Seu diretor de campanha, Paul Manafort, trabalhou durante muitos anos na Ucrânia em prol de Viktor Yanukovych.
Anne Applebaum, The Spectator
(diretora do Transitions Forum
e autora de Gulag: A History)
trad. Daniel Lopes
Romances de espionagem e filmes de James Bond; Viena pós-guerra e Berlin Oriental; candidatos manchurianos e Terceiro Homem. A cultura pop da era da Guerra Fria criou uma série de estereótipos sobre hostis serviços de inteligência estrangeiros, especialmente serviços de inteligência russos, e eles ainda existem. Ainda imaginamos agentes infiltrados, dead drops, mensagens deixadas embaixo de bancos de praças, microfones dentro de canetas.
Já é hora de esquecer tudo isso, porque a marca das operações de inteligência russas do futuro, e aliás do presente, não se desenrolará em segredo, mas em público. Não envolverá documentos roubados, mas operações de desinformação preparadas para influenciar eleições democráticas. Não usará dinheiro vivo, mas apoio aberto a candidatos que enfraquecerão a OTAN e a União Europeia, as duas organizações que apresentam as maiores ameaças ao poder pessoal do presidente Vladimir Putin.
Como sei disso? Porque esse tipo de operação já foi levada a cabo em vários países europeus, como descrevi nesta revista em 2015: o uso de gravações secretas e emails hackeados na Polônia, Eslováquia e Ucrânia; empréstimos bancários para Marine le Pen na França; até mesmo grande apoio midiático russo para o Brexit. Mais precisamente, a mais audaciosa operação de desinformação se deu esta semana, nos EUA, na convenção democrata na Filadélfia.
Dessa vez, o objetivo é desestabilizar a eleição americana, desacreditar o processo e, se possível, eleger Donald Trump presidente dos Estados Unidos. Todas as evidências disponíveis apontam para o envolvimento russo no massivo hackeamento do Comitê Nacional Democrata. Em abril último, o CND já acreditava que alguém havia acessado seus servidores; uma empresa chamada CrowdStrike identificou que os hackers eram russos. Várias outras confirmaram essa avaliação, e o FBI está investigando.
Como esperado, os vazamentos começaram a aparecer. Na véspera da convenção, o Wikileaks, que tem ligações de longa data com a Rússia (lembram da operação para levar Edward Snowden para Moscou?), despejou 19 mil emails na internet.
Previsivelmente, a mídia partiu para examinar o montante e descobriu que, sem surpresas, o CND estava resistindo a uma investida hostil de Bernie Sanders, e que alguns dos emails trocados no quartel-general do partido são sarcásticos ou cínicos. É assim, claro, que as pessoas se comunicam durante campanhas políticas, e não tenho a menor dúvida que o pessoal da campanha de Trump, e também de Sanders, escreve uns para os outros da mesma forma. Mas, no início, poucos focaram em quem vazou os emails e por quê. Ao invés disso, a história de se desenvolveu como esperado, irritando os democratas, estragando o primeiro dia da convenção, levando à renúncia da presidente do partido. Se os russos não mudarem seu modus operandi, aos poucos vazarão mais material entre agora e o dia da eleição, com o objetivo de causar o máximo de estrago.
Por que eles perderiam tempo fazendo isso? Vai ver é porque Trump disse repetidas vezes que admira Vladimir Putin. “Pelo menos ele é um líder”, disse. E, de fato, Putin é um chefão rico e vulgar de um sistema em que todos os atores políticos são oligarcas, e em que dinheiro e influência política trabalham em conjunto – exatamente o tipo de sistema que Trump e seus filhos aspiram em criar.
Ou vai ver é porque os negócios de Trump parecem ser altamente dependentes de dinheiro russo. Trump tem um histórico tão ruim que muitos bancos americanos não lhe emprestam nada, mas os oligarcas russos sim. Ele já teve vários parceiros de negócio e investidores do mundo pós-soviético, fez um concurso de Miss Universo em Moscou e fez negócios com hotéis em locais tão distantes quanto o Azerbaijão. Os russos gostam de lidar com gente gananciosa e sem escrúpulos; também gostam de lidar com gente cujos negócios secretos eles conhecem. É de se perguntar se são suas ligações com o dinheiro russo que explicam a relutância sem precedentes de Trump em divulgar seus registros fiscais.
Trump também está arrodeado de outras pessoas que possuem laços íntimos com a Rússia e com o dinheiro russo. Seu diretor de campanha, Paul Manafort, trabalhou durante muitos anos na Ucrânia em prol de Viktor Yanukovych, o capanga e corrupto presidente pró-Rússia apeado do poder em 2014. Manafort realizou uma “repaginação” de Yanukovych, apresentando-o como um candidato que ninguém gosta, mas “confiável” para a imposição da lei e da ordem – exatamente o mesmo truque que está tentando fazer com Trump. Na Ucrânia, ele usou muitas das táticas agora vistas na eleição americana: os bandidos voluntários, os apelos a emoções extremas e negativas, e, claro, sites falsos e trolls na internet. Um amigo que acompanha essas coisas me disse que muitos dos “robôs” utilizados pela campanha de Trump – perfis falsos nas mídias sociais que postam e tuítam em seu favor – parecem ser de origem russa.
Mas a prova concreta, se assim se quiser chamar, emergiu na convenção republicana da semana passada. Estranhamente, a campanha de Trump teve pouco interesse em moldar o programa do partido. Houve apenas uma exceção: sua equipe insistiu em atenuar uma cláusula que se referia ao apoio americano à Ucrânia. Não é estranho que essa questão marginal tenha interessado mais que qualquer outra a um candidato a presidente dos EUA? Poucos dias depois, o próprio Trump disse ao New York Times que os EUA não seriam mais uma voz em defesa da democracia, e também que a garantia no Artigo 5 da OTAN não poderia mais ser tida como certa: se a Rússia invadir um aliado dos EUA, ele pensaria duas vezes antes de ir em seu socorro.
Isso é excepcional. Os políticos americanos têm muitos contatos e mesmo relações financeiras com estrangeiros, mas é muito raro encontrar um nesse nível de responsabilidade que tenha explícita e publicamente realizado um favor político para lhes agradar. Trump também já fez negócios com investidores chineses, mas ninguém o vê falando sobre um direito da China nas ilhas do mar do sul. A Fundação Clinton pegou dinheiro com muitas pessoas, mas não é tão fácil ligar as ações de Hillary Clinton a qualquer delas – e, podem acreditar, muitos já tentaram.
Reconheço que a ideia de que a Rússia possa tentar jogar numa eleição americana soa improvável. Mas as potenciais recompensas são enormes. Trump agora mesmo já está fazendo favores a Putin. Seus comentários já abalaram a confiança de aliados dos EUA e levaram o partido Republicano para bem longe de seu compromisso de décadas com a segurança transatlântica. Sua conduta e seu comportamento bizarro fazem os EUA parecerem loucos e não confiáveis. Uma presidência de Trump provavelmente encerraria o papel dos EUA como um poder global que age para o bem.
Em outras palavras, quaisquer que tenham sido os riscos de hackear os computadores do CND, as recompensas para a Rússia podem ser muito maiores.
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