Brasil

O papa, e o que estamos pagando

por Carlos Orsi (15/07/2013)

Se encararmos a visita do papa como um evento turístico, um Rock in Rio da fé, o gasto público se justificaria?

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A visita papal que começa em breve no Rio de Janeiro, a chamada Jornada Mundial da Juventude (JMJ), está repleta das ambiguidades típicas de tudo o que envolve o Vaticano: por um lado, trata-se de um evento religioso, já que o papa Francisco é, ora bolas, o papa; por outro, de um evento diplomático, já que o papa também é o chefe de um Estado que, a despeito de sua legitimidade discutível, é reconhecido pelo Brasil.

Essa ambiguidade costuma ser muito bem explorada pela hierarquia católica. Quando interessa (por exemplo, na hora de explicar como a concordata Brasil-Vaticano “não é” inconstitucional), a Santa Sé é um país. Quando não interessa — imagino que os bispos, padres e cardeais que tando gostam de dar palpite na política interna do Brasil detestariam ser vistos como agentes provocadores a soldo de um Estado estrangeiro — é uma religião.

A JMJ é especialmente curiosa porque se revela um caso em que ambas as faces da Santa Sé se mostram, numa análise cuidadosa, inconvenientes: se se trata da visita de um dignitário estrangeiro, então não há por quê o Estado brasileiro incorrer em qualquer tipo de despesa, para além das medidas cabíveis de segurança e eventuais rapapés diplomáticos (jantar no Itamaraty, etc.). Se, por outro lado, se trata da vista de um líder religioso, então qualquer gasto público viola a Constituição — que proíbe o Estado de subvencionar cultos religiosos.

Nesse aspecto, a verba — de R$ 26 milhões a R$ 60 milhões, de acordo com o jornal O Globo — destinada pelo governo do Estado do Rio para subvencionar o deslocamento de fiéis e voluntários pelo sistema público de transporte tem tanta legitimidade quanto teria uma distribuição de passes livres de ônibus para que os seguidores de Silas Malafaia pudessem ir de graça ao culto.

Mas, e se encararmos a visita do papa como um evento turístico, um Rock in Rio da fé? O gasto público não se justificaria em termos da renda gerada com a visita de milhões de consumidores vindos de outras partes do mundo?

Se a lógica é essa, o resultado caminha para se revelar um enorme furo n’água: a mesma reportagem do Globo que menciona os valores do subsídio ao transporte dos católicos revela que o Vaticano já prevê prejuízo com a Jornada.

Em vez dos milhões de peregrinos, o número esperado, agora, é de pouco mais de 300 mil. Em termos de eventos de massa, o Rock in Rio II (1991), só para comparar, teve um público geral de 700 mil. No Rock in Rio III (2001), só o show do Iron Maiden reuniu 250 mil. Se a ideia, então, é plantar subsídios para colher turistas, fãs de rock’n’roll parecem ser uma aposta mais segura e prudente de recursos públicos do que jovens católicos.

Se há algo de bom que se pode tirar disso tudo, é o fato de que o governo parece pouco disposto a suprir a deficiência de caixa do Vaticano com o evento. Mas não nos rejubilemos tão cedo: o mesmo Globo diz que parte do deslocamento papal será feita num avião presidencial brasileiro. É de se imaginar se Francisco terá a mesma consciência de Renan Calheiros e Henrique Alves e reembolsará o contribuinte brasileiro.

Carlos Orsi

Jornalista e escritor, com mais de dez livros publicados. Mantém o blog carlosorsi.blogspot.com.