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“Orgulho Hétero”: Guilherme Fiuza e a racionalização da idiotia e da excrecência

por Daniel Lopes (09/08/2011)

Não há equivalência entre a “exacerbação” de uns poucos gays e o clima de desrespeito e violência contra homossexuais

por Daniel Lopes

-- Carlos Apolinário (DEM-SP) --

 

A mais recente coluna de Guilherme Fiuza é um ótimo exemplo do quão tosco pode se tornar a crítica do politicamente correto. Como eu reconheci outro dia, não podemos passar sem alguma crítica do politicamente correto, que às vezes é mesmo maléfico, mas a crítica dogmática é tão maléfica quanto, porque afinal de contas quem há de negar que o politicamente correto muitas vezes é… correto? Pelo menos pelos padrões dos que supostamente são fãs do progresso social no primeiro mundo.

O texto “Dia do Orgulho Hétero: a guerra inútil do sexo” está na Época. Veja. No sexto de seus nove parágrafos, Fiuza faz referência ao aumento porcentual pífio no número de alunos carentes nas universidades federais, não obstante 15 anos de cotas raciais – cujos apologistas dizem que cota por faixa de renda apenas não resolve o problema, porque a pobreza no Brasil “tem cor”. O jornalista observa que esse murro em ponta de faca dos apologistas é um dos efeitos danosos do politicamente correto. Eu tendo a concordar. Mas o que estranha é ver essa crítica razoável presente em um texto sobre o Dia do Orgulho Hétero.

Quer dizer, estranha até você lembrar que, para a Grande Teoria Unificada do Politicamente Correto, da qual Guilherme Fiuza é um dos mais destacados propagadores, se uma porção do politicamente correto está errada, as outras também estão. Não há discriminação nem pausas para pensar. Por isso que, entre cotas e gays, Fiuza insere Obama. Isso é antológico: foi o forte sentimento de conquista que se seguiu à eleição do primeiro negro à presidência dos EUA (sentimento politicamente correto, sem dúvida) que, no final das contas, agravou a crise da dívida daquele país. Porque a negralhada teria açodado os republicanos, que então se levantaram para bater de frente. Claro, claro. E os linchamentos de negros e a crise de 1929 ocorreram devido às comemorações que cercaram a indicação, de outra forma bem sucedida, de um moreno-escuro para a secional Mississípi da agência federal de hortigranjeiros.

Fiuza concorda que o bem sucedido projeto do Dia do Orgulho Hétero, de autoria do vereador evangélico paulistano Carlos Apolinário (DEM), é “idiota” e “uma excrecência”. Mas ele também acha que trata-se de um passo “coerente”. Por quê? Porque vindo de alguém do background do nobre político? Porque, em uma sociedade preconceituosa como a brasileira, esse tipo de reação é previsível? Não, nada disso. É coerente porque, segundo Fiuza, “é para esse tipo de aberração que a história ‘progressista’ caminha.” A agenda e as ações dos homossexuais estariam além da conta, havendo uma “exacerbação” – “o que poderia ser um movimento saudável, de afirmação dos que foram (e são) oprimidos por sua natureza afetiva, ganha tons de arrogância e até revanchismo.”

Parei para pensar: arrogância e revanchismo são posturas salientes das principais correntes de ativistas pelos direitos dos homossexuais? Não, não são. São periféricas, bem periféricas, e o fato do jornalista não aparecer com nenhum exemplo só reforça meu juízo. No quesito arrogância, consigo pensar no máximo em indivíduos com santinhos de gesso em paradas gay, mas isso não é a mesma coisa que invadir bêbado, portando a bandeira do arco-íris, uma missa de domingo de manhã no interior da Paraíba. No quesito revanchismo, realmente não consigo pensar em nada. Talvez se o Fiuza me disser que sites e blogs anda lendo, eu possa me informar melhor.

Os ativistas gays, em sua esmagadora maioria (para não falar dos gays que não fazem parte do movimento), não querem uma ditadura gay, que é o que o artigo da Época no final das contas insinua. O que eles querem é, até onde for possível em uma democracia, o fim de uma homofobia disseminada por toda a sociedade e pregada em diversos palanques e púlpitos. E estamos longe desse universo possível. Homofobia não envolve apenas o direito à liberdade de expressão. Homofobia custa lágrimas e sangue, e é incrível como pessoas que se acham liberais ainda não lhe dão a mesma atenção que dão a outros discursos de ódio.

Guilherme Fiuza é da opinião de que “figuras retrógradas, como o deputado Jair Bolsonaro, ganham combustível e até se declaram vítimas de ‘heterofobia’ – miseravelmente com razão.” Ora, não se pode pegar deputados “retrógrados” e vereadores que propõem projetos “execráveis” como termômetro ideal das ações de um grupo de ativistas de direitos humanos! Caro leitor, quantos heterossexuais, além de gente do calibre do Bolsonaro, você conhece que se acreditam vivendo em um ambiente de crescente heterofobia?

Não, não há equivalência entre a “exacerbação” de uns poucos gays e o clima de desrespeito e violência contra homossexuais. Que Apolinários e suas ideias geniais aparecerão ao longo do caminho da conquista de direitos e respeito, não há dúvida. Sempre foi assim, no mundo todo. Que os batalhadores por estes direitos e respeito devam graduar sua atuação de acordo com a reação desse tipo de gente, é duvidoso. Apolinários são o fardo do homem civilizado, e nada mais do que isso. Pelo que eu vejo, já não digo do projeto de sua autoria, mas da maneira como esse vereador se expressa, concluo que ele só deve ter QI superior ao de seus eleitores. Se até muitos evangélicos com certeza relutariam em dar-lhe voto sobre questões de moral cristã, por que ele deveria ter sua voz levada mais a sério no que diz respeito à relação dos homossexuais com o restante da sociedade?

Tanto no caso dos EUA quanto no caso do Brasil, opinólogos como Guilherme Fiuza parecem achar que, não fossem os supostos excessos daqueles que vibram com conquistas progressistas de alto valor simbólico e daqueles que militam pela causa gay, a sociedade seria poupada das ignomínias de tea partiers e pastores da Assembleia de Deus. Mas por que não dizer que a “exacerbação da cultura gay” é ela mesma reação à existência de figuras como Apolinário? De fato, eu poderia brincar de ação e reação e levar o leitor até o momento em que, no Período da Roda Quadrada, um respeitado ancião flagrou duas jovens expressando sua natureza afetiva minoritária e pregou que a Mãe Lua poderia não gostar do ato, ouvindo como resposta um “Sifudê!” (para efeito mais realista, imaginar essa resposta dada de forma exacerbada, com sotaque do Crescente Fértil Oriental).

Fiuza acredita que os politicamente corretos não se aquietarão enquanto “gays e héteros não entrarem definitivamente em guerra.” Que bobagem. Pegue a estatística de homossexuais agredidos por serem homossexuais (e de heteros que os agressores pensaram ser homossexuais), depois pegue a estatística de heteros agredidos por serem heteros. Compare as proporções. No caso extremo de haver um conflito, seria menos parecido com a guerra imaginada pelo colunista do que com uma campanha de extermínio.

Daniel Lopes

Editor da Amálgama.

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