Henrique Meirelles e o desafio aos populistas

por Lucas Baqueiro (14/06/2018)

Seu discurso busca agradar um pouco a cada tipo de eleitor.

Na corrida eleitoral de 2018, muitos candidatos já tiveram o seu nome substituído por uma antonomásia. “O mais preparado” é como referem-se os eleitores de Ciro Gomes ao seu escolhido. “O mito” é o cognome com que se faz conhecer Jair Bolsonaro. Outros, apostam na simbologia que seu discurso carrega: Marina Silva é a ambientalista que defende uma nova política e o desenvolvimento sustentável; Álvaro Dias quer ser o refundador da república; Guilherme Boulos, o defensor da causa dos sem-teto, o herdeiro do lulismo.

Há um candidato, todavia, que não tem recebido grande atenção do eleitorado por ora, não tem suscitado paixões, tampouco tem tido sua imagem desconstruída à exaustão. Passa completamente ao largo dos grandes ódios e apreços, apesar de ter mudado de lado e de time algumas vezes desde o início da sua carreira política: em 2002, foi eleito deputado federal pelo PSDB. Em 2003, renunciou ao mandato recém-conquistado nas urnas para tornar-se presidente do Banco Central no governo Lula. Saindo do governo, em 2011, voltou à iniciativa privada dirigindo o conselho de administração de um grande campeão nacional artificialmente catapultado às alturas pela política de financiamentos dos governos do PT, o conglomerado J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Assumindo Michel Temer, em grande momento de ruptura política com o governo anterior, foi nomeado ministro da Fazenda.

Esse político que jogou bem com a tradicional direita (que não é exatamente uma direita, frise-se), com a esquerda e com o centrão, resolveu lançar-se com a primeira candidatura majoritária do (P)MDB em 24 anos. Apesar de navegar com lamparina de poucas velas, tem boas chances de ter votação razoável na disputa. Desconhecido pelo público que pouco acompanha política, é o verdadeiro candidato do mercado e um nome muito palatável entre liberais, conservadores, centristas e algumas pessoas de esquerda que compreendem a necessidade da responsabilidade fiscal. Conforme a última pesquisa Datafolha, tem apenas 17% de rejeição ao seu nome, embora também não pontue mais do que décimos na pesquisa espontânea. Sua candidatura, afinal, pode ser um naufrágio ou um sucesso.

Seu nome é Henrique de Campos Meirelles.

Meirelles, de 72 anos, participou do programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira 11. O fez à sequência de Álvaro Dias, Ciro Gomes, João Dionísio Amoedo, Guilherme Boulos e Marina Silva. Foi uma participação tranquila e serena, sem a modorra que caracterizou a participação do candidato do Podemos, ou sem a intensidade ou velocidade com que se deu a entrevista com o ex-governador do Ceará.

Meirelles defendeu, sem muito constrangimento, a reforma da previdência, destacando inclusive a sua preferência pelo projeto original, e não aquele que hoje tramita deformado no Congresso Nacional. Do mesmo modo, defendeu a reforma trabalhista promovida por este governo, do qual fez parte; o ajuste fiscal e a emenda constitucional número 95, que estabeleceu o teto de gastos. Colocado contra a parede por Vinícius Torres Freire, da Folha de São Paulo, a respeito da defesa do projeto de reformas do governo Temer e a recessão econômica do momento, respondeu que o crescimento do Brasil ora é baixo, mas o Brasil continua crescendo, depois da maior recessão de sua história (durante o governo Dilma); e que o fraco desempenho da economia no ano de 2018 tem muita vinculação com a preocupação do eleitor, dos consumidores e do mercado com a escalada dos candidatos populistas – que não nominou, mas todos sabem tratar-se de Ciro Gomes e Jair Bolsonaro.

