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Remontando passados: Entrevista com Beatriz Bracher

por Michelle Horovits (22/08/2011)

Romancista, contista e roteirista premiada, a também editora conversa com Michelle Horovits

a Michelle Horovits

Tudo começou com um ano sabático, o necessário para que ela largasse o trabalho na editora que havia fundando para se dedicar à arte da escrita. Beatriz Bracher, escritora paulista e fundadora da Editora 34, conta como foi o ano em que se dedicou a escrever seu primeiro romance, Azul e Dura, lançado em 2002. Após seu primeiro livro, ela não parou mais de escrever. Disciplinada, está todos os dias em seu escritório em São Paulo, onde está sempre em produção. Seu primeiro livro foi seguido do romance sobre a ditadura Não Falei (2004). Logo depois, ele presenteou os leitores com Antônio (2007) e Meu Amor, seu livro mais recente, pelo qual recebeu, da Fundação Biblioteca Nacional, o Prêmio Clarice Lispector como melhor livro de contos em 2009. Questões éticas, implicações políticas, preocupação estética e experimentação formal são características destacadas em seus livros.

Ela conta na entrevista abaixo um pouco sobre a importância do passado em sua obra, criatividade, dificuldades e sobre suas incursões no mundo do cinema. Em 1994, escreveu o argumento do filme Cronicamente Inviável, com Sérgio Bianchi, diretor de quem é amiga de longa data. A parceria se estendeu no longa-metragem Os Inquilinos, com o qual conquistou o prêmio de melhor roteiro no Festival do Rio 2009. Em 2011, O Abismo Prateado, com roteiro seu e dirigido pelo brasileiro Karim Aïnouz (O Céu de Suely), foi exibido em Cannes. E podemos esperar mais trabalhos de Beatriz no cinema, pois a escritora está em um novo projeto com o cineasta Hector Babenco.

*

Amálgama: Porque deixou de trabalhar como editora para ser escritora?
Beatriz Bracher: O trabalho como editora começou a ficar muito penoso. Eu pensei bastante, começou a dar uma certa claustrofobia de estar lá. Tinha a impressão que era tudo mais pronto, ou você era ou você não era escritora. Tirei um ano para escrever o Azul e Dura, e resolvi que era isso. Ninguém escreve como quer, o máximo que consegue é não escrever como não quer, porque aí você joga fora e pronto. Para mim começa sempre com o personagem, ele me leva. Mas você só consegue que o texto seja bom se aquilo tiver a ver com você.

Desde a adolescência, pensava que a coisa mais importante era ser a melhor escritora. Mas tem que ter coragem para se tornar escritora, tem que treinar, batalhar, rever, reescrever. Podia me transformar na melhor editora do mundo ou na melhor física, mas nada seria tão importante como isso. Talvez por colocar a atividade da escrita num local tão elevado, tinha muito medo. Escrevi alguns contos, mas nunca mostrei para ninguém. A ideia de fazer a revista e, depois, a editora 34, sempre com outros amigos, veio porque eu gostava de ler e achava que não tinha espaço onde publicar. Queria criar um espaço para ler o que me interessava. Com a experiência da editora, fui vivenciando a coragem das pessoas de mandar livros inéditos. Às vezes eram ruins e outros, bons, mas precisando de ajustes. Escrever é uma coisa que exige trabalho e também coragem. Me faltava isso. O trabalho na editora me ajudou pelo exemplo daqueles que escreviam os originais que eu precisava ler e selecionar.

Qual a importância da memória nos seus livros?
Acho que para sabermos como aquele narrador existe e como vai nos contar a história. O que justifica contar uma história é remontar o passado do personagem. Contamos para criar um passado, e para que este torne significativo o presente. Pessoalmente, independente de ser escritora. Eu tenho uma memória horrível. Isso sempre me atrapalhou, tanto em questões operacionais, como em situações simples ou afetivas. Por exemplo, o fato de eu não me lembrar quando meu filho andou pela primeira vez. Às vezes, sem mais nem menos, essa lembrança volta. É sempre uma questão de saber acessá-la, pois eu sei que ela aconteceu comigo. É uma volta que não tem a ver só com nostalgia, mas com autoconhecimento. Eu tenho um diário, onde anoto tudo que acontece comigo. Esses dias descobri que sempre que volto de viagem fico de mal humor, mas nunca tinha me dado conta disso, descobri lendo meus diários, percebendo essa recorrência.

Como funciona o seu processo de escrita? Parece tão natural…
A maneira de escrever esse fluxo e totalmente entrecortada e ao contrário, existe planejamento, eu corto, corto muito. No meu primeiro romance, Azul e Dura, tenho uma personagem que escrevia uma parte de seus diários bêbada. Então eu fui mostrar o livro para um editor amigo meu, ele perguntou se eu tinha escrito aquele capitulo bêbada. Foi um elogio para mim, pois tinha conseguido passar isso através da escrita.

