íntimo também se vê no mundo político, onde as instituições agem de maneira crescente sobre a sociedade querendo transformá-la. As instituições democráticas possuem um domínio maior sobre a vida dos seus cidadãos do que qualquer tirano ou rei absolutista já sonhou ter. A teoria mimética não é antidemocrática, mas, ao estilo de Tocqueville, é um instrumento para compreender os riscos das democracias, além de suas perdas, para nos tornar menos ingênuos e mais conscientes do terreno em que pisamos e de sua história ampliada.

A modernidade também trouxe a mobilidade social com a moderna economia ocidental. Ela é uma utilização positiva da rivalidade mimética que se resolve enquanto competição econômica. O início da moeda está relacionado ao sacrifício, onde as trocas eram usadas para aplacar o Deus estrangeiro e obter vantagens em troca. A moeda existe para neutralizar os riscos da guerra. Um presente pode ser trocado por outro, mas como não são iguais e criam expectativas de um terceiro ato recíproco, a concórdia pode virar discórdia. Por isto, inventou-se a moeda, um mediador neutro da troca, que dissimula a reciprocidade.

No entanto, quando essa moeda é fetichizada, ou seja, quando a moeda deixa de ser um meio dessa troca e se transforma em fim último, ela torna-se o objeto de rivalidade, trazendo de volta a reciprocidade violenta. Essa é uma possibilidade sempre presente em qualquer instituição como lembra Girard: “trocamos bens para não trocar golpes, mas na troca de bens há sempre uma memória da troca de golpes”[21]. Para ele, a maneira de viabilizar essa competição para que não se chegue a violência são as regras morais que vêm do cristianismo. Ao mesmo tempo, há sempre uma tendência de essa competição econômica dissolver e substituir o religioso. A economia moderna não deixa de ser uma forma secularizada do ritual religioso.

Chegamos ao coração da economia moderna: a sociedade de massas e de consumo. A produção produz riquezas e abundância de objetos, criando certa estabilidade. Ao colocar o mesmo objeto ao alcance de todos, a sociedade de consumo atenua as rivalidades. No entanto, ela também torna mais volátil os sentimentos e recria rivalidades por outros meios, pois o interesse por esses objetos diminui sem a intensidade do modelo. Esse interesse aumenta pela renovação incessante da técnica que precisa criar truques publicitários (não raro, usando da mesma forma da sedução luciferiana) para intensificar o desejo. No lugar de um modelo real, uma propaganda de um homem bem sucedido e casado com uma mulher desejável, artificializando os sentimentos e tornando a vida imatura, desconecta da realidade.

Nesse sentido, na sociedade de consumo, os sentimentos em torno desse objeto tornam-se menos reais (como a necessidade de se autopreservar), e vão criando objetos imaginativos, artificiais, criados pelo próprio mimetismo. É a era da desconexão da realidade, facilitando a ocultação da natureza desse mecanismo. Afirma Girard:

A sociedade de consumo tornou-se simplesmente um sistema de troca de signos, não de troca de objetos reais. É por isso que vivemos num mundo minimalista e anoréxico: porque o mundo em que o consumo é sinal de riqueza não tem mais apelo. Assim, é preciso ter uma aparência macilenta ou subversiva para ser cool, como diria Thomas Frank. (…) A sociedade de consumo, em seu extremo, torna-nos místicos, no sentido de que nos mostra que objetos jamais satisfarão nossos desejos[22].

Por isto, um dos resultados perversos da sociedade de consumo é a disseminação do tédio e do ressentimento, que são combustíveis para revolta íntima. A violência já não é mais ritualizada e o objeto já não possui a mesma intensidade da aquisição de outrora pela volatilidade e artificialidade dos modelos. Essa interdição vai sendo internalizada como ressentimento. Ao invés da rivalidade com o patrão, essa violência é dirigida contra os familiares, os vizinhos, o time de futebol e, não raro, contra o mundo como um todo. O ressentimento é o combustível dos movimentos de massa, das revoluções e da rebelião permanente contra a realidade. É uma espécie de retorno pagão por outros meios, pois os movimentos de massa oferecem a mesma falsa transcendência das religiões arcaicas.

Outro ponto ligado a essa dissimulação é o individualismo moderno. A compreensão de que existe um indivíduo vem da perspectiva cristã. O indivíduo é aquele que, por livre-arbítrio, escolhe os bons modelos e resiste à catarse da multidão. O cristianismo realça essa resistência contra a turba linchadora que deseja solucionar a crise pelo mecanismo vitimário, e a denuncia.

