Apesar dos defeitos, a ausência de concorrentes em português torna o livro obrigatório nas estantes de estudiosos e interessados.
O som da revolução, livro de Rodrigo Merheb lançado pelo selo Civilização Brasileira é uma obra contraditória. Pelo lado bom, é uma obra muito necessária em português – há carência de bons títulos sobre o assunto em nossa língua. O autor tem uma escrita fluente e apresenta uma boa visão geral sobre a contracultura, sobre os dilemas de criação artística e comportamentais, sobre a relação entre bandas, produtores e gravadoras, sobre os bastidores dos grandes shows, festivais e lançamentos discográficos. Desde já fica posicionado como uma importante leitura geral sobre o período, e cumpre um papel primordial para o leitor brasileiro.
Merheb escolheu como recorte temporal dois festivais: o de Newport em julho de 1965, quando Bob Dylan apareceu pela primeira vez com guitarra elétrica, implodiu o modelo tradicional do folk engajado e iniciou a era do rock, e o festival de Altamont, em dezembro de 1969, organizado como show gratuito para encerrar a turnê norte-americana de maior sucesso dos Stones.
O autor mostra uma grande capacidade de captar o entrelaçamento de influências entre as bandas, seus discos e shows. Mergulha nos dilemas existenciais e políticos de toda a geração dos anos 1960, e capta os momentos mais decisivos na constituição da cena do Rock, focando especialmente em três centros irradiadores: São Francisco, Londres e Nova York. Faz ótimas descrições da cena hippie californiana, a tardia presença do rock em Nova York, a revolução musical simbolizada pelo lançamento do disco Sargent Pepper’s, a ascensão dos Stones como banda principal após o ocaso dos Beatles, o impacto de Jimmi Hendrix (primeiro em Londres, depois no festival de Monterey – que também revelou Janis Joplin). O livro tem ótimas descrições do festival de Woodstock e das implicações entre a cena rock e a Guerra do Vietnã.
Mas como bom jornalista, Merheb escreve um livro de história como se fosse reportagem. E pior: como se ele mesmo tivesse levantado as informações para uma mega reportagem de quase 500 páginas. Esconder a identidade de suas fontes é um mérito na ética jornalística. Em um livro de história é um erro imperdoável.
Obviamente, O som da revolução não é uma pesquisa em fontes primárias. Ou seja, ele não desvenda o passado a partir de documentos de época, como fazem os historiadores. O autor faz uma compilação da bibliografia em inglês sobre os assuntos do livro, o que não seria de todo mal, se ele de algum modo deixasse isso claro ao leitor. Grandes recensões bibliográficas são úteis quando indicam de qual autor veio qual informação – quem quiser aprofundar o tema vai aos pesquisadores originais. Merheb não faz isso. Escreve como se tudo aquilo fosse descoberta pessoal dele.
A gente fica sabendo que as informações ou opiniões são tradução de alguma coisa que ele leu em inglês (mas não cita a fonte) quando o autor se trai por causa dos erros. Por exemplo, na página 93 ele conta que John Cale tocou com entusiasmo até involutariamente “atirar o címbalo na cabeça de Lou”. Se Merheb entendesse o episódio, perceberia que se tratava de um prato de bateria, e que címbalo não faz sentido em português. Ou na página 182, comentando o arranjo orquestral de “A day in a life” para o disco Sargent Pepper’s, sem saber o que é agudo e grave, avisa que “os músicos deveriam começar com a nota mais baixa de seu instrumento e terminar na mais alta com o volume máximo”.
Além da metodologia espertalhona, os erros traem o outro defeito do livro – na verdade o pior. Merheb não faz a menor ideia do que é música ou do que comentar sobre ela. A leitura do livro nos deixa em dúvida se ele chegou a ouvir as gravações que comenta, tamanha é a facilidade com que reproduz clichês de interpretação, sem realmente fazer nenhuma observação musical interessante. Talvez seja isso que o autor tenha tentado dizer quando pensou em colocar o termo “história cultural” no título. Uma história cultural do rock seria uma tentativa de falar do rock como movimento, sem precisar analisar ou interpretar a música? Continua faltando o trabalho que vá fazer isso em português.
Entretanto, o livro de Merheb está farto de pistas a serem seguidas por estudantes e pesquisadores de música. Já passa da hora de o tema receber o tratamento que merece nos departamentos universitários brasileiros. Enquanto quem deveria fazer o serviço está quieto, os jornalistas vão preenchendo a lacuna como podem.
Os defeitos da escrita de Merheb não comprometem a qualidade do livro, desde que o leitor esteja prevenido. Se o autor avisasse seus métodos e indicasse suas fontes, seria mais honesto. O livro também ganharia em qualidade se soubesse reduzir um pouco os detalhes anedóticos e factuais, frutos de compilação, concentrando-se nos elementos mais necessários para uma compreensão geral do período — o que é, apesar de tudo, o grande mérito do trabalho de Merheb.
::: O som da revolução: Uma história cultural do rock (1965-1969) :::
::: Rodrigo Merheb :::
::: Civilização Brasileira, 2012, 532 páginas :::
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