O que existe de você naquilo que escreve?
Do lugar que eu tirei aquilo de certa forma mostra quem sou eu. Os livros são pedaços de mim. As coisas têm um processo misto: porque eu escrevi, eu passei a viver aquilo, e porque eu vivi, eu escrevi.

Você era editora, que dicas sugere para quem esta começando?
Escrever, escrever, escrever, limpar e exercitar. Não é só o português. A língua é um instrumento muito importante, é preciso ter um domínio importante, é bom ser íntimo dela. É preciso ter ouvido, observar, entender os silêncios, as pausas e ter sensibilidade. Escrever e se mostrar. Sempre ajuda ter amigos, sinceros, para ter boas opiniões. É difícil para o outro ler. Só amigo que faz isso. É essencial esse passo, ter comentário, crescer, ouvir o outro falar, sem se explicar. O texto tem que se impor. Às vezes, as pessoas apontam as dificuldades e você deve olhar com atenção e ver se vale. Mas às vezes o motivo não é o certo. É muito difícil levar um “não”, é preciso saber lidar. Pelo menos publicar, você tem que correr atrás e tentar publicar. Para mim, só quando fiz o terceiro livro foi que realmente respirei e vi que podia escrever.

Em 2007, você lançou Antônio, muito premiado e elogiado pela crítica. Como foi escrever esse livro?
Gostei muito de escrevê-lo, foi um dos livros mais prazerosos. Eu tinha que aprimorar cada personagem. Fui afinando cada detalhe. Não teve muito sofrimento. Para escrever o Não Falei, eu sofri mais. Foi quase a conta-gotas, eu estava muito insegura.

E sua relação com os livros, qual sua formação como leitora?
Minha formação de leitora vem muito de família e da escola. Na minha casa, as pessoas tinham muitos livros. Meus pais liam muito. Meus irmãos foram aprendendo a ler e gostando de ler também. Uma vez, com 11 anos, viajei e fiquei dois meses fora do Brasil. Senti muita saudade do português. Foi aí que comecei a ler. Meus pais me mandaram um livro em português chamado Boi Aruá, de Luis Inácio de Miranda Jardim. Fiquei tão feliz de encontrar o português de novo, que, a partir daí, comecei a ler de verdade. Estava com saudade da língua. Precisava dela para ser eu mesma.

Dessas primeiras leituras, alguma coisa que te marcou especialmente?
Um livro cômico chamado Pequeno Nicolau, com texto de Goscinny, o mesmo autor do Asterix, e ilustração de Jean Jaques Sempé. Era um livro com pequenas histórias que eu adorava ler. Na minha geração, com 15 anos, nomes como Borges e Cortázar eram muito mencionados. Era uma época que a literatura latino-americana era muito falada. Tem também o Kafka. Foi um início maravilhoso. Comecei muito bem. Ler era valorizado. Para você ser bem visto com os amigos, era preciso ser mais culto. Era uma forma de inserção.

Seu primeiro livro de contos foi Meu Amor, lançado ano passado. Porque escolheu o gênero?
Neles tenho um estilo muito diferente dos romances. Sinto isso, embora os temas se repitam. No começo, os escrevi por encomenda, porque o conto é uma maneira do autor se divulgar, de as pessoas o conhecerem. Uma revista não publica um romance, mas um conto, sim. É um aperitivo. Alguém lê o conto e se interessa pelo romance. Como eu adoro conto, achava que não ia saber fazer. É mais difícil e rápido do que o romance. Neste, você pode errar a mão aqui ou dispersar um pouquinho ali, que até fica interessante. No conto, isso é impossível. No final, gostei de escrevê-los. Espero ter acertado a mão pelo menos em alguns

Qual é seu próximo projeto?
Além dos livros, eu escrevo roteiros de cinema. Eu ajudei o cineasta Sergio Bianchi a escrever um roteiro chamado Os Inquilinos, inspirado no conto de um estudante chamado Wagner Ferrer, para quem eu dava aulas, na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Depois fiz um roteiro junto com o Karim Aïnouz, chamado O Abismo Prateado, que foi para Cannes esse ano, foi muito legal. E agora o Hector Babenco me chamou para trabalhar junto com ele em um roteiro. O Hector é um cara incrível, admiro muito o trabalho dele, e acho que vai ficar legal. Mas não posso contar sobre o que é a história. Também estou trabalhando em um livro, mas tive que interromper para fazer os roteiros.

Michelle Horovits

Jornalista e produtora de TV.