Todavia, a emergência do indivíduo diante da ordem possibilitada pelo cristianismo, pode logo se tornar o individualismo moderno. O individualismo é quando tornamos essa compreensão da existência de um indivíduo livre para escolher os modelos numa autonomia ilimitada perante a realidade, ocultando a natureza mimética do desejo e tornando o ser humano artífice da sua realidade. O individualismo é a falsa individualidade que vem pela rivalidade mimética, como auto-afirmação diante do modelo adversário. É o sentimento que toma conta de nós quando o objeto desejado é a própria onipotência. O sujeito que quer ser onipotente sente-se livre diante do mundo e acredita que a realidade é sua construção. Por isto, ele está sempre se auto-afirmando como indivíduo autônomo.

O individualismo moderno traz consigo os perigos da ilusão de que o desejo é autônomo. Afirmar que somos totalmente livres ou exigir que sejamos seres autônomos em busca de nossa singularidade que nos distinga, significa acreditar na autonomia dos seus desejos. Eis, uma das características mais destrutivas do mundo moderno: transformou a emergência do indivíduo num individualismo que oculta a nossa natureza mimética e os mecanismos que advém da sua perene má utilização. Não acreditamos mais em proibições, porque temos a perigosa ilusão de sermos autônomos e independentes.

Girard não é apologeta, nem crítico absoluto, do mundo moderno. A sua intenção é compreendê-lo na perspectiva da antropologia do religioso e seus insights estão geralmente numa dimensão escatológica. Uma dessas intuições é a universalização do paradigma cristão, pois o domínio da Europa cristã sobre outras partes do mundo não se deu pela força, mas antes pelo caráter da religião e por ter desmistificado o sacrifício. Onde o cristianismo entra, definham-se os mitos e as religiões pagãs. Com a mundialização, o mundo todo se torna consciente da origem sacrificial e é influenciado pelas formalizações da cultura cristã. O mundo inteiro compartilha do capitalismo, da sociedade de consumo, do individualismo moderno, dos perigos da autonomia do sujeito, da falsa transcendência das massas. Agora, temos uma sociedade que abarca todo o planeta, com suas elites querendo instituir uma cultura sincrética e globalizante.

O mundo é global pela primeira vez. Com o passar do tempo, o bem e o mal aumentam no mundo, ao passo que o paradigma cristão se universaliza cada vez mais. Ele possibilita e prevê o seu próprio fracasso porque Deus concede à humanidade a liberdade de escolhê-lo, mas ela prefere sempre a iniquidade. Conclui Girard:

Está em curso um processo de descristianização, (…) são igrejas inteiras, a começar pelo clero, que passam (…) para o campo do “pluralismo”, quer dizer de um relativismo que se pretende “mais cristão” do que o apego ao dogma, porque mais “gentil”, mais “tolerante”[23].

A imaginação apocalíptica

A interpretação de Girard do moderno como um longo processo de dessacralização, onde o mundo se tornou cada vez mais e menos cristão, carrega a percepção de que a Cruz lhe formou, mas que também há um processo de imitação e rivalidade. A partir disso, são perceptíveis os primeiros vislumbres de uma imaginação apocalíptica. A Cruz desvelou a nossa natureza, mas também profetizou desde a vinda do Messias: o fim desse mundo. É esse fim que nos aproxima da origem e nos permite compreender o que somos e o que fomos. O sentido está no fim que revela a origem e desvela a travessia, o alpha e o ômega juntam-se.

Antes de definir a imaginação apocalíptica, preciso esclarecer o que ela não é. Primeiramente, o apocalipse não é uma figura de linguagem que inspira ou busca uma ação que toma o sentido das coisas como internas ao próprio mundo. A revelação do fim é o que dá sentido a história porque sem ela nada poderia ter sentido. Se nos movemos no tempo, podemos ter experiência e narrá-las é porque tomamos emprestado o sentido de uma forma transcendental: a história escatológica. Como imanentismo, o apocalipse deixa de ser o enlace da escatologia e a destrói enquanto proposta de mudança por uma finalidade mundana. Seja ele no sentido marxista, hegeliano, liberal ou mesmo de um eldorado de homens conscientes de seu mimetismo. O apocalipse é revelação, mas justamente por isto só pode ser revelação enquanto finitude da história humana, agindo no plano da salvação das almas.

Outro sentido equivocado do apocalipse é costumeiramente adotado por fundamentalistas ou histéricos. Ele não é o destino traçado por um Deus mal que vai se vingar da iniquidade dos homens e fará justiça com sua onipotência. Não é um misticismo religioso pagão, não é obra de um Deus odioso, acusador e vingativo que destrói a humanidade por sua justa ira. Isso seria transformar o Deus do sagrado num mito arcaico e, assim, confundi-lo com Satanás.

