Entrevista com Marcos Peres, autor de “O Evangelho Segundo Hitler”
"Juntar Borges com Hitler foi uma irresponsabilidade de um leitor apaixonado e conhecedor da obra do famoso argentino."
Recentemente, o Prêmio SESC de Literatura anunciou os nomes dos dois finalistas da premiação que tem se tornado um dos mais importantes do país na busca de novos talentos literários, dando a novos escritores a oportunidade de serem publicados em uma das casas editoriais mais respeitadas do país, a Record.
Marcos Peres foi o vencedor da última edição (2012/2013) do prêmio, na categoria romance, com o livro O evangelho segundo Hitler, que mescla ficção com personagens reais e fatos históricos, numa trama ousada e nada comum envolvendo o ditador Adolf Hitler e o homônimo de um dos escritores argentinos mais influentes do século XX, Jorge Luis Borges, numa seita conspiratória, durante o apogeu da Segunda Guerra Mundial.
Nascido na cidade de Maringá, interior do Paraná, Peres tem 28 anos, é formado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá e trabalha como servidor público do Tribunal de Justiça do Paraná. Quanto à paixão pela literatura, relata ter começado desde cedo. Depois de uma semana agitada, com o lançamento do livro realizado na última edição da FLIP, Marcos Peres concedeu uma entrevista para o Amálgama, onde conta sobre como foi ter recebido a notícia do prêmio, sua rotina durante o processo de criação, a inspiração em escrever um romance que reúne duas figuras tão distintas e emblemáticas como Borges e Hitler, e o que ele projeta daqui para frente, agora como escritor publicado.
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Amálgama: Como surgiu a ideia do livro? E por que exatamente ter escolhido figuras tão marcantes e distintas da história como Hitler e o escritor Jorge Luis Borges?
Marcos Peres: A ideia do livro surgiu da admiração que sinto pelo escritor Umberto Eco e pelo seu magistral livro O pêndulo de Foucault. No Pêndulo, Eco desfila sua sofisticação e erudição criando uma teoria mirabolante. Foi meu molde para construir minha própria teoria, meu próprio castelo de areia. O passo seguinte foi escolher os personagens que viriam a ser os protagonistas do meu plano. Foi fácil escolher Borges: eu conhecia profundamente a vida e obra do grande argentino e senti que, com ele, pisava em um terreno seguro. Não me sentiria à vontade, por exemplo, para fazer uma teoria envolvendo outros escritores que admiro, mas que não conheço em profundidade. Juntar Borges com Hitler foi uma irresponsabilidade de um leitor apaixonado e conhecedor da obra do famoso argentino. Quando escrevi o Evangelho, não imaginei que pudesse vencer um concurso literário tão grande quanto o do SESC. Era uma brincadeira, apenas.
Quanto tempo você levou para escrever O Evangelho segundo Hitler? Havia uma rotina durante o processo de produção?
Sim, uma rotina que me habituei a proceder, não só para o Evangelho, mas todos os meus escritos. Destino minhas manhãs para a literatura, duas horas diárias, nada mais que isso. Se ultrapassar este tempo, sinto que minha concentração se esvai e o escrito fica uma porcaria. Se escrever menos que duas horas, não rendo o necessário. O processo criativo do Evangelho — aquele sopro germinal, aquele jorro de ideias — demorou uns 3 meses, creio. Depois disso, revisitei-o algumas vezes, para limá-lo, para corrigi-lo.
Como foi receber a notícia de que seu livro foi o finalista do Prêmio SESC de Literatura?
Um senhor com sotaque carioca me liga em pleno expediente. No momento, achei que fosse do banco, de algum telemarketing. Tal senhor, subitamente, diz que sou o grande vencedor do concurso. Eu não acredito, fico atônito. Indago, receoso: “Mas já é definitivo? Não há chance de alterar?” “Não”, ele responde. E me dá os parabéns. Ali foi o começo de tudo. Quando desliguei o telefone, senti que muitas coisas boas estavam por vir.
O que mudou a partir daí com relação ao Marcos Peres, que antes era um funcionário público de uma cidade interiorana, e agora um escritor premiado e publicado por uma editora de grande tradição no mercado editorial brasileiro como a Record?
Ainda mantenho a rotina de servidor público e acho que este fato não se alterará. Costumo dizer que o serviço público é a profissão e a literatura é a paixão. A diferença é que, com o resultado do concurso, estou vivendo esta paixão com mais intensidade, com mais ardor. Já a minha rotina se alterou de maneira abrupta. Sei que participarei de mesas e eventos literários em vários lugares do Brasil, durante esse ano. Na pequena Maringá, já sou reconhecido por ser um escritor. Quando viajei para Paraty, no formulário do hotel, pela primeira vez preenchi o campo profissão como escritor e não como servidor público. É um fato pequeno e pueril, mas, para mim, muito significativo.
