Foi no mês que vem, mas aos poucos

por Lúcio Carvalho (27/07/2012)

Vitor Ramil parece ter encontrado uma forma particular de fazer o seu trabalho

Cerca de dois anos após o lançamento de Délibáb, no qual uniu a poesia popular do poeta João da Cunha Vargas às milongas “para seis cuerdas” do escritor argentino Jorge Luis Borges, o cantor e compositor gaúcho Vitor Ramil se prepara para levar adiante Foi no mês que vem, seu mais novo trabalho. Realizado de forma independente e tendo como principal parceiro ninguém menos que seu próprio público, Vitor encontrou no crowdfunding (através de uma plataforma sediada no RS, o Traga Seu Show) a forma de viabilizar um projeto que inclui a gravação de um CD duplo com muitas participações especiais e a confecção de um songbook com 60 composições de sua autoria, além da documentação em vídeo das gravações.

Acompanhado de poucos instrumentos e reunindo diversas parcerias, o CD fará uma retrospectiva da carreira do músico, passeando ao longo de sua discografia. Aqueles que já optaram pelas formas de adesão disponíveis na plataforma, que dão direito a presentes especiais de acordo com a faixa de recursos destinados, já estão assistindo aos documentários em vídeo das gravações. Ali se pode acompanhar as participações de artistas brasileiros como Milton Nascimento e Ney Matogrosso, assim como dos argentinos Fito Paez e Franco Luciani, e ter uma ideia geral da qualidade do trabalho, assim como receber na própria casa recompensas como letras manuscritas, discos autografados e outros, ao longo da produção do trabalho.

Se os presentes não podem nem pretendem substituir o novo trabalho, são formas pelas quais o cantor encontrou de proporcionar uma intimidade com seu público que as prateleiras das lojas ou os cliques da internet não conseguem oferecer. Este é, aliás, o grande diferencial de uma produção feita assim, ganhar vida aos poucos, ao contrário dos processos convencionais de produção, nos quais o público se vê reduzido ao papel de mero consumidor. No começo de julho, Vitor chegou ao ideal proposto para a campanha de arrecadação e, mesmo indo além dela, os recursos captados serão empregados integralmente nos custos do projeto, já que a campanha em si mesma visava atingir um patamar inicial de financiamento, não representando sua integralidade.

A ideia de usar o crowdfunding, segundo o próprio cantor, tem origem na forma independente de produção de seu trabalho e no desejo de experimentar uma maior aproximação com o seu público, além de driblar a dificuldade de iniciar um projeto múltiplo como Foi no mês que vem. Vitor também aponta a capacidade de autonomia que um projeto assim pode proporcionar e afirma que a única dependência que lhe interessa no momento é a que pode travar com seu público, possibilitando um processo de produção autônomo em relação ao mercado convencional do disco.

Se o meio encontrado por Vitor está longe de poder ser considerado como a forma ideal de produção musical independente, é sem dúvida uma forma que surge a reboque da conectividade do mundo contemporâneo. O próprio cantor aponta que a internet pode ser o meio pelo qual as pessoas poderão superar a dicotomia presente na relação artista/público, através da permeabilidade que a rede proporciona, ao invés dos meios de comunicação convencionais e seus fluxos particularíssimos.

No Brasil recente, outros compositores têm se valido da rede de forma diferenciada para produzir e divulgar seu trabalho desde meados dos anos 90, quando o mercado fonográfico pendeu diante das possibilidades de compartilhamento de arquivos digitais que a popularização da internet consolidou, com maior ou menor efeito. Seja através da comercialização direta de faixas, prática iniciada pelos ingleses do Radiohead em In rainbows ou até mesmo na distribuição gratuita de todo o disco. Foi o que fez em 2011 o rapper Criolo, que amealhou com seu Nó na orelha os principais prêmios da música brasileira e se converteu em fenômeno, sem ter vendido um disco sequer.

Não é novidade alguma a necessidade presente de se buscar caminhos alternativos para a produção cultural independente, uma vez que a lógica de mercado está atenta àqueles projetos que não oferecem risco. No caso de Vitor, o crowdfunding, ao que parece, funcionou muito bem. Não significa que funcionará sempre ou que se trata de um modelo ideal. Vitor, que já havia elevado a música tradicional de seu estado a um patamar inédito, livre de sotaques e provincianismo, parece ter encontrado no desapego aos modelos convencionais uma forma particular de fazer o seu trabalho. São ventos que vêm do sul, mas que podem render boas ideias e frutos em qualquer parte do país.

Lúcio Carvalho

Editor da revista digital Inclusive. Lançou em 2015 os livros Inclusão em pauta e A aposta (contos).

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