Então, o que é o apocalipse? É uma revelação divina. A terceira e derradeira revelação. Justamente por ser a revelação final das coisas que permaneciam ocultas, ela só pode ser finitude desse mundo. Como entendiam tão bem os antigos cristãos, o sentido maior da vida, aquela centelha do divino que nos habita e nos move dentro Dele, só pode residir fora de nós. Por isto, a revelação final é o momento derradeiro que liga toda a história humana e condensa o que somos e fizemos. O fim do mundo não é uma figura de linguagem, nem um ato de vingança, nem o fim imanente da história num paraíso liberal, socialista, historicista ou iluminado por homens conscientes, mas a revelação de toda a Verdade na finitude deste mundo.

O apocalipse é o símbolo que condensa todo o drama humano, desde a queda da humanidade pelo pecado original, o seu ímpeto destrutivo, sua crença onipotente no seu poder de conhecer as coisas materiais e pretensamente cria-las. Esse símbolo nos revela a história escatológica da humanidade e, por isto, remete-se a Parusia (a segunda vinda de Cristo), consumando a participação do gênero humano na natureza divina de Deus.

Girard refere-se ao apocalipse como revelação do fim dos tempos, sem que por isto Deus tenha tirado a liberdade dos homens de agir em contrário como nos mostra as aparições de Maria. O fim tange, sobretudo, sobre a perspectiva escatológica da história e a revelação que nos leva ao sentido autêntico do tempo como revelação do enredo da humanidade. Origem e fim se aproximam e condensam toda verdade numa centelha reveladora.

O tema do apocalipse é o remate final da obra de Girard, o destino de toda teoria mimética e sobre aquilo que ela – no fundo – sempre versou, pois encontra na finitude e na escatologia a mesma origem que chegou: o processo de hominização, fundação das culturas, etc. Em especial, o apocalipse é o tema central de seus últimos escritos e de um dos seus últimos livros, lançado em 2007: Rematar Clausewitz (2011).

Logo na introdução, Girard nos avisa que se a desmistificação foi boa em termos absolutos, mas em termos relativos mostrou que o homem não consegue lidar com suas consequências. Essa inadequação de sua natureza é profetizada pelo próprio cristianismo que previu sua própria falha. Assim, desde a Cruz, vivemos o apocalipse mesmo que nunca saibamos bem o que há por vir, pois suas consequências são primeiramente escatológicas. Define Girard:

(…) O cristianismo é a única religião que previu seu próprio fracasso. Essa presciência se chama apocalipse. Na verdade, é nos textos apocalípticos que a Palavra de Deus é mais forte, repudiando os erros que são inteiramente culpa dos seres humanos, que são cada vez menos inclinados a reconhecer os mecanismos da sua violência.

(…) Duas guerras mundiais, a invenção da bomba atômica, inúmeros genocídios e uma catástrofe ecológica iminente não bastaram para convencer a humanidade, e os cristãos em primeiro lugar, que os textos apocalípticos, ainda que não tivesse nenhum valor preditivo, diziam respeito ao desastre em curso.

(…) A violência está hoje presente em todo planeta, provocando aquilo que os textos apocalípticos anunciavam: uma confusão entre os desastres causados pela natureza e os desastres causados pelos homens. (…) É nessa obsessão doentia com a contradição e com a inovação que não consegue nem sequer compreender que  a realidade vem confirmar essa verdade. O paradoxo é que, quanto mais nos aproximamos do ponto alfa, mais caminhamos para o ômega. Quanto melhor compreendemos a origem, vamos percebendo (…) que é essa origem que caminha em nossa direção.[24]

Esse momento de finitude não significa à volta a religião arcaica ou a um paganismo que foi destruído pela Cruz, mas antes a um sagrado dessacralizado que foi satanizado pela má consciência que temos dele. A má imitação da Cruz em todos os contornos que vimos no mundo moderno, onde o bem e o mal se intensificam, confirma o paradigma cristão e o nega ao mesmo tempo, esta é a satanização do sagrado anunciado após a Cruz e também o que anuncia a iminência da segunda vinda de Cristo.

O cristianismo permite-nos descobrir essa realidade sem desespero, mas na esperança de readquirir o do sentido das coisas. Vivemos um momento apocalíptico desde a Cruz, mas conhecemos o seu desfecho. No entanto, é a imaginação desse momento, a compreensão da dimensão escatológica da finitude, que nos permite readquirir o sentido do tempo e do homem na História.

Essa imaginação começa num sentimento como nos dizeres de Paulo: “o tempo se fez curto”. O sentimento torna-se apocalíptico quando tomamos consciência de que entre o desvelamento do mecanismo expiatório (o mundo desprovido de proteção sacrificial) e a possibilidade de nossa destruição não ficou nada além dessa possibilidade fatal de uma violência desordenada. O cristianismo revela ao homem sua violência, coloca-nos diante de nossa responsabilidade, sem a ilusão de resolver a crise mimética numa nova expiação. O poder de Satanás de se auto-expulsar no mecanismo vitimário foi derrotado pela Cruz. No entanto, a sua violência continua presente no mundo, satanizando o sagrado cristão enquanto má imitação. A violência satânica não é mais ordenada numa ordem pagã, mas encontra-se sempre na iminência de se soltar e tornar-se caos pelo fracasso dos homens em imitar Cristo.