Durante o processo de edição do livro na editora, você deixou o texto do jeito que estava ou retrabalhou novamente algumas passagens?
Trabalhei o texto, até porque ele foi feito há algum tempo e sinto que estou ainda em evolução na minha escrita. Mas trabalhei com parcimônia; não alterei nenhum elemento fundamental do texto. Alterei alguns substantivos, adjetivos, pronomes. Limei alguns excertos que, agora, não me soavam bem e podei alguns preciosismos. Um fato interessante é que, no momento em que eu trabalhava no texto que deveria ser mandado para a Editora, saiu a notícia da eleição do novo Papa Francisco. Eu estava exatamente trabalhando um trecho em que alguns alemães apresentam a cidade de Munique para Jorge Luis Borges. Não aguentei e inseri no livro o seguinte excerto: “Olhe, Borges. Estamos em Munique! A partir deste momento, Munique será sua nova cidade. Dê sua benção para o povo, Borges. Dê sua benção urbi et orbi.” Urbi et orbi é a tradicional benção que o Papa dá no vaticano para a cidade e para o mundo. Urbi et orbi. No meio de tanta blasfêmia que cometi, senti que poderia inserir Borges com o primeiro papa argentino da história. Foi um trecho que reescrevi rindo por dentro. Era, naquele momento, uma piada que só eu podia compreender.
Como você começou a escrever? E quando a literatura, de fato, passou a ter importância em sua vida?
A literatura está em mim desde que me conheço por gente. Sempre assumi meu papel de leitor e, aos poucos, fui tomando o papel de escritor. Escritor para poucos, é verdade. Mas este fato nunca me incomodou. Por muito tempo escrevi para dois amigos fiéis, dois amigos que ficaram muito felizes com o resultado do concurso. Mas eu sempre escrevi por necessidade. Sempre escrevi porque sinto que é minha terapia; sinto que, na frente de um computador ou com um papel e um lápis, posso exorcizar todos os meus fantasmas, posso queimar todos os meus demônios interiores. São coisas que dificilmente eu conseguiria transmitir em uma mesa de bar para amigos. E, portanto, passo todas essas inquietações para o papel. Escrever é a possibilidade de exorcizar todos os demônios que carrego em minhas costas. É minha humilde redenção.
Quais são as suas influências literárias?
Borges, Eco, Saramago, Gárcia Marquez, Cortázar, Llosa, Murakami e Pessoa. Dos brasileiros, Machado, Guimarães Rosa, Autran Dourado, Milton Hatoum e Tezza.
Algum autor contemporâneo que você tenha lido ultimamente?
Essa eu vou responder com bairrismo. Ficarei com o meu amigo Oscar Nakasato, atual vencedor do Jabuti com o seu Nihonjin. É um livro sensacional.
O que você acha que possa ter sido fundamental para que o seu livro tenha ganhado o Prêmio SESC?
O nome é muito chamativo. Todos se interessam. Alguns torcem o nariz pela associação de Evangelho com Hitler, é verdade. Mas ficam com a pulga atrás da orelha. Uma palavra religiosa e outra blasfema, juntas. O tema também é chamativo. Sei que cometi uma irresponsabilidade no ato de juntar o maior escritor argentino de todos os tempos com a monstruosidade do nazismo. Mas, em minha irresponsabilidade, agi com respeito e carinho ao escritor argentino que tanto admiro. É um livro que possui um apelo muito grande, desde a capa com a palavra Hitler enorme, a suástica, o vermelho vivo e pulsante. Tenho uma expectativa muito grande com o que as pessoas acharão do Evangelho.
Você esteve na FLIP deste ano, no Espaço SESC Paraty em parceria com a Editora Record, ao lado do vencedor da categoria contos (João Paulo Vereza, autor de Noveleletas). Como você vê agora essa nova etapa de sua vida estreando no mercado editorial brasileiro, tendo que dar entrevistas e participar de excursões literárias pelo país para a divulgação do livro?
Participar da FLIP foi um sonho. Coisa de criança, mesmo. De um fanático por futebol que entra pela primeira vez no Maracanã. A tal da descoberta do palco. Conheci o Marcelino Freire e os vencedores dos anos anteriores do prêmio SESC. O SESC e a Record fizeram um coquetel de lançamento e tive a oportunidade de falar sobre o livro, de dar autógrafos. Foi uma noite memorável.
Já tem algum novo projeto literário em vista?
Já. Acabei um novo romance, que será o primeiro de uma trilogia. Era um projeto que eu já tocava antes mesmo de sair o resultado do Concurso SESC. Após o resultado, tive que postergar um pouco minha trilogia. Agora, sei que terei compromissos literários com o Evangelho. Só tenho uma certeza. Meu futuro será literário.
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JOSE FAUSTO TOLOY
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Joyde
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GILSON