Juliana Cortes estreia em disco: é bom prestar atenção nela

No disco "Invento", a cantora conta com um grande time de músicos em composições muito interessantes.


[foto: Gazeta do Povo]

No início do mês passado fui ao Teatro Paiol acompanhar o show de lançamento do CD Invento, da cantora radicada em Curitiba Juliana Cortes. Juliana já tinha provado seu valor inúmeras vezes, sendo bem conhecida do público e da classe musical aqui da cidade, tanto por seu trabalho como cantora quanto pelo que vem fazendo como produtora.

Agora o trabalho dela vai estar disponível para muito mais gente conhecer, e podem esperar que ela vai agradar bastante. Falo “o trabalho dela” mas o termo não é correto. O trabalho é dela e de mais um time impressionante por ela reunido. Começando por um show com o Vitor Ramil ano passado, que eu infelizmente não vi, mas que tem bons vídeos aqui. E continuando depois disso com a gravação do disco, serviço para o qual reuniu uma equipe fixa composta por Ronaldo Saggiorato no contrabaixo, Luis Otávio Almeida na guitarra e Vina Lacerda na percussão.

No show de lançamento do disco tivemos ainda o pianista Fabio Cardoso e a substituição de Vina Lacerda por dois percussionistas – Valderval Filho e Márcio Rosa, que pareciam os ratinhos do Nicolelis de tão sincronizados que estavam em tocar aquelas coisas complicadas. Nas últimas músicas, uma participação muito especial de Joel Müller no violão.

A apresentação foi muito marcante, tanto pela qualidade da voz de Juliana quanto pelas ótimas composições reunidas no espetáculo (uma das quais não saiu no disco por problemas com direitos autorais), pela qualidade dos arranjos, qualidade dos músicos e, acima de tudo, pelo ótimo entrosamento da equipe. A voz de Juliana contribui muito pra isso, pois não funciona como uma solista acompanhada de conjunto. Posso dizer que seu principal mérito como cantora é saber muito bem integrar a voz ao conjunto, como se fosse um instrumento da banda. O que é muito bem feito tanto no aspecto do timbre quanto na precisão/integração rítmica. Isso só é possível pelo absoluto domínio que ela possui tanto da afinação quanto da inflexão rítmica, coisa que já tinha sido bastante notada nos tempos em que ela passou pela FAP como aluna da primeira turma do Bacharelado em Música Popular.

Bem, o show já foi uma coisa de bastante impacto, mas digo que o disco é ainda bem melhor. Claro, quem vai no show ouve o disco com outro nível de atenção. Eu já tinha ouvido algumas músicas pelo Soundcloud, com ótima impressão, mas escuto tudo com outros ouvidos agora depois do show.

O negócio não tinha mesmo como dar errado. Além da participação certeira de Luis Otávio Almeida, Ronaldo Saggiorato e Vina Lacerda como músicos principais, o disco ainda tem como mérito as participações ocasionais de Davi Sartori com os pianos, Du Gomide na viola caipira e Joel Müller no violão. As composições de Vitor Ramil, Alexandre Nero, Paulo Leminski, Carlos Careqa, Chico Mello, entre outros, são todas muito saborosas. Ainda mais com arranjos assinados por Luis Otávio Almeida, Gilson Fukushima, Ronaldo Saggiorato e uma competentíssima produção de Fred Teixeira, músicos que construíram ótima reputação por seu trabalho em Curitiba, e que merecem circular para muito mais além da cidade onde trabalham.

Aliás, o show/disco promete circular bastante por este mundão, e o público de outras cidades certamente vai aprovar o trabalho da Juliana. Já teve show de lançamento em São Paulo, e o disco tem distribuição da Tratore, o que significa que estará à venda nos principais canais na internet.

Para observar no disco, algumas coisas podem ser classificadas como pontos altos em meio a tanta coisa boa que acontece. O solo de oud de Soufian Saihi em “Que horas não são”, dialogando com o ótimo pandeiro de Vina Lacerda e com os comentários do piano de Davi Sartori – além da emocionante vinheta em que o instrumento mouro dobra com a voz. A linha de baixo e violoncelo no final de “Indo ao pampa”. A inflexão hesitante da guitarra em “Filosofando”. Tudo é muito bonito na leminskiana “Velho Leon e Natália em Coyoacán”, mas talvez esta seja a música em que a voz de Juliana aparece mais forte em toda sua beleza. A força coletiva da banda aparece melhor no arranjo roqueiro de “Tu nombre y el mio”. A pegada rítmica brasileira está melhor em “Santana”, e o violão gaudério de Joel Müller é um brinde e tanto em “Negra María”.

Tinha um tempo em que trabalhar em Curitiba era ficar longe do mundo, isolamento que tinha muito a ver com a pouca significação nacional da cidade, mas principalmente com a falta de profissionalismo e acanhamento das produções. Tempo que já vai longe, pois há uma geração incrível de profissionais trabalhando com uma qualidade incrível e extrapolando os limites da província com grandes méritos. Juliana Cortes é um grande exemplo disso, e não tenho dúvidas que vai despertar muita atenção.

Amálgama




André Egg

Professor da UNESPAR, professor colaborador no PPGHIS-UFPR, colaborador da Gazeta do Povo. Um dos organizadores do livro Arte e política no Brasil: modernidades (Perspectiva, 2014).


Amálgama






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