A imaginação apocalíptica é a consciência dessa nova forma de violência. Depois da Cruz, veio à tona tudo que estava “oculto desde a fundação do mundo”, ou seja, o mimetismo e o mecanismo expiatório. Isto nos coloca diante de uma nova experiência, onde a violência está desordenada, pois as relações satânicas são apenas desordem. Como diz Girard: “A violência não serve mais de fundação para nada, ela agora não passa de um ressentimento que se irrita cada vez mais, isso é, mimeticamente, diante da revelação de sua própria verdade”[25].

Eis então, o significado do apocalipse: o fracasso da humanidade em seguir a mensagem cristã, imitar positivamente Cristo. Esse fracasso é profetizado pelo próprio cristianismo desde a primeira vinda do Messias. Nesse sentido, toda experiência cristã desde a ressurreição é apocalíptica, porque conhece que seu fracasso será resultado também do seu sucesso, pois a decomposição da ordem sacrificial derrota os poderes de Satanás, mas libera sua violência desordenada contra o paradigma cristão. Satanás já não expulsa Satanás, mas sua violência revelada está sempre na iminência de ser desacorrentada, como provam as barbáries do século XX. Como os homens insistem em negar a Verdade, ela só pode se revelar de maneira violenta.

O mundo moderno alcançou conquistas técnicas inimagináveis, acreditou dominar a natureza, lidou de maneira obsessiva com a auto-conservação, trouxe o melhor e o pior do ser humano. Com o passar do tempo, a intensidade do moderno só pode aumentar e vai virando excesso (mundo hipermoderno). O excesso de mais e menos cristão, a intensificação do bem e do mal do mundo, a clarividência da origem perante o fim. Mas nada nos salva de nossa onipotência ao nos apropriamos de Deus: “A presença do divino cresce à medida que o divino se retira: é a retirada que salva, não a promiscuidade. (…) Um Deus que pode ser apropriado é um Deus que destrói”[26].

A humanidade pode escolher imitar Cristo (resistir a toda rivalidade) ou ir em direção ao fim do mundo, por sua arrogância e orgulho, sentimentos intensificados por nossa imensa vaidade em nos sentirmos onipotentes, criadores de uma liberdade ilusória. Como profetizado, a humanidade abraça sua queda pela força irresistível dessa violência descontrolada. Por isto, ao ler Clausewitz, Girard afirma que já há nele a lei que governa a imaginação apocalíptica do mundo moderno: um duelo que sempre vai ao extremo em escala mundial porque não há mais barreiras. O general prussiano descobriu (embora tenha resistido a rematá-la) a lei que governa a história no mundo moderno: a tendência para os extremos.

Essa tendência é governada por um sagrado que foi esvaziado e se tornou instrumento para a violência desgovernada. O mundo moderno é desprovido de proteção sacrificial, mas na sua ilusão de onipotência, enganado pelos valores mundanos, quer voltar aos tempos pagãos de Dioniso. Essa satanização do moderno é o desejo de ser pagão, na ilusão do individualismo, da autonomia, ou seja, na ilusão do mau mimetismo. Porém, enquanto a ordem pagã era protegida de sua própria origem (com as proibições, ritos, etc.), com seus mecanismos satânicos de expiação, nós queremos o que vai nos destruir sem saber lidar com isto.

O apocalipse é esse desejo da humanidade em se destruir, por preferir a ilusão de uma revolta contra a realidade. Revolta que ocasiona uma violência que não é mais fundadora, mas, sendo absolutamente desregulada, torna-se um caos radical. Como os homens não querem a verdade, ela só pode chegar de maneira violenta. Essa é a receita da crise mimética universal que vivemos. Como afirma Girard:

É por isso que o movimento do apocalipse consiste em inverter todas as fundações humanas: unidade da vítima voluntária; dualidade da guerra; explosão iminente da totalidade. Não são mais os homens que fabricam deuses, é Deus que veio tomar o lugar da vítima. (…) Esse Deus (…) destrói todo o sistema[27].

O contágio e a crise mimética tornaram-se universais, indo além de uma cultura. A mediação interna que se impõe a todo o mundo e é disseminada no Ocidente originário, vinculando a todos. Sem hierarquias e proibições, as rivalidades se multiplicam e estruturam uma vinculação que incorpora todo o mundo numa rede de reciprocidades. Por exemplo, uma vez entrando nas redes sociais, é praticamente impossível passar a largo (mesmo que não se comente) pelos temas que aparecem e dividem as pessoas em grupos de opiniões e pressões. Essa mediação interna que vincula todo mundo prolifera o contágio mimético, criando novas disputas em torno dos objetos e das posições (cada vez mais artificiais).

