É importante permitir a diversidade de modelos, evitando quaisquer propostas planificadoras.
No dia 17 de julho o Ministério da Educação apresentou o programa Future-se – que tem como objetivo aumentar a eficiência e estimular a inovação da educação superior pública no país. O ministro da Pasta, Abraham Weintraub afirmou que o programa é uma “ponte para o futuro”. “O Future-se é um programa para dar mais liberdade para as universidades e institutos poderem fazer o trabalho bem feito. Queremos dar um caminho de mudança construído a muitas mãos”, explicou. De fato, o diagnóstico de atraso e ineficiência das universidades públicas federais não está errado. Porém, as transformações não devem se restringir ao campo econômico. Por sinal, até mesmo para que haja sucesso na racionalidade financeira das instituições superiores de ensino é preciso levar em conta a estrutura acadêmica. Com isso em mente, é possível pensar em novos modelos, entre os quais a adoção de um sistema de ciclos.
A reforma nas universidades federais brasileiras
A crise do ensino superior público brasileiro é constatada por uma série de indícios que demandam do Governo Federal uma ação sobre as Universidades Federais do país. No entanto, tratar de “Reforma Universitária” pode gerar injustiças e promover modelos uniformizados que descaracterizem experiências positivas. Isso já aconteceu no Brasil, como na reforma Francisco Campos (Decreto 19.951 de 11.4.1931) que pretendeu criar um modelo “napoleônico” no país, e que terminou em 1939 com a reforma Capanema que padronizou o ensino a ponto de encerrar a Universidade do Distrito Federal, do Rio de Janeiro, que a época era uma experiência de alto nível de ensino e cultura – conforme os mais variados relatos[1].
A literatura sobre o ensino superior no Brasil não aponta para a adoção de um padrão único. Há inúmeras qualidades e muito o que se aprender com o que se faz nos Estados Unidos, Japão, Inglaterra, Alemanha, Israel, mas nem por isso trazer um modelo fechado para o Brasil é a melhor saída. É o que apontam alguns clássicos no assunto, como Edmundo Campos Coelho e Simon Schwartzman[2], que apresentam as configurações do ensino universitário e científico no Brasil e em outros países. Apesar das observações quanto a longeva crise do ensino universitário e o fazer ciência no Brasil, nenhum dos autores aponta para uma tábua de salvação fechada. Além de propostas cirúrgicas que atacam o cerne dos privilégios, dos embustes acadêmicos, das “sinecuras” criadas para manter forças políticas nas instituições públicas, o âmago do argumento é o foco na diversidade e na desburocratização. É penoso constatar que essas análises remontam os anos 1980, mas que ainda são “atuais”, porque os problemas são quase os mesmos.
Nos anos 1990, na administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), não havia uma atenção especial às universidades. Ao longo dos governos Lula e Dilma (PT) a ênfase foi na ampliação dessas instituições. Tal fenômeno, executado através de programas como o Reuni, simplesmente gerou mais empregos públicos de professores e técnicos, e inseriu mais pessoas dentro dos bancos universitários federais, sem que uma reestruturação sistemática fosse realizada. O resultado foi desastroso: a banalização dos concursos públicos para o magistério superior e uma espécie de “inchaço” das faculdades, que não propiciou um ensino mais eficiente e manteve os baixos índices de retorno de pesquisa e extensão à sociedade, assim como não gerou maiores ou melhores resultados à produção científica brasileira.
A tônica dessas transformações dos governos petistas foi a aposta no ideal da “democratização”, com viés igualitarista. No entanto, pesquisas como o relatório Coleman de 1966[3] desfazem de pronto o conteúdo desse propósito ao se provar que a ampliação do acesso à universidade gera um bem individual e não propriamente coletivo. O fato do governo federal reconhecer a demanda por acesso – individual – ao ensino superior, não deveria induzir a uma reforma sobre todo o ensino do país. Instituições municipais, estaduais e privadas podem manter sistemas análogos ou concorrentes. A questão é tratar do imenso problema das Universidades Federais, tanto respondendo às demandas por acesso e qualidade, como permitindo a diversidade de modelos, evitando quaisquer propostas planificadoras.
