A seleção da CBF
por André Egg
Chamar esse amontoado que anda vestindo a camisa amarela de Seleção Brasileira é uma falta de respeito com o torcedor, com o país e com nossa história.
É preciso lembrar que somos o país que teve a hombridade de organizar uma Copa do Mundo mesmo sem condições para tal, quando o mundo estava destruído pela guerra (1950). E que neste mesma Copa nos calamos diante do imponderável que foi perder a final de virada para o Uruguai, quando só precisávamos do empate.
Parece que aprendemos a lição, pois no tempo em que o Brasil tinha uma coisa que se podia chamar de Seleção Brasileira, ganhamos soberbamente às copas de 1958, 62 e 70. A Seleção de 70 é tida por 10 entre 10 especialistas como a melhor de todos os tempos a pisar num gramado.
Curiosamente, em 1970 já tínhamos essa coisa que hoje nos faz penar: uma tentativa de subordinar o futebol brasileiro à ditadura da política suja. Tempos de governos militares, quando já começava a se impor uma desbrasileirização do nosso alegre futebol. Quando treinadores formados nas casernas tentavam impor um esporte de predomínio da força física e de uma pseudo-organização tática, apagando o brilho e a alegria do drible, da ginga, da malandragem. Características que fizeram do futebol uma linguagem brasileira, conforme demonstra o fantástico estudo de José Miguel Wisnik.
Aquela Seleção de 1970 conseguiu, até hoje não se sabe como, resistir ao massacre cultural dos milicos. Foi preparada por um comunista louco, um tal de João Saldanha, que criou uma marca que iria perdurar: Seleção mesmo, de verdade, só poderíamos ter quando algum técnico bastante teimoso tivesse culhões para peitar o esquemão corrupto que passava a dominar a administração do futebol no país.
Telê Santa montou novamente um selecionado à altura da tradição tricampeã, que infelizmente voltou derrotado em 1982. Sem conseguir renovar aquela geração, levando Zico e Sócrates já sem condição física de jogar no mesmo nível, novamente Telê voltou derrotado em 1986.
As duas derrotas de Telê no comando da Seleção pareciam confirmar a tese de que não adiantava jogar bom futebol – isso não garantia vitória. Uma primeira tentativa foi feita em 1990 com a esquadra de Lazzaroni. Mas não seria daquela vez, pois a mágica de Maradona era capaz de superar um time talhado para se defender.
Em 1994 viria a desgraça total: uma vitória em Copa do Mundo, comandada por Carlos Alberto Parreira, o queridinho dos militares, o “professor” do método que abandonava tudo o que significa o futebol brasileiro. Que montou uma Seleção para não jogar futebol. Dispensou Raí, o grande craque do meio campo da época, para manter o Zinho, que era conhecido pela especialidade de girar em torno de um eixo imaginário o maior número possível de vezes. Que tinha em Dunga sua marca – o volante raçudo, que marcava muito e sabia dar passes. O pouco de parecido com futebol vinha duma dupla de ataque muito acima da média da época (Bebeto e Romário). Mas o título de tetracampeão veio da incompetência alheia – uma Copa com equipes horríveis de todos os grandes países tradicionais, que o Brasil venceu após um zero a zero na final com a Itália, com pênalti desperdiçado por Baggio nas cobranças decisivas.
Em 1998 viemos com Zagalo-vocês-vão-ter-que-me-engolir, e com um time que era escalado pelo patrocinador. A Nike obrigou Ronaldo Nazário a entrar em campo mesmo após ter sofrido convulsão. Fato que virou até alvo de CPI no Congresso Nacional.
Em 2002, um novo teimoso, Scolari, chamado às pressas para salvar uma Seleção que sequer iria se classificar para a Copa, tendo perdido pela primeira vez na história para a Venezuela Bolívia nas eliminatórias. Scolari deu padrão de jogo à equipe, recusou interferências em seu trabalho, e montou um time vitorioso – apesar de ter chegado desacreditado à primeira Copa disputada na Ásia.
