Esqueça a ideia comum em histórias de ficção científica e quadrinhos sobre escudos de energia. Na física, campos de força têm um significado totalmente diferente.
Ao ser escalado para o time titular do Amálgama me perguntei qual seria um tema interessante para abordar em minha primeira coluna. O colega Rafael Bán Jacobsen sugeriu que eu atacasse de Bóson de Higgs, a respeito do qual, segundo ele, temos por aí explicações que apenas servem para confundir. Nunca fui de recusar desafios, então a ideia me pareceu interessante – além do mais, se sair mais uma explicação confusa, sempre posso colocar a culpa no Rafael…
O Bóson de Higgs, claro, recebeu um bocado de atenção nos últimos anos desde a ativação do LHC, sigla em inglês de “Grande Colisor de Hádrons”, um imenso acelerador de partículas construído na Suíça para investigar várias hipóteses científicas, e não apenas a existência do Higgs. Pouca gente tem uma noção boa a respeito do que o Higgs é, entretanto, ou por que a existência ou não dele é algo tão importante para a física moderna.
A ideia aqui é produzir uma série de quatro artigos, para que o leitor tenha um panorama um pouco mais completo do que é a física de partículas e o Modelo Padrão antes de atacar a questão do Higgs em si. A primeira parte tratará do conceito de forças e ação à distância, um dos primeiros a surgir na física moderna. A seguir, falarei um pouco sobre a estrutura da matéria e física nuclear, complementando as ideias anteriores. Na terceira parte vou explicar como tudo isso se juntou para formar o chamado Modelo Padrão da física de partículas e deixarei a estrela da festa para o final.
Assim, sem mais delongas, vamos começar a falar de física.
I – Forças e ação à distância
A ideia que temos hoje de forças surgiu com Newton no século XVII. Antes disso havia o conceito clássico: Aristóteles dizia que um objeto material precisava ser constantemente impelido por uma força para manter sua velocidade. Cessada a força, cessaria o movimento. Ele também dizia que objetos materiais caíam no chão porque a tendência natural de todo objeto material era de se concentrar no centro do universo – ou seja, no centro da Terra, de acordo com a visão clássica. Por isso, objetos celestiais, como estrelas e planetas, considerados como “perfeitos”, descreviam trajetórias perfeitamente circulares nos céus. Newton, porém, pensava diferente. Ele sustentava que o estado de movimento de um corpo tenderia a se manter indefinidamente, estivesse ele em repouso, ou em movimento retilíneo com velocidade constante. Para alterar este estado de movimento seria necessário aplicar uma força. Neste caso, teríamos não mais um movimento em velocidade constante, mas acelerado. Ou, dependendo das circunstâncias, não mais um movimento retilíneo, mas uma curva. E assim, numa tacada de mestre, Newton conseguiu explicar ao mesmo tempo os movimentos de corpos normais aqui na Terra e, com o mesmo conjunto de equações matemáticas, descrever a órbita dos corpos celestes. O preço disso foi ampliar o conceito clássico de força.
Forças de contato são facilmente compreensíveis por qualquer um. É preciso fazer força para mover o sofá da sala. Temos que aplicar uma força para abrir uma porta. Fazemos muita força numa academia de ginástica para levantar pesos, e assim por diante. Todas essas são comumente chamadas de forças de contato por motivos óbvios: o objeto a ser movido e o objeto que está aplicando a força tem que estar se tocando para interagir.
Newton, entretanto, deu um passo além e postulou a existência de forças capazes de agir à distância, o que causou um sério desconforto filosófico em muita gente. Como é possível, afinal, que dois corpos influenciem um ao outro sem estar em contato físico? É mais ou menos como imaginar uma brincadeira de cabo-de-guerra sem corda. Entretanto, forças que atuam à distância são uma necessidade da teoria newtoniana para explicar o movimento dos planetas – ou seja, para formular a teoria da gravidade. A Terra permanece em órbita em torno do Sol porque há uma força entre os dois, tão real quanto a força entre dois grupos de crianças brincando de cabo-de-guerra, embora esta última seja de natureza diferente.
