Se ainda resta alguma dúvida das intenções iranianas, basta ler a declaração feita pelo primeiro-secretário da embaixada iraniana no Brasil.
*publicado no Implicante
A Folha é definitivamente o jornal com maior diversidade de opinião entre seus quadros. Lendo o jornal, vamos de um conservador como o excelente João Pereira Coutinho a comunistas ortodoxos como Vladimir Safatle em meia página. É uma tentativa de dar voz a todos: dos auto-imaginantes sábios aos completamente mocorongos.
Mas é uma pluralidade falha. É claro que dar voz a um sujeito de um lado e a noventa de outro, pensando assim atingir uma verdade de peso científico no total dos textos, é abusar da estranha matemática da imparcialidade fingida.
O jornal cedeu espaço, como já o fizera antes com resultados igualmente desastrosos, ao primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil, Ali Mohaghegh. Em um artigo desfilando um antissemitismo pouquíssimo disfarçado sob as vestes do “antissionismo”, Mohaghegh elenca uma série de preconceitos pavorosos como não se via desabridamente em um jornal de um dos países mais importantes do mundo desde a ascensão do nazismo, ou a posterior campanha “anti-cosmopolita” (ou seja, antissemita) da União Soviética, da virada dos anos 50.
Segundo o primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil (país esquisito tem desses cargos burocráticos que não cabem numa linha), os EUA e “os seus aliados na região” (ou seja, Israel) tentam passar ao mundo uma imagem errada do despertar islâmico.
Deve ser mesmo um pecado mortal, para o primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil, ser um aliado dos EUA. Qualquer país que tenha iPhone, McDonald’s e Google sem censura deve ser visto com extrema desconfiança pelo primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil. Muito ocidental. Segundo ele, os governos derrubados na região eram amigos dos Estados Unidos da América e do regime sionista. Fazendo as contas: Hosni Mubarak é amigo do regime sionista. Muahmar Kadafi é amigo do “regime sionista”. Bashar al-Assad é amigo do “regime sionista”. Zine El Abidine é amigo do “regime sionista”. Omar al-Bashir, Nouri al-Maliki, Abdelaziz Bouteflika, Saleh, Hamad, Mohammed VI e Qaboos bin Said Al Said, tudo amigo do “regime sionista”.
Meu, cê tem problema?
Ora, definitivamente a Primavera Árabe foi um movimento violento e nada aliado aos EUA (que dirá ao “regime sionista”). Boa parte dela foi uma articulação oportunista de setores ainda mais radicais do que as ditaduras light no poder, aproveitando-se do descontentamento de toda uma região para apertar a linha-dura. Curiosamente, ficou marcada como a primeira guerra civil digital da História, por boa parte de suas reivindicações ser pautada em menos censura à internet. Será que o primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil teria coragem de sugerir o mesmo para os aiatolás e mulás atômicos de seu país, ou para o próprio Mahmoud Ahmadinejad?
O primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil fala de um atentado “à embaixada do regime sionista no Cairo”. Esconde o mesmo primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil que o ataque, feito por um bandinho de arruaceiros que sempre aparece em protestos, foi reprimido pela autoridade do próprio regime egípcio. Derrubaram os “aliados do regime sionista”, mas nem por isso iriam se aliar a uma República Islâmica do Irã ou sair atacando israelitas gratuitamente. Locos si, pero no tontos. Por sinal, não se viu durante toda a Primavera Árabe queima de bandeiras de Israel, como é comum em qualquer manifestação “típica” nos países da região.
Para o primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil, “era um sinal da desesperança com os EUA e com o regime sionista, que não queriam ser odiados pelos povos da região”. Como esse povo gosta de odiar por esporte. Devem ser viciados em Marilyn Manson.
A seguir, vem o trecho mais significativo, destacado pela própria Folha:
Sem dúvida, não haverá nenhum lugar na região para os sionistas no futuro. E o regime, que certa época pretendia dominar o território entre os rios Nilo e Eufrates, agora deve se esconder atrás do muro de proteção.
Sem dúvida? Os atentados terroristas matando inocentes já estão nesse grau avançado de preparação? Por sinal, que mania esquisita é essa de chamar Israel de “o regime sionista”? São simplesmente 18 ocorrências de “sionista” em um texto de 18 parágrafos. Ao contrário da República Islâmica do Irã, Israel é um país secular. É uma democracia (conceito bastante abstrato e longínquo para o Irã), e não uma “democracia judaica”. Ademais, o sionismo pode ser uma corrente grande em Israel (por razões que uma criança saberia explicar), mas tampouco é a única.