Vivemos uma crise de indiferenciação, onde a violência crescente aproxima os rivais no duplo vínculo da sociedade hipermoderna. Essa violência originada da onipotência de um sujeito que cobra pelos objetos que colocaram ao seu alcance (não só materiais, mas também como a liberdade, a autonomia e a crítica de tudo), não produz mais um sagrado satânico que regula a violência. No lugar dessa falsa transcendência da violência, é o sagrado que é satanizado (e não mais satânico), tornando-se apenas desordem que não pode travar o caos descontrolado.

Esse caos descontrolado que advém do sagrado satanizado (ou da humanidade seduzida por um novo tipo de paganismo) reside num tipo de imitação do cristianismo. Girard trata o Anticristo não como uma pessoa, mas como uma ideologia que já se encontra presente. Uma ideologia ao mesmo tempo mais cristã e mais anticristã. Essa ideologia nasce da dessacralização e do longo processo que chega ao mundo moderno, mas que vai se criando como rivalidade ao Cristo na Cruz. Ela é, portanto, uma má imitação do cristianismo, pois “o Anticristo nada mais é senão a ideologia que se pretende mais cristã que o cristianismo, imitando-o sob o espírito de rivalidade”[28].

A ideologia do Anticristo confirma o cristianismo, mas retira dele sua substância (o Cristo na Cruz), sendo então um cristianismo biônico. Noutras palavras, uma moral laica civil indo ao seu extremo de negar a sua substância no sagrado e se afirmando contra este. Uma religião humanista, sem Deus, que congrega a independência do imperativo categórico. A universalização dos valores que nascem do cristianismo, mas que, ao mesmo tempo, nega sua substância. Ou, ainda, uma imitação perversa do Reino de Deus. Isso ocorre porque o reino de Satanás “(…) é uma caricatura do Reino de Deus. Satanás é o macaco de imitação de Deus”[29]. Ou seja, a ideologia do Anticristo é a satanização do sagrado enquanto imitação que se revela rivalidade.

Nesse sentido, o escritor russo do século XIX, Vladimir Soloviev, advertia profeticamente que o Anticristo seria um grande cristão que não acreditava na Cruz de Cristo. Um cristianismo desprovido de sua essência e mundializado como um valor laico, autônomo e independente que só ocasiona violência. Uma civilização laica, universalizada, ecumênica, que luta contra a realidade e cria um sagrado satanizado por esta má imitação.

É na imitação que reside a grande questão da ideologia do Anticristo. Após a Paixão, Cristo nos convida a seguir seus exemplos, ou seja, serve-se de modelo para os homens. Como Deus que se fez homem, Cristo é um modelo que para a reciprocidade e evita a rivalidade mimética e suas consequências. Mas, por sua natureza, ele só pode estar num patamar diferente dos homens, ou seja, só pode aparecer enquanto mediação externa. Cristo nos convida a servir de inspiração na busca pela beatitude.

Com o tempo, a humanidade não consegue se inspirar em Cristo e evitar a violência desordenada do mimetismo agora desprovido de proteção sacrificial. Pelo contrário, o bem e o mal vão se intensificando e a humanidade entra em rivalidade com o Cristo na Cruz. Pretensamente onipotente e autônoma, os homens enxergam Cristo no seu patamar que, como modelo, passa para mediação interna.

Agora, os homens disputam com Cristo esse lugar de vítima na Cruz, de bode expiatório perfeito, sem terem sido e, ao contrário, fazendo disto uma sanha para vitimar. O paradigma cristão alastrou o respeito pela vítima. Assim, para vitimar, é preciso primeiro se colocar como vítima, pois a ela tudo é dado e de nada será duvidado. O homem entra em rivalidade com Cristo, retira-o da Cruz e se coloca falsamente no papel de vítima para poder vitimar. É o que Girard chamou no livro “Evolução e Conversão” de “máquina supervitimológica”: “(aquela) que continuará a sacrificar em nome da vítima”. É o uso perverso (satanizado) da revelação cristã.

A máquina supervitimológica é a consumação da ideologia do Anticristo: retirar Cristo do papel de vítima perfeita para se pôr no seu lugar e poder vitimar à vontade. Os movimentos de “minorias” e sua sanha por transformar a sociedade não nos deixam dúvidas. Girard não deixou muitas coisas escritas a respeito, mas asseverou sobre isto:

A preocupação com as vítimas me parece um fenômeno positivo e ao mesmo tempo negativo. O erro vem das ideologias: a ideia de que tudo é bom ou mau. A revelação da inocência da vítima é a verdadeira aquisição cristã que se desenvolve em nossa época, mas no curso do século passado ela pôde tornar-se o motor dos novos fenômenos vitimários, tornando sua utilização equívoca. (…) O que está em questão é a reivindicação generalizado do sentimento vitimário que termina por se voltar contra a lei natural e contra toda lei que regule as relações humanas[30].