Em 2006 devolvemos as cores da nação ao comando de Parreira, que desta vez adotou a tática de deixar a imprensa esportiva escalar o time (leia-se Galvão-empresário-de-jogador-Bueno). O tal “quadrado mágico” com Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Adriano era um esquema que apenas parecia ofensivo, e tentava limpar a barra de um técnico com fama de retranqueiro. Não deu certo.
Tendo que mandar o preferido Parreira embora, a CBF queria trazer Scolari de volta. Ele tinha dito pra si mesmo que nunca mais entrava para aquela máfia que era a CBF do Ricardo Teixeira. Então convocaram o Dunga, que nunca tinha sido técnico de time nenhum. A ideia era queimá-lo, e depois chamar Scolari em condições que ele não poderia recusar. Não deu certo, porque mesmo não sendo técnico de futebol, Dunga tinha a hombridade de fazer o que acreditava, e mostrou entender alguma coisa de Seleção Brasileira, montando um time com ótimo aproveitamento.
As pressões sobre ele foram tantas, que o treinador chegou à África do Sul sem o mínimo de equilíbrio emocional, transmitindo insegurança à equipe. Isso ficou claro no jogo contra a Costa do Marfim, e foi decisivo na derrota para a Holanda nas quartas-de-final.
Era óbvio que Dunga seria demitido após a Copa, inda mais depois de ter comprado briga com a TV Globo. Na hora de escolher o substituto, a CBF acertou com Muricy Ramalho, o homem que levaria a Seleção a um rumo certo, se conseguisse ficar no cargo. Acabou nem assumindo para honrar o compromisso com o Fluminense, que levou ao título nacional em 2010. Depois disso ainda conquistou o continental com o Santos em 2011, comprovando que é o grande técnico brasileiro do momento.
Na falta de Muricy, vai o Mano Menezes. Que mostrou que não tem cacife para comandar uma Seleção. Por que deixa CBF, TV Globo e patrocinadores escalarem seu time. O que obviamente só pode dar besteira. O goleiro Julio Cesar que o diga.
Na derrota para o Paraguai, Mano mostrou que, além de não saber convocar, não saber treinar e não saber escalar uma Seleção decente, também não sabe fazer substituições. Colocou Fred no lugar de Neymar, ao invés de sacar Pato. Colocou Lucas no lugar de Ganso, quando deveria novamente ter sacado Pato. E finalmente tirou Pato, mas para colocar Elano, o que não adiantaria nada, pois o Brasil não precisava de um volante para vencer o jogo – apesar da expulsão de Lucas Leiva.
Mas o principal é que Mano Menezes não sabe organizar uma relação de cobradores de pênalti. Colocou um volante (Elano), um zagueiro (Thiago Silva) e um lateral esquerdo (André Santos) para bater os primeiros três pênaltis. Não é pedir para perder?
O negócio é que não adianta reclamar dos jogadores quando o técnico não sabe o que faz. Mas também não adianta reclamar do técnico quando ele é um marionete de Ricardo Teixeira. Enquanto ele estiver no comando dos negócios mais lucrativos do país, o futebol brasileiro continuará sendo uma coisa que dará muito dinheiro para Ricardo Teixeira e para a FIFA. Mas não será capaz de trazer nada de bom para o Brasil e para o torcedor.
A esperança é que as investigações e denúncias que se agigantam sejam capazes de demover Ricardo Teixeira do cargo de dirigente máximo do esporte nacional por excelência. Aproveitando o embalo, já que a presidenta da república resolveu demitir aqueles que são pegos em investigações. Quem sabe a moda pega, e chegamos a Orlando Silva e Ricardo Teixeira. Afinal de contas, a organização da Copa é uma questão central do país em muitos aspectos. É importante demais para ficar nas mãos de alguém com este currículo.
E certamente, a continuar nessa toada, a Seleção da CBF (ia dizer “nossa Seleção”, mas o termo é falso) será uma vergonha, e a Copa do Brasil será um grande problema, ao invés de uma coisa positiva para o país.
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