Mais uma vez, o PT espera contar com a ajuda do PSDB para não afundar. Para variar, os tucanos podiam não se comportar como o sapo da fábula.
Existe uma fábula que conta a história de um escorpião que, prestes a morrer afogado, pediu socorro a um sapo. Este, com medo de ser picado, a princípio negou a ajuda. No entanto, sua boa índole o levou a ceder aos apelos do escorpião. Ao conduzir o escorpião a um lugar seguro, o sapo recebeu então a picada que tanto temia. Em seus últimos suspiros o sapo perguntou ao escorpião o porquê dele o picar, mesmo após ter salvado sua vida. O escorpião respondeu com naturalidade: não pude evitar, é a minha natureza.
A fábula poderia ser aplicada em pelo menos três momentos da história de Fernando Henrique e Lula (e por extensão ao PSDB e ao PT). O primeiro aconteceu às vésperas das eleições de 2002, quando Fernando Henrique colocou o então candidato Lula no “sucatão” presidencial e o conduziu ao FMI para assinar um empréstimo para ajudar a debelar a crise do seu futuro governo, fruto justamente de suas declarações irresponsáveis quando na oposição.
O fato é bem retratado no livro A campanha secreta de FHC pró-Lula, o que certamente ajuda também a explicar o distanciamento entre Serra e FHC nas eleições daquele ano. Aliás, não apenas este desfecho, mas já nos primeiros sinais do agravamento da chamada Crise Lula, em meados de 2002, FHC deu uma entrevista onde praticamente afiançou a eventual eleição do opositor, afirmando que este estava “preparado para assumir o Brasil”. Ou seja, FHC se comportou exatamente como se espera de um estadista: colocou os interesses do país em primeiro lugar, sacrificando a eleição do seu sucessor.
Mas a ajuda do sapo Fernando Henrique ao escorpião Lula não parou por aí. No dia seguinte ao resultado das eleições, este colocou todos os seus ministérios à disposição do PT para iniciar uma pacífica transição. A boa vontade do PSDB foi tanta que o então ex-ministro Antônio Palocci, em seu livro Sobre formigas e cigarras, se desmanchou em elogios ao governo FHC, não apenas pela política econômica herdada, mas também pela agenda de reformas já elaborada. Aliás, o PT chegou a cogitar a permanência do até pouco tempo demonizado Armínio Fraga no cargo de Ministro da Fazenda. E mesmo com a escolha de Palocci para o cargo, o PT foi recrutar no PSDB o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
A relação entre PT e PSDB só começou a mudar depois que os ingênuos tucanos perceberam que foram enganados pela oportunista afabilidade do PT. A real natureza do partido, sua velha e conhecida postura arrogante, antirrepublicana, populista e autoritária já pôde ser conferida no dia da posse, quando o Palácio da Alvorada foi decorado com uma enorme estrela vermelha de flores, mostrando a confusão que o PT sempre fez entre partido e Estado.
O segundo momento em que o escorpião PT recorreu ao sapo PSDB foi em 2005, no auge do escândalo do Mensalão, quando os petistas convenceram os tucanos das “inconveniências” do impeachment para nossa jovem democracia. O resto da história todos conhecem. Lula, que perdia feio nas pesquisas tanto para Serra quanto para Alckmin, recuperou sua popularidade, venceu as eleições e intensificou sua retórica populista do “nunca antes na história deste país”, aproveitando sempre cada sessão de autoglorificação para demonizar seu antecessor.
A terceira ocasião que o escorpião petista recorre ao sapo tucano aconteceu nesta semana. E como já se tornou rotina quando os petistas planejam algum passo polêmico, primeiro eles testam sua repercussão vazando alguma informação para a tal “imprensa golpista”. Em seguida, negam o fato, como fez o Instituto Lula. É a velha estratégia de dar uma no cravo e outra na ferradura, como sempre fez Lula, o Brahma. Como a repercussão foi tímida, uma vez que a população está cansada do noticiário político, logo em seguida aparecem os paus mandados de Lula fazendo declarações na imprensa — como Jaques Wagner, exortando o “diálogo para o bem do Brasil”.
