A ciência e o futuro

Michio Kaku dá asas à imaginação quando especula em que altura estará a tecnologia no final deste século, ao mesmo tempo em que planta os dois pés no chão ao imaginar o que estará ao alcance nos próximos vinte anos.

“A física do futuro: Como a ciência moldará o destino humano e o nosso cotidiano em 2100”, de Michio Kaku

O senso comum costuma dizer que é fácil fazer previsões em Futurologia – o estudo dos desenvolvimentos futuros, sejam eles sociais ou tecnológicos. Isso porque o futurólogo geralmente não vive até o tempo em que suas previsões serão refutadas pelo que de fato ocorrerá. Ao ler o primeiro capítulo de A física do futuro, de autoria do físico Michio Kaku, é fácil supor que o livro trata deste tipo de futurologia fácil. O autor imagina como o desenvolvimento dos computadores poderá mudar drasticamente nossa experiência cotidiana, seja através de chips implantados no corpo que constantemente fazem diagnósticos médicos, ou pela profusão de monitores e computadores até nos objetos mais simples. Nada realmente implausível, como os bons futurologistas sabem fazer; mas nada além de uma especulação dentro do que talvez seja o mais imprevisível dos campos tecnológicos. Para dar um exemplo: quem costumava assistir a série clássica de Jornada nas estrelas (a dos anos 60) certamente deve se lembrar de que os comunicadores pessoais do século XXIII foram em muito ultrapassados pelos nossos smartphones atuais. Ou seja, mesmo aquilo que parece ser uma projeção válida hoje cai por terra poucas décadas depois.

Mas seria um engano julgar todo o livro apenas pelo primeiro capítulo, ainda que seja de fato o mais fraco. Cada capítulo é um ensaio sobre um tema diferente, cobrindo assuntos tão variados quanto medicina, colonização espacial, economia e produção de energia. Em cada um, Kaku traça um panorama do desenvolvimento atual e, através de entrevistas e encontros que manteve com os líderes de cada área, projeta o que os especialistas pensam que serão os próximos passos. Então, ele tenta especular de maneira razoável o que pode ocorrer nessas áreas em três períodos: o futuro próximo (até 2030), meados do século (entre 2030 e 2070) e o futuro distante (entre 2070 e 2100). É nessa peculiar divisão que podemos enxergar a verdadeira força do livro: o autor se permite dar asas à imaginação quando especula em que altura estará a tecnologia no final deste século, ao mesmo tempo em que planta os dois pés no chão ao imaginar o que estará ao alcance nos próximos vinte anos.

A discussão que A física do futuro realiza sobre o estado atual de cada tecnologia abordada é bastante rica e escrita numa linguagem acessível. Não se trata de explicar como cada uma dessas tecnologias funciona, mas sim de dar uma ideia bastante genérica do que são capazes. Não se espere ver uma discussão profunda sobre o efeito Meissner quando o capítulo de energia menciona supercondutores, por exemplo; mas sim de que forma a existência de supercondutores pode mudar o nosso cotidiano.

– O autor –

E este é, de fato, o tema central do livro – não o que podemos esperar nas próximas décadas, mas o tipo de mundo que teremos quando estas novas tecnologias estiverem amplamente distribuídas. À medida que o livro progride, Michio Kaku demonstra com fartos exemplos que sociedades baseadas em ciência, democracia e liberdade de pesquisa serão as que mais terão a ganhar se continuarem investindo nessas áreas, para além do simples (e tão propalado em terras brasileiras) crescimento econômico baseado em commodities. O conhecimento, sustenta o autor, será o verdadeiro capital do futuro, a moeda que decidirá quem vai sair ganhando ou perdendo na corrida pelo desenvolvimento nas próximas décadas.

É curioso notar que livros como A física do futuro não costumam aparecer em nossas estantes; seja pela falta de interesse em traduzi-los, seja pela carência de autores nacionais interessados no tema. A publicação dele pela editora Rocco vem para tentar cobrir essa grande lacuna. A tradução de Talita M. Rodrigues tropeça em algumas pequenas coisas – erra o nome de uma série de TV que foi exibida no Brasil; traduz o termo pod (significando, no contexto, câmara ou casulo) literalmente como vagem, o que não faz muito sentido quando aparece. Mesmo isso não atrapalha em nada a leitura, entretanto, e o trabalho da tradutora garante uma grande fluidez do texto.

E é realmente uma pena que obras assim não sejam mais difundidas em nosso país. Antigamente se dizia que o Brasil era “o país do futuro” e hoje, num mundo sacudido por crises econômicas enquanto gozamos de relativa estabilidade, gostamos de exibir nossos (merecidos) méritos conquistados nas últimas duas décadas, dizemos que “o futuro chegou”. Ao terminar a leitura de A física do futuro podemos perceber que alcançamos talvez um patamar compatível com o século XX. O futuro vai exigir muito mais de nós do que nossas pobres escolas – de fato, do que nossa sociedade como um todo – está preparada para dar hoje. Portanto, para além de previsões acertadas sobre o futuro desta ou daquela tecnologia, o melhor que este livro pode oferecer é a oportunidade para reflexão.

::: A física do futuro :::
::: Michio Kaku (trad. Talita Rodrigues) :::
::: Rocco, 2012, 416 páginas :::
::: compre na Livraria Cultura :::

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  • http://magicaemcena.blogspot.com/ Leonardo Martins

    Gostei do review. Foi no ponto logo de cara, e disse o que tinha que dizer. Muito bom.

  • http://www.amalgama.blog.br Daniel Borges da Silva

    Sensacional essa entrevista, é uma pena que o interesse da população brasileira seja realmente seja pequeno!