Governos adoram colocar o keynesianismo em prática, especialmente quando há um bando de gurus na torcida.
Uma das características responsáveis pela evolução humana é a capacidade de aprender com os erros. É a partir do acúmulo de experiências e da transmissão dos conhecimentos adquiridos que o ser humano conseguiu avanços antes inimagináveis em quase todas as áreas do conhecimento.
No entanto, em algumas áreas a evolução humana tem ocorrido mais lentamente. A economia é um exemplo. Não por acaso as previsões de economistas têm um nível de confiabilidade não muito diferente das previsões da Mãe Dinah. Muitos tentam justificar este fato pela parte humana das ciências econômicas, mas existe outro fator que sabota a evolução do debate nesta área: o discurso populista da esquerda.
Claro que a economia não é nem nunca será uma ciência exata, mas não é difícil perceber o abismo que esperam as economias cujo crescimento está baseado em crédito farto ou que acumule déficits sucessivos, por exemplo. Apesar da intuição geral até entre o mais leigo dos cidadãos, entre os “especialistas” da área econômica existe uma corrente acadêmica que acredita sim que pode promover um crescimento sustentável a partir de “induções”, mesmo incorrendo em déficits sucessivos. São os keynesianos. São estes economistas que teimam em brigar com a realidade, chegando ao cúmulo de mudar o significado das palavras, quando estas já não conseguem descrever a realidade que eles tentam criar artificialmente. Um exemplo é a demonizada “austeridade”, que levou os gregos ao recente plebiscito, atendendo o apelo do seu governo de extrema esquerda que até então pregava o “não” à austeridade.
Uma rápida olhada no dicionário nos mostra o quanto é surreal a situação. Segundo o Aurélio, austeridade significa ser cuidadoso, severo, rigoroso, escrupuloso em não se deixar dominar pelo que agrada aos sentidos. Ou seja, é tudo que se poderia esperar de uma administração pública. Mas os gregos decidiram justamente pelo caminho inverso.
Seria mesmo surreal se tal decisão envolvesse apenas o discurso populista descolado da realidade. O problema é que tal discurso consegue um verniz de credibilidade quando tais argumentos encontram suporte na teoria keynesiana.
É a completa inversão da lógica. Em qualquer área do conhecimento, a média das características dos componentes individuais de um grupo é que vai determinar as características gerais do grupo. Um grupo de bons alunos, por exemplo, vai produzir uma boa turma. O contrário nunca será possível, mas na lógica deturpada dos keynesianos, a manipulação artificial dos indicadores gerais da turma teria o poder de “induzir” os alunos a estudarem mais. Claro que você não vai encontrar esta afirmação em nenhum manual keynesiano, mas é justamente isso que eles fazem na prática com a economia. É sintomático que tal teoria tenha surgido de outra grande inversão da lógica.
John Maynard Keynes deduziu que a recuperação da crise de 1929 estava sendo dificultada pela tal “armadilha de liquidez”. Segundo ele, as pessoas estavam poupando ao invés de colocar o dinheiro para circular na economia, o que agravava a recessão. E para contornar tal problema, o governo deveria aumentar os gastos e o Banco Central deveria baixar as taxas de juros para estimular o consumo das famílias para impulsionar o crescimento novamente.
Na complexidade de um sistema econômico, pode até parecer fazer sentido a recomendação de Keynes. Mas, como veremos a seguir, tal pensamento embute vários equívocos, de modo que a economia, mesmo com o componente humano que torna qualquer análise mais difícil, não é nenhuma exceção à regra do específico para o geral.
Para começar, Keynes ignorou totalmente as reais causas da depressão de 29, ajudando a criar o mito de que tal crise significou a prova cabal de que o mercado não funciona e que, portanto, este precisa ser domado pelo Estado. Como um economista de sua importância foi capaz de ignorar os efeitos do incremento de 62% na oferta monetária pelo FED na economia americana no curto período de oito anos anteriores ao estouro da crise? Pois é. Se o médico não consegue diagnosticar de fato a doença, como vai prescrever o remédio?
