Cada um a seu modo, eles buscam apelar para um nicho específico do eleitorado
É comum falar em “candidatos nanicos”: presidenciáveis de partidos menores, sem coligações e com tempo de TV e recursos financeiros escassos, concorrendo pelos mais diversos objetivos (alguns insondáveis, talvez impublicáveis). Na eleição de 2014, são oito as candidaturas que não possuem chances de vitória nessas condições. Entretanto, três delas apresentam maior força do que as outras e prometem apresentar alternativas ideológicas aos principais candidatos, promovendo seus partidos a partir de suas diferenças em relação ao mainstream político brasileiro.
São os candidatos do PSC (Pastor Everaldo), do PSOL (Luciana Genro) e do PV (Eduardo Jorge). Cada um a seu modo busca apelar para um nicho específico do eleitorado, procurando enfatizar sua singularidade e sem medo de defender propostas impopulares, pouco factíveis ou sem condições políticas de implantação. Se a eleição se tornar acirrada, entretanto, talvez seja definida por seus poucos eleitores, seja pelo “voto útil” no primeiro turno ou pela decisão polarizada no segundo turno.
Pastor Everaldo (PSC)
A candidatura do PSC apresenta mais uma defecção da base aliada de Dilma Rousseff para o pleito de 2014. Participando do governo até pouco tempo, Everaldo faz questão de apresentar sua candidatura como defensora de valores conservadores – entre eles, a definição de família como um núcleo composto por “pai e mãe” – que estariam sendo solapados pela atual administração federal. Entrevistado pelo Jornal Nacional (o critério para escolher os entrevistados foi ter um percentual igual ou superior a 3% das intenções de voto), o pastor foi confrontado com essas contradições, decidindo-se por um discurso bastante enfático a favor da iniciativa privada, do Estado mínimo e das privatizações.
Na conjunção entre princípios conservadores bastante caros ao eleitorado mais religioso e defesa de uma participação bastante reduzida do Estado na economia, o discurso de Everaldo busca ultrapassar o nicho evangélico que tem sido a fonte primária de sua intenção de votos (9% dos eleitores evangélicos votariam nele, segundo o último Datafolha). No entanto, existe a possibilidade de que mesmo sua base evangélica esteja sob ameaça pela candidatura de Marina Silva, também evangélica (ambos pertencem à Assembleia de Deus, uma das maiores igrejas neopentecostais do Brasil).
Antes da morte de Eduardo Campos, o pastor parecia garantir a possibilidade de segundo turno com sua candidatura. Hoje, com o segundo turno praticamente certo, mesmo a importância estratégica para os outros partidos parece comprometida. Resta ainda sua defesa dos valores cristãos tais como os entende; plataforma insuficiente para vencer a eleição, mas que pode ajudar o PSC no seu esforço até agora bem sucedido de crescimento parlamentar.
Luciana Genro (PSOL)
O Partido Socialismo e Liberdade foi criado a partir de dissidências do PT em 2005, motivadas tanto pela adoção de políticas econômicas menos radicais quanto pelos questionamentos quanto à ética do partido durante o escândalo do mensalão. Era de se esperar que, à semelhança de seu partido original, o PSOL defendesse bandeiras de esquerda de modo mais veemente e começasse pequeno, buscando crescer popularmente aos poucos e atingisse o grau que o PT levou décadas para obter.
Não é um caminho fácil, especialmente porque o PT conseguiu, apesar dos pesares, manter-se como o partido de esquerda no espectro político. Apesar de ótimo desempenho nas eleições de 2006 na candidatura majoritária (Heloísa Helena teve 6,5 milhões de votos), o partido não conquistou nenhuma nova cadeira no Congresso – apesar de passar a ter um senador pelo Pará, suplente de Ana Júlia (PT), então eleita governadora do estado. Em 2010, apesar de a votação de Plínio de Arruda Sampaio ter sido muito menor, o partido manteve três deputados (perdeu Luciana Genro no Rio Grande do Sul mas o coeficiente eleitoral de Chico Alencar no Rio permitiu a eleição de Jean Wyllys). A tentativa neste ano é de fazer a candidatura presidencial ajudar a aumentar essa bancada.
O curioso é que o único cargo que Luciana Genro poderia tentar neste ano é a presidência da República. Como seu pai, Tarso Genro, é governador do Rio Grande do Sul, Luciana não poderia concorrer a cargos eletivos no estado.
O PSOL costuma ter um eleitorado de convicções mais à esquerda e, de forma similar ao PT no seu começo, tem força apenas nas grandes cidades. Os votos que elegeram seus três deputados federais em 2010 vieram em sua grande maioria das capitais e de suas regiões metropolitanas:
Esse eleitorado costuma ser mais fiel, mas também muito reduzido. Ainda é incerto se, em um eventual segundo turno, o eleitor de Luciana Genro preferiria Dilma ou Marina, ou ainda anular seu voto – a candidata afirmou em artigo que Marina é “segunda via do PSDB”. O que é praticamente impossível é a opção maciça deles por Aécio caso este chegue a disputar o segundo turno.
Eduardo Jorge (PV)
O PV novamente lança candidatura própria. Em 2010 abrigou Marina e sua candidatura, bem maior do que imaginada inicialmente, conseguiu quase 20 milhões de votos. Evidentemente não se espera algo sequer próximo disso; a briga é pelo quarto lugar, com propostas de certo modo equidistantes às de PSOL e PSC e com características claras de terceira via no sentido europeu: forte na questão ambiental, na defesa do desenvolvimento sustentável, favorável à legalização da maconha, entre outras.
Se por um lado a candidatura pode apelar a um eleitor mais liberal (no sentido econômico), por outro recusa fortemente o eleitor conservador e não é tão afeito às ideias econômicas de esquerda. O diferencial do meio ambiente não terá tanto apelo quanto poderia com a existência da candidatura de Marina, o que dificulta bastante as coisas para Eduardo Jorge. De certa forma, suas limitações são as mesmas de PSOL e PSC, mas sem alguns de seus trunfos (no caso do primeiro, a insatisfação do eleitor mais à esquerda com o governo do PT; no caso do segundo, o apelo ao “voto evangélico”).
A candidatura pode, no entanto, lançar as bases para um reposicionamento do PV no âmbito nacional e estadual. A tendência é que seu eleitor seja mais de oposição ao governo atual do que de situação, mas não é certo que passe para Aécio caso este chegue ao segundo turno – embora seja provável que o partido declare apoio ao tucano. No caso de Marina, a transferência de votos deve ser bastante grande, apesar dos problemas que a ex-senadora teve com o partido em 2011, levando-a a sair e organizar a Rede Sustentabilidade.
Projeções
Com o provável acirramento do primeiro turno, é possível que esses três candidatos não ganhem mais tanto espaço quanto poderiam obter antes da morte de Eduardo Campos. Ao contrário, o voto útil pode fazer com que encolham ainda na primeira fase da disputa. No entanto, não poderão ser completamente desconsiderados, pois terão presença nos debates televisivos (fazem parte do grupo de sete candidatos por partidos com representação congressual, além dos três principais e de Levy Fidélix, do PRTB) e podem, com boa dose de sorte, criar situações constrangedoras para os concorrentes maiores. Em uma eleição ainda muito indefinida, cada voto vale bastante.
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texto publicado inicialmente no Plano Político
Vinícius Justo
Mestre em Teoria Literária pela USP.
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