Stephen Hawking e a metafísica de boteco

por Lúcio Carvalho (22/07/2015)

Hawking dá vazão a um pensamento que continua sendo fascinante e, ao mesmo tempo, aterrador

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Depois de ter boa parte da vida filmada, ficou bem mais fácil para leigos como eu entender a extensão da complexidade do trabalho e das formulações de Stephen Hawking. Em A Teoria de Tudo, filme que rendeu o Oscar de melhor ator a Eddie Redmayne, embora seja retratada mais sua vida privada do que a intelectual, pode-se saber que o percurso do conhecimento empreendido por Hawking resulta de estudos muito aprofundados, mas também que muitas de suas motivações eram mais metafísicas que astrofísicas.

A notícia veiculada no dia último dia 20, de que Hawking participara do lançamento do programa Breakthrough Message, que buscará vida extraterrestre através do espaço, não é senão a confirmação dessa motivação metafísica. “Devemos saber” se há vida inteligente fora da Terra porque não há “maior pergunta”, disse Hawking.

Justamente por não haver “maior” indagação possível, o esforço empreendido por Hawking procura talvez lançar mão de “ajuda não humana” para compreender-se o que está além da nossa compreensão e que, findos os 100 milhões de dólares empregados pelo magnata russo Yuri Milner, talvez assim permaneça. Não estou de modo algum duvidando do que quer que seja, até porque seria tolice discordar das premissas de Stephen Hawking, mas a perspectiva de frustração também “deve” estar presente, suponho eu.

Talvez seja comum a astrofísicos o sentimento deste “dever” expresso por Hawking. De certo modo é um sentimento profundamente enraizado nos seres humanos, porque a necessidade de observar o cosmos é tão antiga quanto os registros humanos. Prova disso é a presença de estudos e registros astronômicos em praticamente todas as culturas primitivas, da antiguidade ou não. Da mesma forma, os questionamentos metafísicos também parecem acompanhar a história da humanidade, reforçando-se naturalmente a cada geração; basta que se converse demoradamente com uma criança para perceber que o desconhecido é tanto incômodo quanto fonte inesgotável de questionamentos.

Está claro que uma iniciativa deste porte implicaria em uma série de repercussões, isso tanto entre os cientistas quanto entre os leigos. Para Hawking o programa deve priorizar a investigação passiva de sinais de vida inteligente. Para outros cientistas deveriam ser enviadas mensagens espaço afora, tal como o empreendido pela Missão Interestelar Voyager, cujas sondas devem ter energia para enviar informações aos centros de controle da NASA até meados de 2020. Ainda assim, tanto a Voyager 1 quanto a Voyager 2 levarão indefinidamente, através das galáxias, informações precisas sobre a Terra, como registros sonoros da natureza e outros culturais, como saudações em diversos idiomas.

Ao que tudo indica, Hawking é cauteloso em repetir o gesto de comunicação intergaláctica. Sua justificativa reside em que os contatos culturais nem sempre se resolvem amistosamente. Ele usa frequentemente o exemplo da colonização da América e o contato entre os nativos e os hispânicos para tanto. De outra forma, Ann Druyan, a viúva do também astrofísico Carl Sagan, entende que o contato pode ser provocado. Em 1985, Sagan publicou o seu Contato, livro que foi adaptado de forma homônima para o cinema em 1997, por Robert Zemeckis, o mesmo de De Volta Para o Futuro. O livro trata, além das apreensões técnicas, das implicações culturais e éticas do possível encontro.

Embora as razões belicosas de Hawking para refutar a ideia de enviar mensagens seja facilmente compreensíveis (afinal quem quer nações alienígenas invadindo o espaço aéreo terráqueo?), a iniciativa de exploração abstrai do “contato” entre possíveis formas de vida inteligente. De uma maneira rude, seria como dizer que a ideia reside em bisbilhotar o universo e captar por aí algumas informações interessantes, mas sem muita exposição. Trata-se de uma política bastante difundida por aqui, entre culturas e nações que coexistem precariamente, mas agora parece que o que se quer é levar essa conduta a outros recantos do universo. De qualquer forma, é conveniente alguma discrição. Sagan e os pesquisadores que enviaram informações na década de 70, talvez influenciados por um sentimento pacifista, tinham nitidamente outra noção de vizinhança que talvez de lá para cá tenha se perdido ou degringolado.

É interessante notar que, a despeito da curiosidade metafísica expressa no “dever saber” da vida alheia proposto por Hawking e financiado com estardalhaço e pujança típicas dos magnatas russos, expressamos nessa conduta mais de nossa própria personalidade do que talvez possamos imaginar. Seja no universo como o concebemos, circular e ainda um tanto quanto ptolomaico (dado o nosso comportamento geocêntrico), ou em possíveis e desconhecidos multiversos, parece que somos um tanto quanto infantis, ao olhar pelo buraco da fechadura e tentar entender o que está inacessível aos sentidos e inteligência, como costumam fazer os astrometafísicos e astrólogos em geral, pessoas comumente desprezadas nos meios científicos.

Se Hawking teme encontrar vestígios de tecnologias beligerantes de culturas capazes e interessadas em nos colonizar, fulminar ou simplesmente aniquilar de uma vez por todas ou, por outro lado, há tantos que nutrem a esperança de absorver exemplos de uma cultura mais evoluída (seja lá o que isso signifique) e melhorar nossas condições de vida, garantindo nossa presença no calendário cósmico futuro. Seja como for e seja que resultados tenham os investimentos milionários do projeto, o certo é que Hawking dá vazão a um pensamento que continua sendo fascinante e, ao mesmo tempo, aterrador. Além, claro, de permitir que os leigos possam descansar da política de boteco e elevar o nível habitual da conversa para a metafísica de boteco, o que, diga-se passagem, se não é um salto para a humanidade, é um salto de qualidade, haja vista o nível por que vai a primeira.

Lúcio Carvalho

Editor da revista digital Inclusive. Lançou em 2015 os livros Inclusão em pauta e A aposta (contos).

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