Ou seja, a história se repete. Desta vez parece que o PSDB aprendeu um pouco com as lições anteriores. Num primeiro momento, FHC chegou a acenar positivamente ao apelo do PT, porém com uma condição que praticamente sepulta as intensões secretas do PT: “basta haver uma agenda clara e de conhecimento público”, concluiu o ex-presidente.
O PT nunca vai concordar com um debate aberto. Talvez por isso mesmo o PSDB também já rechaçou o pedido petista neste sábado. O PT sempre agiu na base do conchavo, nos bastidores, e para a plateia, na base do populismo. Debater francamente agora seria expor algumas de suas contradições mais flagrantes, admitir erros, pedir desculpas e, acima de tudo, mostrar-se disposto a mudar. Ou seja, o escorpião teria que mudar sua natureza, o que, convenhamos, não é nada provável.
Mesmo que o PT se mostrasse disposto a passar por tal humilhação, ainda assim boa parte do partido ficaria fora de tal acordo. Afinal, tal ala do partido já se comporta como oposição ao próprio partido desde que surgiram os primeiros sinais de que o governo iria dar uma guinada à direita neste segundo mandato.
Também esta não é a primeira vez que isso acontece. No primeiro governo Lula, por exemplo, o governo contou mais com a participação do PSDB para aprovação da mini reforma da previdência do que com o próprio PT. Só para refrescar a memória dos esquecidinhos, a ala mais xiita do PT da época acabou deixando o partido para fundar o PSOL, a atual linha auxiliar do PT em suas bandeiras mais radicais, as quais estão sendo ressuscitadas em cada documento que o partido tem divulgado nos últimos anos — como a defesa do calote ao pagamento da dívida pública, o projeto de “controle social da mídia”, a divulgação de listas negras de jornalistas inimigos, ou simplesmente no apoio incondicional à ditadura venezuelana.
Em contraponto à natureza conflituosa do PT, sempre disposta a marcar posição, a promover a divisão da sociedade e a transformar adversários em inimigos a serem extirpados (como chegou a defender Lula ainda quando presidente), o PSDB sempre tendeu a contemporizar tudo. É nesta natureza “em cima do muro” dos tucanos que o PT tem esperança de fechar o tal “pacto pela governabilidade” defendido por Dilma, na quinta-feira (23).
Chega a ser mesmo incompreensível como um partido que apanhou tanto desde que o PT é PT ainda fique dividido em apoiar ou não o impeachment do governo mais impopular da nossa história, com a terceira pior média de crescimento, enfrentando a maior crise econômica desde o governo Collor, sem uma base de sustentação no Congresso e ainda mergulhado em uma espiral de corrupção sem fim.
Não é por acaso que Lula já afirmou várias vezes que o maior partido de oposição ao PT é tal “imprensa golpista”, afinal o PSDB tem se comportado como a oposição dos sonhos de qualquer populista. Também não é à toa que figurões do PT na última eleição expressavam abertamente suas preferências em enfrentar o PSDB no segundo turno, pois o partido tornou-se um mero saco de pancadas do PT.
Dar mais uma chance ao PT, além de postergar a solução para nossa crise econômica (agravada pela crise de confiança no governo), é dar mais uma chance para que Lula ressuscite politicamente e volte em 2018 com as mesmas bravatas costumeiras.
O PT nunca mudou e nunca vai mudar. Faz parte de sua natureza acreditar que não é apenas mais um partido, e sim “o partido”, o chamado por Antônio Gramsci de “moderno príncipe”, aquele que deve estar acima das leis e da tal “moral burguesa”, operando sua ética própria. Por isso seus criminosos são considerados “heróis do povo brasileiro”. Por isso são capazes de “fazer o diabo” para não deixarem o poder.
O PSDB já deu várias provas de que pensa mais no país que em eleições. Quem tem agora que provar que está mais preocupado com o país do que com a manutenção do poder é o PT. Um bom começo seria com uma carta de renúncia e a consequente convocação de novas eleições. Em caso de derrota, o PT, o maior partido da atualidade, poderia ajudar o novo governo a corrigir a herança maldita que vai deixar, colocando em prática exatamente a boa vontade que mais uma vez eles têm a cara de pau de exigir do PSDB.
Mas aí já seria pedir demais. Seria o mesmo que pedir para o escorpião deixar de picar. É contra sua natureza.
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Tutameia
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Amilton Aquino
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