Em seguida Keynes ignora outra lição básica da Escola Austríaca: somente uma recessão pode corrigir os excessos cometidos durante o boom artificial. Os preços que subiram artificialmente têm que voltar à realidade; os investimentos equivocados terão que ser liquidados; as ações que foram valorizadas artificialmente precisam voltar aos seus valores reais. Contornar este processo natural de correção é semelhante a curar uma ressaca com mais álcool. Pode até poupar o bêbado de um incômodo momentâneo, mas no final ele vai ter que passar por uma ressaca ainda maior.
Não por acaso, foi assim que a crise de 29 foi transformada na depressão que durou quase uma década, diferente da crise de 20/21, a última grande crise que, sem a intervenção do governo, foi contornada em apenas um ano. Para quem nunca ouviu falar desta crise, o PIB norte-americano chegou a encolher 17%. Apesar da gravidade, quase nunca esta crise é citada nos meios acadêmicos, pois sua recuperação foi exatamente como pregam os austríacos: com o próprio mercado corrigindo os excessos, muitos dos quais já criados pelo próprio governo e pelo recém-criado FED.
Mas voltando aos equívocos de Keynes sobre a tal “armadilha de liquidez”, ele parte do pressuposto de que o que gera crescimento econômico é o gasto. Logo, poupar passa a ser então algo a ser evitado, enquanto os gastos passam a ser uma virtude que deve ser estimulada pelo governo.
Alguns keynesianos dirão que isto é apenas uma circunstância, e que tal prescrição não deveria acontecer nos momentos de crescimento. Acontece que, na prática, os governos adoraram os conselhos de Keynes e nunca mais pararam de colocá-los em prática, ainda mais quando há sempre um time de economistas keynesianos falando exatamente o que eles querem ouvir: gastar mais e mais.
Não é preciso ser nenhum expert em economia para deduzir aonde tais políticas vão levar. Keynes foi inclusive questionado por um repórter sobre as consequências futuras do endividamento dos Estados decorrentes de tais estímulos. A reposta clássica foi uma verdadeira confissão de falta de compromisso com as gerações futuras: “até lá estaremos todos mortos”. Os níveis de inflação e de endividamento mundial foram multiplicados várias vezes desde que o keynesianismo tornou-se a corrente econômica dominante. Pior: foi multiplicado também o percentual de dinheiro sem lastro nas economias, o que torna o sistema a cada ano mais vulnerável e instável.
Essa demagogia econômica é a grande responsável pela maioria das crises que estouram a cada dia, pois os demagogos não apenas divulgam a teoria econômica que fomenta tais crises como ainda confundem a opinião pública com discursos que atribuem a outros o que eles fazem.
Retornando um pouco mais no tempo, vamos concluir que o adorado Estado das esquerdas foi o grande fomentador do atual regime de reservas fracionárias dos bancos, a maior fraude de história, que a cada ano torna as moedas ainda menos lastreadas, o que potencializa os riscos de crises sistêmicas, uma vez que os bancos não têm de fato todo o dinheiro que emprestam. Ou seja, os mesmos esquerdistas que adoram demonizar os bancos pelas crises são os mesmos que, no poder, diminuem cada vez mais o compulsório dos bancos (a parte que realmente tem lastro) para que estes possam emprestar mais e mais — exatamente como fez o governo do PT várias vezes, a última no final de 2015.
Keynes demonstrou não conhecer o real significado de poupança, o verdadeiro combustível do crescimento sustentável. Por definição, poupar é abrir mão de consumir algo no presente para consumir no futuro. É um ato de prudência ou de preparação para investimento no futuro. A pessoa que poupa (livre de qualquer indução governamental) deveria, portanto, saber o melhor momento para usar sua poupança, seja em consumo ou em investimento.
No mundo ideal da Escola Austríaca (caso não houvesse dinheiro sem lastro e os governos e bancos centrais não manipulassem a macroeconomia para influenciar as decisões dos indivíduos), a poupança funcionaria como um seguro para os tempos de crise. Em uma eventual retração da economia, os preços cairiam naturalmente, tornando-se mais atrativos até o ponto de convencer alguns poupadores a gastarem uma parte de suas poupanças. À medida que mais pessoas vão sendo convencidas a comprar pelos preços baixos, a economia vai recuperando seu ritmo, aproximando-se cada vez mais do equilíbrio, mas nunca o conquistando de fato, pois, para os austríacos, a economia é um processo que muda o tempo todo, de modo que sempre vai haver falências, estas sendo inerentes aos riscos do empreendedor. As falências ocorrem justamente porque tais empreendimentos não passaram nos testes das preferências dos consumidores, os verdadeiros soberanos que os empreendedores tentam agradar no livre mercado.
