O livro parece servir melhor para o público geral que possui curiosidade para se aprofundar
O livro Fervor das vanguardas, recém-lançado pela Companhia das Letras, é aquele tipo de obra que todo scholar deveria publicar em algum momento de sua carreira: trata-se da compilação de vários textos, ensaios e artigos de Jorge Schwartz, professor da Universidade de São Paulo e uma das figuras mais respeitadas da crítica no que se refere ao estudo das vanguardas latino-americanas. Autor de Vanguarda e cosmopolitismo (1983) e organizador de uma antologia essencial para compreender esse período agitado das artes americanas, Schwartz oferece nesse volume uma variedade de textos escritos em diversos momentos de sua trajetória intelectual, permitindo uma boa visão panorâmica de suas participações, sendo a mais recente a direção do Museu Lasar Segall.
Nunca é má hora para enriquecer e ampliar o debate sobre as vanguardas, especialmente quando existe o muitas vezes negligenciado diálogo entre o Brasil e seus vizinhos. A aproximação desses dois “mundos” sempre parece mais rarefeita do que deveria, e falo isso como um jovem estudante de literatura hispano-americana. Toda boa iniciativa na direção de tornar visíveis as ligações e diferenças dos movimentos artísticos na América Latina precisa ser incentivada e divulgada, sob pena de permanecermos no escuro quanto a muitos grandes escritores e artistas. Nem só de Borges e Cortázar vive a literatura argentina, para ficar no exemplo mais claro.
Para preencher essa lacuna, o trabalho de Schwartz tem se concentrado nas décadas de 1920 e 1930, quando a América Latina desenvolveu suas maiores contribuições às várias correntes vanguardistas oriundas da Europa – sem contar as iniciativas mais, por assim dizer, “autóctones”, como a Antropofagia e a pintura de Xul Solar. Em vez de buscar o caminho “fácil” de comentar os autores mais conhecidos desse período – como o já mencionado Borges –, o acadêmico investe na compreensão de alguns artistas historicamente “deixados de lado”, se é que podemos falar assim de Lasar Segall, Oliverio Girondo e Horacio Coppola. De todo modo, é nas intersecções entre artes plásticas e literatura que reside o maior interesse do livro.
No entanto, o livro parece servir melhor para o público geral que possui curiosidade para se aprofundar, ou para aquele que tem interesse acadêmico no assunto, mas ainda não o conhece muito bem. A seleção de textos privilegia escritos feitos para catálogos de exposições e introduções a livros, tornando o conjunto mais informativo do que analítico. Ou seja, embora apresente ampla pesquisa e uma enorme quantidade de referências, dados e observações agudas sobre seus vários objetos, Fervor das vanguardas acaba por não oferecer ao leitor nem uma visão de conjunto sobre o fenômeno das vanguardas em território latino-americano, nem uma reflexão sobre seu significado mais geral. Um livro que, portanto, acompanha vários trajetos, sem procurar uma narrativa de conjunto entre eles. Para efeito de comparação, já realizada por Flávio Moura nesse post no blog da Companhia das Letras, o livro recente de Sérgio Miceli, também uma reunião de textos do sociólogo sobre as vanguardas, apresenta esse tipo de interpretação, embora sua leitura das obras de arte fique devendo na comparação com aquelas feitas por Schwartz, mais ricas e consistentes.
Um bom exemplo é a leitura feita do livro Espantapájaros, experimento de Oliverio Girondo com as formas do poema em prosa e do caligrama. Um dos pontos altos do livro, o ensaio permite visualizar o grau de radicalidade na construção que a obra do argentino alcança naquele momento, bem como entender o sentido por trás das repetições e das brincadeiras linguísticas de Girondo – embora, para meu gosto, a utilização do conceito de “carnavalização” de Bakhtin não esteja bem colocado pelo autor. Outra boa experiência de leitura é tomar contato com a história, cheia de idas e vindas, da recepção de Lasar Segall na Argentina. Os eventos narrados por Schwartz permitem entrever os percalços da comunicação artística entre os dois países: mesmo com admiradores importantes, Segall não chegou a realizar uma exposição em Buenos Aires em vida. Um exemplo cabal de como os laços com nuestros hermanos às vezes parecem frágeis demais.
Outros conjuntos de ensaios apresentam as obras, ainda muito desconhecidas entre nós, do artista múltiplo Xul Solar, figura máxima da pintura vanguardista na Argentina, e do fotógrafo Horacio Coppola, também portenho. O livro vale a pena especialmente por essas aproximações que permitem reconhecer, em vários momentos da cultura latino-americana, uma produção que não deve nada às suas contrapartes europeias. Talvez esteja chegando a hora em que passaremos a olhar com mais atenção ao que está ao nosso redor e aos países que tantas coisas em comum – e tantas interessantes diferenças, claro – têm conosco.
::: Fervor das vanguardas :::
::: Jorge Schwartz :::
::: Companhia das Letras, 2013, 296 páginas :::
Vinícius Justo
Mestre em Teoria Literária pela USP.
[email protected]