O novo fenômeno vitimário está ocasionando um “skandalon” coletivo de nível mundial enquanto crise mimética, donde chegamos à outra perspectiva da mesma questão do sagrado satanizado: o novo culto a Dioniso. Para Girard, o filósofo Nietzsche tinha tido grande sensibilidade para perceber os problemas do mundo moderno, no entanto, este opta por Dioniso, pelos mitos e pela a violência sacrificial, enquanto Girard opta pelo crucificado, pela revelação cristã. A descrição de Nietzsche é tão correta quanto é desastrosa a opção que toma pelos mitos.

Nietzsche percebe que o cristianismo derrota os mitos antigos, a religião arcaica e a violência irruptiva da celebração da vida. O cristianismo é a moral das vítimas que ele toma como fracos e ressentidos. Por isto, Nietzsche defende a volta dos valores pagãos, do ensinamento dos mitos, da violência que celebrava a vida, a moral do super-homem. E essa nova ética pagã funda-se num novo assassinato fundador: a morte de Deus pelos modernos. No leito de morte, Nietzsche anteviu sua autocondenação. Sobre isto, afirmou Girard:

Ele queria ficar ao lado de Dioniso contra Cristo, e ao fazê-lo condenou-se ao inferno, porque Dioniso e Satanás são a mesma coisa. (…) Ter ciúmes de Cristo (…) significa inevitavelmente ficar do lado de Satanás, (…) do lado da turba contra a vítima inocente[31].

Nietzsche anuncia o retorno do paganismo enquanto morte de Deus. A volta dos mitos numa violência redentora menos ou mais disfarçada. É o sintoma dessa ideologia do Anticristo de hoje: “ultracristianismo caricatural que tenta escapar à orbita judaico-cristã ao radicalizar a preocupação com as vítimas num sentido anticristão”[32]. Uma coisa interessante é que o filósofo alemão pode ser usado tanto na direito quanto na esquerda, pois a função de todas as ideologias é encobrir (como uma narrativa) nossa tendência vitimadora.

A ideologia serve para encobrir a imaginação apocalíptica. Enquanto esta capta que, após a Cruz, ou imitamos Cristo ou nosso destino é a autodestruição; a ideologia oculta esse risco ao nos oferecer respostas e doutrinas para um mundo melhor. As ideologias são imanentizações que trazem o Reino de Deus para este mundo, expressando sempre uma parte da verdade contra o todo. A sua função é ocultar a crise mimética ao oferecer uma resposta simples para ela.

Com os duplos de vinculação da mediação interna predominante de nossos tempos, há duas formas potencialmente destrutiva de ideologias que se complementam e representam reciprocamente a ideologia do Anticristo. A ideologia do vitimismo transforma a denúncia do mecanismo expiatório numa máquina supervitimológica. As “minorias” são colocadas na Cruz de Cristo e do alto de poder vítimas autoproclamadas podem fazer contra outros aquilo que bem entender. É interessante notar que houve uma convergência pós-68 na esquerda entre a social-democracia e o liberalismo moderno (ou social), especialmente de tipo anglo-saxão. A centro-direita europeia também não escapa dessa ideologia do vitimismo, diferindo-se por seu liberalismo econômico em sentido clássico. Essas lutas culturais – na luta por liberdade, contra a realidade e pelo aumento dos direitos – resultaram num controle da vida particular e das consciências como nunca visto.

Por reciprocidade, temos em resposta também uma nova forma de nostalgia do sacrifício. O nazismo e o fascismo foram nostalgia dos mitos que desejavam enterrar a preocupação moderna com as vítimas. Ele considera o cristianismo indulgente com as vítimas, fraco, assassino dos mitos nacionais, do sentimento forte de identidade que vem com o mecanismo expiatório. Em geral, é fortemente antiliberal (enquanto a ideologia do vitimismo é francamente liberal e burguês mesmo quando fala contra o liberalismo e a sensibilidade burguesa), pois seu desejo é voltar a um passado de mitos e da violência satânica tradicional. Essa nostalgia é nacionalista, populista e sacrificial. Sua saudade é a do Satanás que foi derrotado pela Cruz. Vemos expressões disso em Putin, Trump, no duguinismo, na nova direita cultural que cresce na Europa, na Frente Nacional francesa, e em tipos desprezíveis como Alain Soral e Varg Vikernes.