Justiça seja feita, o desempenho da economia sob o comando de Meirelles poderia ser melhor por razões que escaparam ao seu controle: aquelas de força maior, da relação entre Michel Temer e o Congresso Nacional. O corte no gasto público, fundamental para o ajuste das contas do país, para o restabelecimento da confiança do investidor e consequente retomada no investimento e desenvolvimento, não foi feito como devia ser: o presidente da República voltou atrás em inúmeras decisões e cedeu excessivamente à base aliada, deixando, por exemplo, o déficit orçamentário muito além de onde deveria estar – re-escalando, portanto, alguns problemas que estavam sendo dirimidos no biênio 2016-2017.

Ainda à respeito da reforma da previdência, Meirelles deixou claro: fará uma reforma da previdência que garanta justiça social, garantindo a aposentadoria aos mais pobres, e dificultando a existência de aposentadorias dignas de marajás por parte de servidores públicos – falando, inclusive, em cobrar contribuições maiores dessa classe, que atualmente responde por parte considerável do déficit previdenciário.

Mais de uma vez os entrevistadores, como Torres Freire, Hélio Menezes, Andreza Matais e, com mais veemência, André Jung, o vincularam ao presidente Temer e à sua imensa impopularidade, numa tentativa mista de questionar a Meirelles sobre os obstáculos do vínculo e impingi-lo o próprio vínculo; e a inviabilidade de seu nome, tendo em vista seu baixíssimo percentual de votos (1%). Meirelles afirmou, a respeito da baixa intenção espontânea de voto, que o seu nome é bem-avaliado entre os que têm conhecimento do seu nome; e que o mesmo vínculo que teve no governo de Michel Temer, também teve no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que representa imensa influência no cenário eleitoral, apesar de sua prisão.

Meirelles tem duas grandes apostas. A primeira é o seu tempo de televisão, que não será desprezível, e seguramente maior do que os de Bolsonaro e Ciro Gomes, contenedores do campo populista e que congregam boa votação; e também mais amplo do que o de Marina Silva, outra candidata com quem disputará as intenções de voto no campo dos candidatos programáticos. A segunda, é o reconhecimento do seu muito bom desempenho à frente da economia brasileira, quer seja nos tempos de pleno emprego no governo Lula, quer seja na grave recessão herdada por Michel Temer no governo de Dilma Rousseff.

Durante a entrevista, também surpreendeu àqueles que esperavam poder fazer o maniqueísmo de privilegiar ricos e maiorias em detrimento de pobres e minorias. Defendeu o Sistema Único de Saúde, dizendo que devotará energia para aprovar a reforma da previdência, permitindo realocação maior de valores orçamentários para a tríade saúde-segurança-educação. Afirmou que manterá ou retomará políticas específicas para minorias, e reconheceu abertamente que o Brasil é um país racista e a democracia racial é um mito. Um discurso, em suma, que agrada à classe-média esclarecida, e que tem sido muito bem capturado pela esquerda.

A respeito de sua campanha eleitoral, deixou claramente entendido que pretende explicar, com mais efeito do que o marketing político do governo Temer tem feito, a importância das reformas econômicas que pretende promover. E que o objetivo é garantir, tão rápido quanto se possa, o retorno ao regime de pleno emprego e um bom acesso aos serviços públicos essenciais, sempre tendo em vista, também, o controle da inflação, que é um mecanismo perverso de promoção da desigualdade social.

Quanto às privatizações de empresas públicas, disse que pretende abrir o capital e diversificar o pólo acionário – de forma a impedir o monopólio – daquelas empresas que são deficitárias, como a Eletrobrás. A respeito da Petrobras, não falou na entrevista ao Roda Viva, mas disse na sabatina à revista IstoÉ, feita à sequência: é contrário à privatização nos moldes em que a empresa está agora, para não entregar o monopólio à iniciativa privada; que ela deve ser feita paulatinamente, e ser devidamente estudada, sem ser feita apressadamente.

