Previa-se que o governo ia jogar sujo na campanha para as eleições parlamentares, e ele não decepcionou.
Enzo Scarano: oposicionista impedido de exercer cargos públicos
Estamos na terceira semana de campanha para as eleições parlamentares (agendadas para 6 de dezembro), e o governo venezuelano já impôs três obstáculos para limitar o poder da oposição.
Primeiro, o conselho eleitoral (CNE) publicou uma série de regras estabelecendo uma cota de gênero que ele sabia que a oposição não tinha. Essa foi uma jogada de gênio, porque a discussão passou da ação péssima e ilegal propriamente para o fato da oposição ser um festa da salsicha. Triste, estúpido, ilegal, e algo que mandou a oposição de volta para a fase de planejamento.
Em seguida, eles vetaram María Corina Machado de ocupar cargos públicos pelo período de um ano. Machado foi a congressista que, diante de Chávez, falou-lhe em televisão nacional sobre as expropriações ilegais: “expropriação sem pagamento é roubo”.
Aquela ofensa ao dogma revolucionário transformou-a em uma das figuras públicas mais vilipendiadas da política venezuelana. Ela teve o nariz quebrado, os telefones grampeados e suas comunicações privadas expostas por funcionários do governo. Ela tem sido acusada de terrorismo e conspiração, e foi expulsa do congresso por capricho. Ela é um contrapeso às práticas misóginas da oposição venezuelana, aquelas em que o CNE mirou. Você pode não concordar com algumas de suas posições, mas ela já fez muito.
Apenas dois dias antes de Corina Machado ser vetada de cargos públicos, um post de Alejandro Tarre me levou a esta interessante entrevista com o cientista político Miguel Angel Martínez Meucci, autor de Apaciguamento (2012), livro sobre a consolidação do poder de Chávez, em 2001-2004.
Em sua opinião sobre os desafios enfrentados pela oposição venezuelana, ele explica que, além de participar de eleições, nós temos que transmitir uma mensagem de rigidez contra abusos. Como Tarre conclui em seu post, “a oposição deve estar preparada a dar testemunhos e atitudes e mensagens claras de resistência, porque é provável que o governo em breve inicie a mais suja e mais traiçoeira campanha eleitoral dos últimos 16 anos”.
E, sim, o governo iniciou.
Poucos dias após aquele post, Corina Machado e Enzo Scarano foram banidos de ocupar cargos públicos. A Controladoria-Geral impôs ambas as penalidades baseada na falha dos políticos em incluir tíquetes-refeição nas suas declarações de patrimônio – o que nem é relevante, e só foi feito porque era a maneira mais rápida de barrar os candidatos.
Com esse argumento, eles teriam sido barrados de serem ministros ou office boys no escritório de um notário, mas não de serem eleitos pelo povo para lhe representar na Assembleia Nacional. A Controladoria não é capacitada para bani-los de uma eleição popular, como José Ignacio Hernández explicou. Em tese, eles ainda poderiam concorrer, mas teremos que ver o que o CNE e o TSJ têm a dizer sobre isso.
Esse é outro exemplo do que o chavismo fez com as instituições venezuelanas e a divisão de poderes. Mas, como diz Martínez Meucci, essa fusão dos poderes públicos pode vir a ser uma garantia de que no futuro esses abusos sejam punidos. Corina Machado, por exemplo, poderá processar pelo menos uns dez funcionários de alto escalão do governo.
Não existe praticamente ninguém no país que não acredite que a estrada para superar essa exausta versão do populismo passa por alguma mistura entre eleições e posturas rígidas da oposição (sejam protestos ou apenas continuar numa campanha eleitoral quando o governo está ilegalmente te proibindo de fazê-lo).
Temos um longo caminho a seguir e não existem atalhos. O governo está acostumado a competir com mais vantagens do que as que tem atualmente. Ele investirá com tudo que pode. E cometerá erros. Há uma boa oportunidade, mas desta vez a oposição pode ter que assumir uma postura mais agressiva (ou pelo menos manter as luvas erguidas).
Como sempre, é tudo ou nada.