A barbárie administrada da política institucional, que não consegue mais ocultar a violência interna desordenada, é também acompanhada de uma violência externa: da guerra[33] em nossa porta pelo terrorismo. O terror é uma tática que fragmenta a guerra. Quando os revoltados o utilizam, junto com todo aparato técnico e simbólico, mostram que são muito mais filhos do seu tempo do que homens do passado.

Antigamente, havia uma espécie de consciência moral em não atingir civis ou famílias. Os alvos prediletos eram chefes de estado, pessoas que concentravam boa parte do poder instituído. O terrorismo contemporâneo é cada vez mais espetáculo do terror, encontra-se por toda parte, quer mais causar impressões imediatas de medo e pânico do que atingir algum resultado objetivo. Quando atinge a liberdade de expressão, não espera que isto resulte em algum evento decisivo, tão-somente provocar espanto e temor. As atividades e estrutura do terrorismo de hoje são descentralizadas, dependendo do fator surpresa. Isto, num momento onde as guerras concentradas, com invasão territorial e grande aparato humano e tecnológico, tornam-se muito custosas e cada vez mais sem sentido.

O terrorismo contemporâneo fragmenta também a política e o cotidiano que lhe circunda. O terror atinge, em especial, a honra da continuidade. Ele destrói a tradição mesmo quando a utiliza como desculpa da revolta perene. O código de honra do terrorismo tradicional ameaçava figuras públicas com o poder na mão, mas não ameaçava civis indiscriminados, tampouco suas esposas e filhos. Desde tempos imemoriais os homens vão à guerra, não por machismo, nem somente por questões biológicas, mas porque a mulher e sua prole representam a continuidade na vida, o semear dos frutos, a base que deve sustentar valores e tradições no tempo, estruturando e mantendo a ligação entre as gerações vindouras e as de outrora. Quando se dirigem à batalha na defesa do seu ser, mantém a esperança de que no lar, mulher, filhos e anciãos repousariam em proteção. A vida poderia se interromper, mas atravessaria o rubicão do tempo através de seus laços na família.

O terrorismo é a fragmentação da guerra e do mundo, ele é aquela violência desgovernada que se desacorrentou e que não há mais maneira de resolver sem que a humanidade se penitencie. Com a fragmentação da guerra, ou seja, com ela “na porta da nossa casa”, não há o que vencer, pelo simples fato de inexistir nela substância. A guerra fragmentada como terror é a completa ausência de sentido maior, é o espetáculo da brutalidade de existir, da violência sem mediação. Agora, o campo de batalha virou qualquer lugar a qualquer hora, tornou-se fluído como o tempo do cotidiano. A família pode ser explodida, de repente, numa torre americana, numa sinagoga em Londres, num trem em Madri ou num prédio qualquer em Paris. É a guerra picotada contra o sentido maior da realidade, como no Ocidente originário ocorre internamente.

Girard observa uma reciprocidade entre os terroristas e seus alvos. Os terroristas islâmicos não podem negar em absoluto o Ocidente, pois na “rivalidade mimética” se imita as formas do modelo-rival. A chave do conflito não é a diferença ou um confronto de civilizações, mas a rivalidade. Afinal, eles utilizam nossas armas: espetáculo, redes, internet, fragmentação. E, na leitura dos escritos de Bin Laden, lhe chamou atenção a alusão ao bombardeio americano do Japão. Para Girard, Bin Laden pertencia a uma dimensão que transcendia o Islã. Diz ele numa entrevista[34]: “Sob o rótulo de Islã, encontramos uma vontade de reunir e mobilizar o terceiro mundo daqueles frustrados, as vítimas em suas relações de rivalidade mimética com o Ocidente”.

Ao mesmo tempo, Girard aponta que na fé muçulmana a algo duro e prático, que permite o estado tribal e algumas formas sacrificais sem abdicar do monoteísmo. Para Girard, o Islã também reabilita a vítima, mas faz isso de maneira militante e impositiva. Isso a torna uma religião do sacrifício, mas que, ao contrário do paganismo arcaico, são seus filhos que podem sacrificar a própria vida em nome de Deus. Esse é um aspecto geral do Islã que foi ressignificado pelo Wahhabismo, que busca a fé perfeita e idealizada dos primeiros dias contra os apóstatas de hoje. Como uma ideologia política moderna, ele também oculta a iminência do apocalipse que essa postura militante traz ao não parar a reciprocidade e tornar a violência um caos desordenado.