O keynesiano não apenas substitui o papel da poupança pelo do crédito, como ainda confunde moeda com poupança. A moeda não passa de um mecanismo de troca que desvaloriza ao longo do tempo com as sucessivas intervenções governamentais, de modo que o valor real da poupança são os bens e serviços produzidos por cada pessoa. Um padeiro, por exemplo, paga por seus sapatos com o pão que produziu, e vice-versa. As pessoas não consomem dinheiro, as pessoas usam o dinheiro apenas para trocarem suas poupanças. Aconteça o que acontecer, sempre vai haver demanda, sempre vai haver alguém produzindo e alguém consumindo. Sugerir, portanto, que as pessoas têm uma demanda infinita para entesourar dinheiro sem gastar (o que levaria a tal “armadilha de liquidez”) é o mesmo que dizer que ninguém mais transacionaria bens e serviços, mais uma falácia keynesiana que ainda hoje é tida como verdade absoluta por muitos economistas.
Claro que em um momento de crise aguda as pessoas tendem a ser mais prudentes com os gastos e a valorizar mais suas poupanças. No entanto, o agravamento das crises sempre vai fazer com que as pessoas utilizem suas economias, até para cumprir suas obrigações quando suas rendas são corroídas, como, aliás, tem acontecido agora no nosso país.
Apesar de todos os exemplos fartos de equívocos keynesianos, os esquerdistas ainda conseguem deturpar as lições que seus próprios governos têm que aprender na prática. Como se não bastasse o economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp ligado ao PT, culpando o ministro Joaquim Levy pela inflação atual, por este ter liberado os preços antes represados do setor energético (como se fosse possível represá-los eternamente ), eis que na mesma Globonews a economista Leda Paulani, da USP, fez a Mario Sergio Conti um diagnóstico da atual crise brasileira que sintetiza a tese central deste artigo: “Existe um discurso fácil que diz: se o se o cidadão não pode gastar mais do que arrecada, o governo não pode gastar mais do que arrecada”.
Ou seja, ela acredita de fato que o governo pode continuar gastando mais do que arrecada indefinidamente e sem nenhuma consequência. Em outras palavras, ela acha que pode melhorar a saúde econômica dos indivíduos a partir da manipulação da macroeconomia. Exemplo perfeito do que citamos acima. Para estas pessoas, um conjunto de endividados pode sim resultar numa grande potência.
Acontece que a realidade é implacável e a conta sempre chega. E quando isso acontece e encontra um esquerdista no poder, logo os slogans panfletários são guardados na gaveta. É o que acontece agora com Dilma e é o que acontece com o primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, que, uma semana depois da euforia da vitória do “não à austeridade” no plebiscito, agora tenta convencer seus apoiadores da necessidade de políticas austeras para conseguir um novo empréstimo da odiada Troika.
Há ainda prêmios Nobel de economia, como Paul Krugman, clamando aos governos que promovam um pouco mais de inflação para “estimular a economia”, ou pedindo o criação de uma nova bolha, como o próprio sugeriu depois da quebra da Nasdaq. Conselho aliás atendido pelo governo americano que fomentou a bolha imobiliário que veio a estourar em 2008. Com gurus como estes o que esperar da economia global para os próximos anos?
Infelizmente serão necessárias ainda muitas catástrofes para que o mundo definitivamente evolua nesta área. Até lá, a Escola Austríaca, embora considerada radical pelo mainstream econômico, vai continuar clamando no deserto, alertando sempre aos agentes econômicos sobre os custos de suas manipulações macroeconômicas e chamando a atenção para o que realmente importa: a economia do indivíduo, a verdadeira fonte de recursos do Estado endeusado pelas esquerdas.