Até então, Alckmin indicava que seria o primeiro candidato do PSDB em 24 anos a não alcançar o segundo turno ou a vitória.
Até a quarta-feira, os candidatos populistas de maior potencial cantavam vitória para os seus seguidores. O Brasil iria se transformar radicalmente. Ciro Gomes, que vestiu-se na personagem do radical de esquerda, já granjeava inesperados apoios no Democratas e acenava com uma reedição da “Carta ao Povo Brasileiro”. Bolsonaro, o direitista honesto que jamais dialogaria com corruptos, não se constrangia de tentar conquistar o mensaleiro Valdemar Costa Neto, seu Partido da República, e o tempo de televisão que viria de brinde. Era melhor já ir se acostumando com um horário eleitoral dominado por essas duas figuras. Agora, tudo mudou.
Patinando no segundo quartil das pesquisas estava Geraldo Alckmin. Insípida como sua alcunha – Picolé de Chuchu – estava a sua candidatura, que ora apelava para o discurso de moralidade e ordem, ora apelava para o discurso estatizante sob o mote da defesa do Estado de bem-estar social. Tentava abocanhar, atirando cegamente para todos os lados, fatias do eleitorado dos candidatos populistas, sem sucesso. Batia diuturna e nominalmente em um e outro, em Ciro e em Jair, no desespero de viabilizar-se. Não adiantava. Nada parecia mudar na tendência da aposta – quase sempre perigosa – do inédito, do novo.
Políticos tradicionais, representados por excelência no Centrão, vinham flertando com a novidade. Nos períodos de grande ruptura institucional, de nascimento de uma nova postura de Estado, nem sempre sob a guia de um estadista, a chance de conquistar novos e amplos terrenos se alarga. Poderia ser a reinvenção e redenção das figuras que jaziam apodrecidas e mofadas. Não foi essa, afinal, a grande sacada rotulada de revolucionária de alguns partidos e seus velhos caciques? Não foi essa a aposta de Luciano Bivar e o seu nanico Partido Social Liberal, ao acolher Jair Bolsonaro? Nessa mesma toada, inúmeras siglas mudaram de nome, de estatuto, de cores, de guarda-roupa e de maquiagem – embora, de alma, continuem os mesmos partidos de sempre.
A rapacidade dos nossos animais políticos da velha guarda, que circulam pelos corredores do Congresso Nacional desde a quarta república (1946-1964), simbolicamente representada pelo ex-presidente José Sarney, geralmente é evocada como o que há de pior no Estado brasileiro. O Centrão esteve envolvido em cada tenebrosa transação que subtraia a pátria-mãe, tomando a liberdade de roubar os versos de Chico Buarque. Sugou em cada nível da federação.
Mas o Centrão não é o mal absoluto, apesar de todos os pesares.
Foram os corruptos do Centrão que ousaram romper com o continuísmo do último regime militar (1964-1985), virando as costas para Maluf e elegendo Tancredo. Também foram responsáveis pela queda de Fernando Collor, em 1992; deram suporte ao Plano Real e às reformas do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Afiançaram, ao custo que conhecemos – Mensalão, Petrolão – a fase de maior bem-estar da Nova República, que foi o governo de Lula. Contiveram os arroubos antidemocráticos, inspirados em Chávez, Maduro e Ortega, do governo Dilma. E mais: no período de maior instabilidade econômica da nossa história recente, gerado por incompetência da ex-presidente, desfizeram os acordos (se bem que visando lucro futuro) e a derrubaram. O Centrão é podre, é horrível, mas também garante o concerto democrático da nação. É, ao mesmo tempo, nossa patologia política e nossa vacina contra aventuras danosas.
Feita essa digressão, entendemos a decisão tomada pelas raposas velhas. A perspectiva da nova ordem sob Ciro ou Jair, e dos novos campos a conquistar e rapinar, deixou de ser tentadora. Alguém lembrou que, junto à novidade, viria de braços dados a instabilidade. O populismo fatalmente nos levaria pela segunda vez na década a uma política econômica errática, a verdadeiras ameaças – não aquelas apregoadas pelo sebastianismo petista, mas muito mais profundas – à democracia, nos aprofundando na crise de representatividade popular. O sentimento de revolta com o nosso Estado – e com o estado a que chegamos – está pelas tampas, a ponto de transbordar outra vez, como em junho de 2013. Não vale, sob a perspectiva de quem quer usar o parlamento e a administração pública como balcão de negócios, arriscar uma ruptura que baniria a velha política. Bani-la é remédio para a corrupção, dizem; mas também tem o efeito colateral de danificar substancialmente a liberdade e a democracia, como a história fartamente demonstrou com as experiências totalitárias.
Ciro e Bolsonaro não são exatamente os baluartes da democracia. Mais de uma vez falaram em aparelhar tribunais, em imperar sobre o parlamento, em impor à força e na marra sua visão de Estado. Desconsiderados os extremistas sem-chance de sempre, e considerando que os arroubos discursivos de ambos os candidatos condigam com um hipotético governo, são uma ameaça antidemocrática. Assim leem suas candidaturas os centristas, os liberais, os sociais-democratas, os verdes… E agora, assim lê o Centrão.
O objetivo do Centrão em preservar a democracia da ameaça presumível não é nobre. É egoica, visa salvar a própria pele. É a praxe, aliás, em se tratando da aliança informal de uma multidão de legendas, sempre aliadas a cada um dos governos desde o fim da ditadura militar. Mas é positiva no nosso quadro eleitoral.
Assim, na tarde do dia 19, pesados os prós e os contras, renunciaram à novidade, preferindo a estabilidade. Depois de vacilar entre Mito e Cirão da Massa, entre populistas de esquerda e direita, decidiram apostar na velha fórmula. Elegeram como candidato de seu apoio o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que vem marcando 7% em todas as últimas pesquisas, sem grandes oscilações para cima ou para baixo. Como acompanhamento da velha política à candidatura velha, veio uma solução velha: Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice-presidente José Alencar, pleiteará ocupar o cargo que um dia fora de seu pai.
Até então, Alckmin indicava que seria o primeiro candidato do PSDB em 24 anos a não alcançar o segundo turno ou a vitória. Com o potencial agregado à candidatura, que terá cerca de 40% do tempo total de televisão no horário eleitoral gratuito, ganha novíssimo fôlego para disputar a presidência da República. Perdem Ciro e Bolsonaro, que terão em seu entorno menos deputados federais, menos prefeitos, menos votos de curral e menor exposição nas mídias tradicionais; ficam com o ânimo desidratado, sobretudo com a perspectiva de Alckmin, com amplo arco de alianças, deixar a postura de vacilação e ganhar maior solidez programática.
Tudo pode mudar. Na eleição passada, um acidente de avião desorientou as intenções de voto e os arranjos políticos, quase catapultando com sucesso Marina Silva ao segundo turno. Águas rolarão. O clamor pelo novo pode reencontrar fôlego perdido graças a algum evento insondável. É da natureza da democracia a imprevisibilidade das urnas. Mas, até aqui, essa foi uma péssima semana para o populismo.
Lucas Baqueiro
Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.
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