Meirelles assumiu, durante a entrevista, a intenção de cobrar mensalidade nas universidades públicas daqueles que têm condições de pagar, não se esquivando de respondê-lo quando perguntado. De quebra, afirmou que pretende apostar mais num modelo de financiamento da educação em universidades privadas do que na educação superior pública, porque considera o primeiro mais positivo.

Por fim, dentro do escopo do programa de governo discutido durante sua participação no programa, o ex-ministro conjecturou a possibilidade de criar um fundo de estabilização do valor do combustível, alimentado por impostos já estabelecidos – que não seriam aumentados – e aliviados da obrigatoriedade de tornar-se despesa, por obra das reformas econômicas. O fundo de estabilização iria subsidiar o combustível, em momentos de variação do preço do barril do petróleo para cima; e seria recapitalizado, nos momentos em que o petróleo descesse de preço. Ainda, disse que é contrário ao tabelamento praticado nos fretes, no pós-greve dos caminhoneiros, dizendo que defende absolutamente a livre-competição.

Outro ponto importante, tratado por Meirelles, foi o da segurança pública. Destacou que é importante poder investir em tecnologia, em informação, em segurança de fronteiras, e no reaparelhamento material e de quadros das polícias a nível federal e estadual. O recurso para conseguir construir um melhor sistema de segurança pública viria das reformas estruturais de Estado.

Não houve oportunidade, nesta entrevista, de falar a respeito de suas posições sobre os costumes. Sobre o tema, teve o candidato Meirelles oportunidade de dissertar no dia seguinte, durante a sabatina da revista IstoÉ. Nesta, afirmou que defende a descriminalização da maconha (mas, não de outras drogas), e que é favorável ao casamento de pessoas do mesmo sexo, dois temas que sempre têm vindo à baila na corrida eleitoral. Pôs-se, portanto, em confronto com três posições dos principais adversários que tem pela frente: contra a política de drogas preconizada por Ciro Gomes, que é contra a descriminalização da maconha; contra a política de costumes familiares defendida por Bolsonaro, que é contra o casamento de pessoas do mesmo sexo; e contra a posição-não-posição de Marina Silva, que defende, a respeito do tema das drogas, plebiscito.

Meirelles não proclamou ser nada além de competente, durante a entrevista. Não se apresentou como candidato da direita, da esquerda ou do centro. Não é o legítimo conservador ou o campeão do desenvolvimentismo. Mas, sem que tenha proclamado nenhuma posição, é plausível dizer: até aqui, entre todos os candidatos que se apresentaram no Roda Viva, é o candidato mais liberal (e talvez o único, de todos).

Na somatória, seu discurso busca agradar um pouco a cada tipo de eleitor, o que o capitalizaria bem diante daqueles que se cansaram da intensa polarização política. Até aqui – porquanto nenhuma denúncia grave apareceu – passa a imagem de candidato honesto e competente, preenchendo um perfil que agrada ao brasileiro-médio. Os três grandes problemas da sua candidatura residem em: falta de carisma, tão cara a um eleitor muito chegado ao populismo rasteiro; pouco conhecimento do seu nome, coisa que pretende contornar com o começo oficial da campanha em agosto; e sua vinculação a Michel Temer, coisa talvez eleitoralmente fulminante a qualquer político brasileiro que se preze.

Em superando Meirelles o fato de que não é carismático, vencendo o desconhecimento de quem é, e descolando-se de Michel Temer, terá melhores chances de vencer. A população busca um candidato verdadeiramente preparado para o Brasil. E pode dar-se conta, afinal, de que o candidato mais preparado não é aquele que dispara números falsos e aleatórios, excelente de garganta, mas péssimo na prática executiva. O candidato mais preparado é aquele que resolve os problemas imediatos da população, removendo obstáculos para o desenvolvimento. Este candidato preparado pode ser Henrique Meirelles, que teve excelente desempenho na administração pública até aqui.

Lucas Baqueiro

Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.

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