Narrado por uma voz sarcástica, o livro tem ironia, drama, suspense e linguagem despojada de literatices.
Num mercado editorial em que predominam narrativas fragmentadas, herméticas ou repletas de nonsense, encontrar uma boa história tornou-se exercício cansativo, desgastante.
Não me refiro ao romancinho água-com-açúcar ou ao thriller feito de encomenda para se tornar best-seller, mas a histórias que não tratam o leitor como idiota ou querem transformá-lo, à força, num decifrador de hieróglifos. Refiro-me a escritores que não desprezam o leitor, que não o condenam a percorrer seus livros como viajantes perdidos numa selva escura — e não defendem certo tipo de escrita proclamando preceitos estéticos que morreram com as velhas vanguardas.
(O Brasil realmente segue seu triste fado: repetir, numa forma extenuada, diluída, as modas europeias ultrapassadas. E o fazemos com o nosso típico orgulho colonial, de quem anda descalço, mora numa casinha de pau a pique, come magníficos pratos de farinha e arrota trechos inteiros de Deleuze, Foucault e Derrida, afinal, como podemos viver sem seguir à risca uma cartilha?)
Refiro-me àqueles escritores que não sofrem de narratofobia e escrevem romances que são romances — e não continhos estendidos que alguns editores ou críticos chamam de romance por motivos arrevesados.
Mas, acreditem, o esforço de buscar bons narradores não debilita — ao contrário, empolga. E às vezes somos surpreendidos por uma boa história, que nos obriga a seguir o narrador até a última página.
Foi o que aconteceu comigo em maio de 2011, quando li o original do romance Ariana, escrito pelo jornalista Igor Gielow e agora publicado pela Editora Record.
Quatro anos para encontrar uma editora. Quatro longos anos para publicar o romance cujo enredo é tecido com grande cuidado. Um quadriênio — somado ao tempo de elaboração do livro — talvez seja a medida da independência estética entre nós. Deve ter sido uma eternidade para o autor. Mas para os leitores é um presente.
Narrado por uma voz sarcástica — o típico narrador onisciente, conhecedor do passado, do presente e do futuro, além de ser capaz de penetrar nas camadas mais profundas da psique dos personagens —, o livro tem ironia, drama, suspense e linguagem despojada de literatices. Disposto a “encontrar Ariana”, o protagonista se envolve num complexo jogo político, do qual participam serviços de inteligência, exércitos e a milícia Talibã.
Mas o livro não é apenas uma sequência de acontecimentos bem costurados. O narrador possui timing perfeito, elabora descrições claras e convincentes, demonstra sólido conhecimento das tradições paquistanesas, cria gestos e expressões próprios para cada personagem, além de tiradas inteligentes e irônicas. E sabe compor cenas de lirismo.
Gielow também nos oferece um protagonista complexo e inquieto: o jornalista Mark Zanders é adepto do lema weberiano “honra e trabalho unidos como modo de salvação”; pode ser cínico ou sensível com as mulheres; faz críticas severas ao jornalismo contemporâneo; é fã incondicional de Sir Richard Francis Burton — o que, para mim, é sinal claro de inteligência; e carrega lembranças da infância que se transformam em pesadelos recorrentes.
Se tais qualidades parecem insuficientes, é porque deixei o melhor para o final: Ariana não se submete à pieguice, a tolos malabarismos de linguagem, ao politicamente correto — e, muito menos, ao populismo de esquerda.
Desejo que este seja apenas o início da carreira de Gielow como escritor. E que o romance possa servir como antibiótico contra a narratofobia, pois Ariana veio para dizer aos novos escritores que eles estão livres para contar boas histórias.