O universo bizarro das esquerdas

por Paulo Roberto Silva (25/06/2017)

Dois novos livros mostram que parcela considerável da intelectualidade vive em um mundo diferente do nosso.

“Cinco mil dias: O Brasil nos tempos do lulismo”, de Gilberto Maringoni e Juliano Medeiros (orgs) (Boitempo, 2017, 400 páginas)

“A crise das esquerdas”, de Aldo Fornazieri e Carlos Muanis (orgs) (Civilização Brasileira, 2017, 266 páginas)

Cada dia que passa a melhor hermenêutica para compreensão de certos fenômenos vem da cultura pop e não das ciências sociais. Por exemplo, para entender o que se passa no grosso da intelectualidade de esquerda precisamos esquecer Marx e Weber e olhar para as histórias em quadrinhos. Em especial, as da DC Comics.

Os personagens da DC Comics – Super Homem, Batman, Mulher Maravilha, Flash, entre outros – vivem em universos paralelos ao nosso. Esses universos são parecidos com os que vivemos, mas seguem uma cronologia diferente da nossa, marcada pelas intervenções dos meta-humanos. São vários universos paralelos, alguns deles perigosos – como o universo bizarro, no qual um Super-Homem distorcido atua como vilão.

Ora, o Super-Lula e seu séquito parecem viver em uma espécie de universo bizarro, onde heróis são vilões e vilões são heróis. Neste mundo distópico, o impeachment foi um golpe das elites neoliberais para destruir o estado brasileiro, construído por Getúlio Vargas e aperfeiçoado por Lula, o Santo, para o bem dos fracos e oprimidos.

São dois universos paralelos. Em um, o real, a combinação de uma corrupção exagerada e a aplicação de engenharias sociais elaboradas pelos planejadores soviéticos das universidades lançaram o país no buraco. Ao invés de um país moderno e justo, o PT construiu uma República de Bananas, associado ao que havia de pior das elites brasileiras. Neste mundo, temos que agradecer à Divina Providência por não permitir que as engenharias sociais dessa turma fossem​ aplicadas até o fim – ou o desastre econômico e social teria sido maior.

Nesse universo bizarro, contudo, não é bem assim. Uma série de políticas do bem – política industrial, política externa Sul-Sul, regulamentações da vida privada, intervenção na imprensa – foram implementadas pela metade ou foram totalmente impedidas por uma elite malvada e neoliberal, que come bebezinhos no café da manhã.

Cinco mil dias, organizado pela Fundação Lauro Campos do PSOL, é mais crítico ao ciclo lulopetista. Contudo, os autores criticam o que existe de correto e elogiam o erro. A ausência, por exemplo, de uma intervenção nos meios de comunicação – chamada de “democratização” – é vista como um problema. Agora imagine o que seria a cobertura da Lava Jato se dependêssemos apenas dos canais amigos do governo. Se olharmos o efeito nefasto que a Ley de Médios teve na imprensa argentina, ao enfraquecer a liberdade de imprensa, devemos estar felizes que o mesmo não tenha sido feito por aqui.

A crise das esquerdas, por sua vez, lembra o artigo do Haddad na Piauí, em seu esforço de dourar a pílula do petismo. O ministro Renato Janine Ribeiro, por exemplo, chega a afirmar que os governos petistas são os mais éticos da história do país, porque usaram a corrupção para combater a desigualdade. Deve ser a mesma ética que o leva a bloquear no Facebook quem o questiona.

Ao se recusar a olhar os fatos, essa intelectualidade de esquerda presta um desserviço à corrente ideológica que propõe defender. Encarar de frente o desastre ético, econômico e político do ciclo lulopetista é uma necessidade para tirar a esquerda da crise. Mas não. O que ambos os textos fazem é colocar a culpa no neoliberalismo. Fazem isso com um tremendo verniz acadêmico, é verdade. Mas o resultado é isolá-los cada vez mais no seu universo paralelo.

Pensando bem, até que isso não é tão ruim. Fiquem aí no universo bizarro. Causam menos danos que no governo.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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