O terrorismo tem mostrado dramaticamente a escalada para os extremos. Tudo a nossa volta nos apresenta a origem e a possibilidade do fim e já não é mais possível dissimular essa iminência. Mas Deus não nos condena, mas nos concede a liberdade para escolher os modelos: pedir misericórdia ou negá-lo. A nossa imaginação apocalíptica é consciência da finitude da história e do enredo da humanidade (e suas possibilidades). Cristo nos convida a imita-lo, mas a humanidade insiste no seu pecado original. Ele veio para nos revelar que seu Reino não era deste mundo, mas que os seres humanos, uma vez que tenham entendido os mecanismos de sua própria violência, pode ter uma intuição exata do que está além dele. A humanidade é autora de sua queda e a imaginação apocalíptica não significa salvar o mundo, mas salvar-se a si mesmo.

A imaginação apocalíptica na recuperação do sentido do tempo mostra sua face mais grandiosa: a salvação das almas num monde onde fim e início, perdição e redenção já estão mais do que claros. Por isto, nos pergunta Girard:

O próprio Cristo não convida a ser mais ‘astuto do que a Serpente’? (…) Temos de combater uma violência que não pode ser controlada nem dominada. Mas e se o essencial não for triunfar? E se a batalha for mais importante do que a vitória? O primado da vitória é o triunfo dos fracos. O da batalha, ao contrário, é o prelúdio da única conversão que importa[35].

O mundo que desaba a nossa volta, toda nossa história escatológica nos confirma (e nos confirmou) isto todo o tempo: a única coisa que realmente importa aqui é a misericórdia divina.

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___ PS: no próximo texto, farei algumas observações críticas a alguns pontos da obra girardiana e tratarei mais especificamente da desconexão da realidade.

___ BIBLIOGRAFIA

Girard, René. Mentira Romântica e Verdade Romanesca. São Paulo: É Realizações, 2009.

_________. Violence and Sacred. Baltimore: John Hopkins University Press, 1979.

_________. Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

_________. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

_________. Aquele por quem o Escândalo Vem. São Paulo: É Realizações, 2011.

_________. O Trágico e a Piedade. São Paulo: É Realizações, 2011.

_________.  O Sacrifício. São Paulo: É Realizações, 2011.

_________. Deus: uma invenção? São Paulo: É Realizações, 2011.

_________. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011.

_________. Rematar Clausewitz: além da Guerra. São Paulo: É Realizações, 2011.

_________. A Conversão da Arte. São Paulo: É Realizações, 2011.

_________. Anorexia e Desejo Mimético. São Paulo: É Realizações, 2011.

___ NOTAS

[1] GIRARD, René. Aquele por quem o Escândalo Vem. São Paulo: É Realizações, 2011. (p.148)

[2] GIRARD, René. Rematar Clausewitz: além da guerra. São Paulo: É Realizações, 2011. (p.130)

[3] Criticada por teólogos e religiosos que, sem perceber, separavam fé e razão e, logo, os homens de Deus, a chave antropológica de Girard foi, na verdade, o seu grande legado no plano da salvação das almas.

[4] GIRARD, René. Rematar Clausewitz: além da guerra. São Paulo: É Realizações, 2011 (p.298).

[5] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 250).

[6] Idem. (p. 206).

[7] Seguir essa trilha filosófica sobre o desejo mimético pode ser importante também para compreender a imitação nos animais. Quem já teve um animal doméstico, deve ter percebido comportamentos miméticos. Como seres sencientes, os animais na ação por seus instintos também devem estar rodeados por um nível de senciência imitativa, sem que resulte em cultura pela falta de capacidade racional.

[8] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 81).

[9] Idem. (p. 87).

[10] GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. (p.56).

[11] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 223).

[12] GIRARD, René. Aquele por quem o Escândalo Vem. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 106)

[13] Idem (p.89).

[14] Ibidem (p.85)

[15] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 110).

[16] GIRARD, René. Aquele por quem o Escândalo Vem. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 105)

[17] GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. (p.175).

[18] GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. (p.205/206).

[19] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 230).

[20] GIRARD, René. Rematar Clausewitz: além da guerra. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 31)

[21] Idem. (p. 114)

[22] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 107).

[23] GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. (p.156).

[24] GIRARD, René. Rematar Clausewitz: além da guerra. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 22/23)

[25] Idem. (p. 174)

[26] Ibidem. (p. 200/201)

[27] Ibidem. (p.175)

[28] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 252).

[29] GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. (p.67).

[30] GIRARD, René. Aquele por quem o Escândalo Vem. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 128/129)

[31] GIRARD, René. Evolução e Conversão. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 242)

[32] GIRARD, René. Eu Via Satanás Cair do Céu como um Raio. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. (p.220).

[33] https://www.revistaamalgama.com.br/01/2015/guerra-em-nossa-porta-poder-integrado/

[34] http://www.morphizm.com/politix/girard911.html

[35] GIRARD, René. Rematar Clausewitz. São Paulo: É Realizações, 2011. (p. 32/33)

Elton Flaubert

Doutor em História pela UnB.

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