Livro de Bo Lidegaard conta como a não-excludente noção de nacionalidade dos dinamarqueses salvou a vida de inúmeros judeus.
“A incerteza é a pior coisa que existe, e tudo era incerto.”
Herbert Willie Levysohn, JDK80/A2/1,
relato de sua fuga escrito em outubro de 1943.
Imagine estar num país democrático e evoluído, onde vigore direitos de liberdade de expressão, liberdade de reunião e liberdade econômica para todos os setores da sociedade. Imagine agora que esse país seja ocupado por um elemento forâneo, que ameaça contaminar a política e transformar o legal em ilegal, o direito em privilégio e dividir toda a sociedade em “quem pode existir” e “quem não pode existir”.
Esse país é a Dinamarca entre 1940 a 1945, período onde o país foi ocupado pelos nazistas.
Com base em tais acontecimentos e munido de diários e documentos pessoais inéditos de famílias judias que viveram nessa época, o historiador dinamarquês Bo Lidegaard, em seu Compatriotas, costura a história da rotina e fuga dos judeus da Dinamarca em meio à ocupação nazista, e também as complicações políticas no país nessa terrível fase.
No livro é desenvolvido o clima de tensão entre os democráticos dinamarqueses e os nazistas sobre a “questão judaica”. “Não há uma ‘questão judaica’ na Dinamarca”; foi isso que disse o ministro das Relações Exteriores, Erik Scavenius, a Hermann Goering, segundo homem na hierarquia do III Reich.
A Dinamarca, assim como a Alemanha, era marcada por um profundo nacionalismo. Mas o nacionalismo danês era pautado na coesão social de toda a sua sociedade, e isso incluía os judeus.
Não havia “questão judaica” porque não havia “questão” que os distinguisse de outros cidadãos. Os judeus eram compatriotas, nem mais nem menos que isso. Eram cidadãos daneses e deviam ser respeitados como cidadãos daneses. Os políticos, os comerciantes, o rei e toda a população compartilhava do mesmo sentimento.
Isso fez com que a Alemanha, empenhada em seu projeto de extermínio, agisse sorrateiramente contra a população judaico-danesa, através de raides noturnos, injetando no país ocupado um clima tortuoso de incerteza, fazendo com que muitos judeus largassem sua rotina e fugissem do país para a Suécia através do Mar Báltico.
O livro, além dos relatos de fuga, possui mapas que ajudam a compreender o caminho feito pelas famílias judias e a própria geografia local. Algo muito importante para o envolvimento completo na leitura.
Compatriotas não é apenas uma obra completa e meticulosa sobre um período histórico tão extraordinário na Dinamarca, mas também uma lição sobre a importância do humanismo e da coesão social na forma de um nacionalismo sadio.