Confundir regime com o povo é uma maneira bastante útil de pregar o varrimento de uma população inteira apenas criticando-se uma “ideologia”. Nem mesmo Hitler pretendeu varrer um país do mapa tão desabridamente. Tal confusão é clara, quando se afirma que “o regime (…) pretendia dominar o território entre os rios Nilo e Eufrates”. Não era “o regime (sionista)”. Como bem lembrou Clóvis Rossi na mesma Folha, “o ‘lugar na região’ para o Estado de Israel foi determinado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em reunião, de resto, presidida por um brasileiro, Osvaldo Aranha”. Alguma dúvida?
O primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil afirma que ”o regime sionista de Israel tem a maior rede mundial de terrorismo do Estado e cometeu inúmeros crimes nos países da região”. Ler sobre terrorismo de Estado de um primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil chega a doer um pouco naquela parte sensível da consciência. Qual foi mesmo a novidade da guerra civil da Primavera Árabe? Por que mesmo não conseguiu fazer efeito na ditadura teocrática da República Islâmica do Irã? E qual o histórico do Irã na região quando ainda não era o segundo país mais fechado do mundo depois da Coréia do Norte?
O primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil também joga às fauces do incréu leitor que “os povos perceberam que são inúteis e frustrantes as negociações com um regime que só conseguiu ficar em pé respaldado pelo Ocidente”. Bom, temos duas opções: criar uma democracia secular, por corrupta e com gente desprezível que seja, e precisar “do Ocidente” para defendê-la dos que querem matar até a última lagartixa a rastejar sobre Israel, ou criar uma República Islâmica respaldada em intelectuais ocidentais que só se conseguiu ficar em pé descendo a porrada no próprio povo. Onde passar umas férias no próximo passeio cultural?
A confusão fica clara por outra constatação do próprio primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil: “esse regime sionista se deparou com a instabilidade interna”. Bem, é o que acontece com uma democracia. Tem eleições. Nem sempre o partido “sionista” ganha. As pessoas podem xingar o presidente nas ruas à vontade. Nem todo mundo precisa pensar como o Grande Líder (lembra alguma coisa em alemão?) manda. Para o primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil, isso é sinal de que Israel vai mal das pernas. Aqui no Brasil, é sinal de que ainda não fui degolado.
O primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil ainda acusa “o regime sionista” de desconsiderar “mais de cem resoluções e declarações da ONU”. É difícil considerar tudo, mesmo. Assim como aqueles contrários ao “regime sionista” desconsideram algumas outras resoluções fundamentais da ONU (despiciendo falar em bombas atômicas). Por exemplo, que Israel existe, que as pessoas podem morar lá sem serem islâmicas. Aliás, qualquer regime desconsidera meio mundo do que a ONU delibera (do contrário, ela seria o único governo global). Mas se é pra falar em crimes contra os direitos humanos, vamos lembrar do que até o embaixador do Irã (que não é o primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil) fez com criancinhas na piscina de um hotel no Brasil, atribuindo o escândalo a “diferenças culturais”. Ou seja, no Irã pode?
O primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil quer “banir” uma ideia do mundo, ignorando que ideias são materializadas por pessoas. Como acabar com tal ideologia sem mandar essas pessoas para a câmara de gás ou para o fundo do mar? Se ainda resta alguma dúvida das, digamos, intenções do primeiro-secretário da Embaixada da República Islâmica do Irã no Brasil, interprete-se essa declaração bastante explícita:
Com o afastamento dos governantes ditadores em alguns países da região que estavam compactuados com o regime sionista, os povos da região dizem gritando que a instalação do regime sionista não tem legitimidade no território palestino, mesmo que seja no tamanho de uma palma da mão.
Lembrou o Borat falando do Iraque? Então vamos mais fundo:
Os soberanos no mundo devem aproveitar e colocar a história na sua direção certa, tirar o invasor da cena e devolver a pátria aos palestinos.
É importante que todos os palestinos unidos resistam frente ao inimigo. Somente com a união e coesão nacional e seguindo o islã o povo palestino poderá libertar os seus territórios invadidos e recuperar os seus direitos.
Como “os soberanos do mundo” (será que o primeiro-secretário-etc. sabe que no restante do mundo chamamos um “soberano” geralmente de “presidente”, ou mais geralmente referindo-se à sua mãe?) vão “tirar o invasor de cena”? Como “resistir frente ao inimigo”? Critica-se ideias fingindo-se estar na placidez de uma tertúlia acadêmica, quando o que se deslinda inescapavelmente de suas palavras é apenas a agressão de pessoas inocentes, muitas delas nada politizadas.
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Alex Silva
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