Críticos de Newton expressaram bastante resistência a este conceito estranho. A resposta de Newton foi tão eloquente quanto lacônica: “não faço hipóteses”. Para ele bastava descrever o fenômeno gravitacional em um conjunto sucinto de equações, que por sua vez permitiam fazer previsões de eclipses, posições planetárias etc., que por sua vez eram verificadas experimentalmente com precisão – e ainda concordavam com o conhecimento acumulado anterior. Um dos grandes triunfos da teoria newtoniana foi o de chegar, por meio de algumas poucas contas matemáticas, aos mesmos resultados previstos pelas três leis de Kepler para os movimentos planetários, leis estas que até então só tinham comprovação empírica. Ou seja, partindo de condições totalmente diversas, Newton foi capaz de deduzir leis astronômicas obtidas depois de décadas de observação.
O tempo passou, mas o enigma persistiu. Usou-se o conceito estranho de “ação à distância” porque, honestamente, ninguém teve uma ideia melhor e porque funcionava. A explicação para esse mecanismo, entretanto, continuou a eludir físicos e filósofos. E tornou-se tanto pior quando, algum tempo depois de Newton, outros fenômenos começaram a ser entendidos em termos de forças com ação à distância, como o eletromagnetismo. Ímãs e suas estranhas propriedades eram conhecidos desde a Grécia Antiga, é claro, mas fenômenos elétricos só puderam ser estudados mais a fundo lá pelo século XVIII. E foi a partir daí que duas coisas foram verificadas: um, que eletricidade e magnetismo são facetas diferente de uma mesma coisa; dois, que o eletromagnetismo, como passou a ser chamado, também atua à distância da mesma maneira que a gravidade. Aliás, a expressão matemática que descreve a força gravitacional entre duas massas e a força elétrica entre duas cargas tem a mesmíssima “cara”. A única coisa diferente são as constantes envolvidas e o fato de que a gravidade é sempre atrativa, e a força elétrica pode ser repulsiva.
A compreensão mais profunda desses fenômenos levou ao surgimento de outro conceito: o campo de força. Esqueça a ideia comum em histórias de ficção científica e quadrinhos sobre escudos de energia. Na física, campos de força têm um significado totalmente diferente. Um campo de força é um objeto que atribui uma força a um objeto localizado em determinado ponto do espaço. Em linguagem clara, se um corpo com massa (você, por exemplo) estiver localizado na superfície da Terra, vai sentir uma força gravitacional de certa intensidade. Se este mesmo corpo estiver muito, muito longe da Terra, vai sentir uma força de intensidade bastante diferente. Idem para, por exemplo, um ímã de geladeira (dos mais caros, que se vendem em lojas e livrarias, não dos vagabundos de pizzarias): tente arrancar um ímã da porta de sua geladeira e você encontrará uma resistência moderada. Mas se você afastar o ímã o suficiente da geladeira, a força ficará bem menos intensa. Isso porque campos gravitacionais e eletromagnéticos ficam mais fracos conforme maior é a distância entre os corpos envolvidos. Todas as propriedades que antes eram entendidas como ações à distância, então, são explicadas pela interação entre diferentes corpos através dos campos. Um corpo com massa gera um campo gravitacional ao seu redor, que influencia outras massas. Uma carga elétrica gera um campo elétrico que influencia outras cargas e assim por diante.
Pode parecer um truque desonesto explicar a misteriosa ação à distância invocando a existência de outra entidade igualmente fantasmagórica, como esse tal campo. Mas o fato é que campos na física têm existência e propriedades bastante concretas. É possível atribuir energia e até quantidade de movimento a um determinado campo e assim vemos que eles não são meros artifícios matemáticos.
Nos próximos artigos vamos ver como até as forças de contato que estamos acostumados a experimentar todos os dias são intermediadas por campos. Mas primeiro, vamos dar uma olhadinha na estrutura da matéria.
[ parte II. parte III. parte IV ]
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