Uma proposta: a adoção de um sistema de ciclos
Uma alternativa possível e econômica para reformar o Ensino Superior das Universidades Federais é aplicar um sistema de ciclos. Trata-se de uma forma de incorporar aspectos positivos da Declaração de Bolonha (1999), que reformou as universidades europeias. O objetivo seria superar os desperdícios da administração pública com a universidade, tornando o ensino superior mais célere, eficiente, abrangente, e com custo-benefício maior ao contribuinte/sociedade que arca com esse sistema.
Basicamente podem ser elencados 3 ciclos, conforme segue abaixo.
(I) – Primeiro Ciclo (duração de 3 anos): Bacharelado Interdisciplinar (BI), propiciando formação universitária geral para cada carreira, como pré-requisito para progressão aos ciclos seguintes. Neste ciclo as turmas com formações semelhantes, no primeiro ano, teriam cadeiras comuns. Por exemplo, alunos de Sociologia, Serviço Social, História e Direito poderiam ter, juntos, uma disciplina de “Introdução à Sociologia” ou “Introdução ao Direito” ou “Pensamento Político Brasileiro”. Os currículos teriam um conjunto básico de disciplinas comuns, pelo menos no primeiro ano das faculdades. Algo semelhante já ocorre nos cursos de Engenharia. Mas no caso dessa configuração em ciclos, mesmo que o aluno concluísse apenas o primeiro ciclo, já obteria o diploma de “Engenheiro”, tendo ou não cumprido mais créditos em uma ou outra especialidade. Isso já o habilitaria a exercer alguma atuação no mercado de trabalho, embora não obtivesse ainda a titulação específica, conquistada no ciclo seguinte;
(II) – Segundo Ciclo (duração de 1 a 3 anos): Formação profissional em licenciaturas ou carreiras específicas. Primeiro, serve às especializações dentro da graduação. Se no ciclo anterior o aluno tornou-se Engenheiro, é no segundo ciclo que obtém a diferenciação em Civil, Mecânico, Elétrico, Nuclear, etc.. Segundo, o ciclo também serve àqueles que buscam a carreira docente, licenciando o aluno em alguma área. Terceiro, no segundo ciclo encontra-se o Mestrado acadêmico, que já insere o estudante diretamente na pesquisa científica universitária;
(III) – Terceiro Ciclo (duração de 3 a 4 anos, ou mais): Formação acadêmica científica, artística e profissional da pós-graduação. Aqui se encontra o topo da carreira universitária, o doutoramento e as especializações na carreira médica.
Para cada ciclo há uma diplomação, informando claramente o ciclo alcançado. Um diploma universitário poderá ser obtido em até três anos, tornando os cursos mais enxutos.
A passagem do primeiro ao segundo ciclo deve requerer a passagem por Exames, gerais e específicos. A parte geral pode ser aplicada nacionalmente, demandando plenos conhecimentos em Língua Portuguesa e proficiência em uma Língua Estrangeira. A parte específica ficará a cargo das faculdades (Engenharia, Ciências Biológicas, etc.) e dos programas de pós-graduação (Mestrado). A entrada no Terceiro Ciclo, também precisa demandar exames específicos, e caso o ingresso tenha sido direto do Primeiro Ciclo é devido ainda a realização dos Exames Gerais em Língua Portuguesa e proficiência em Língua Estrangeira.
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NOTAS
[1] TORRES, João Camilo de Oliveira. O homem interino. Belo Horizonte : PUC Minas, (2005[1971]).
[2] COELHO, Edmundo Campos. Sinecura Acadêmica: a ética universitária em questão. Rio de Janeiro : Vértice, 1988. SCHWARTZMAN, Simon. Ciência, Universidade e Ideologia: a política do conhecimento. Rio de Janeiro : Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008 [1980].
[3] “Coleman Report”. COLEMAN, J. S.. Equality and educacional opportunity. US Government Printing Office, 1966.
Luiz Ramiro
Professor de Segurança Pública (UFF/CEDERJ) e Coordenador-Geral na Fundação Biblioteca Nacional.
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