A frase acima diz mais sobre Brizola do que sua biografia recente
Pegar para resenhar Brizola foi talvez um dos maiores sacrifícios literários de minha vida. Primeiro pela decepção, ao esperar um texto capaz de apresentar aspectos desconhecidos desta figura relevante para a história brasileira, e encontrar uma hagiografia. E segundo porque, ao me comprometer a resenhar o livro, não pude deixá-lo de lado ao meio, como se faz com livros decepcionantes.
Goste-se ou não de Brizola, trata-se de uma figura grande demais para receber apenas elogios. Estamos falando de uma figura controvertida mesmo entre seus aliados – basta lembrar o jovem PT gritando que faria reforma agrária em sua fazenda. Uma pessoa assim merece uma análise isenta e abrangente, coisa que o livro não traz.
Outra falha é os autores não deixarem claro desde o começo que não estão fazendo uma biografia de toda a vida de Brizola, mas sim de uma etapa relevante, que vai de sua expulsão do Uruguai em 1977 à disputa ao governo do Rio de Janeiro em 1982. Ou seja, perdemos tanto a criação do mito do caudilho, criada na sua forma peculiar de atuação política em meios às sucessivas crises que desencadearam o golpe de 1964, quanto a subsequente decadência do brizolismo e sua superação pelo petismo como liderança das esquerdas.
Não que o período escolhido não seja relevante. Ele trata da transformação do “trabalhismo” em brizolismo, fenômeno que coincidiu com a fundação e consolidação do PDT. E talvez aí esteja o único mérito do texto: mostrar a cisão do trabalhismo varguista em uma corrente mais esquerdista – Brizola – e outra mais conservadora – Ivete Vargas – ao mesmo tempo que conta a aproximação do caudilho com militantes da luta armada que faziam sua autocrítica.
Mas mesmo esta narrativa poderia ser menos laudatória e mais profunda. O texto confuso não explica por que Brizola foi sempre uma combinação de agregador e desagregador, e isto precisa ser compreendido adequadamente. No Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, sua influência vai para além do PDT, e alcança quadros nacionais que em algum momento se aproximaram e em outro romperam: Marcelo Alencar, Moreira Franco, César Maia, José Fogaça, Saturnino Braga, Anthony Garotinho e até mesmo a presidente Dilma.
Brizola era uma força retórica. Sua convicção e sua coragem atraíam, seu personalismo afastava. Faltava-lhe substância na ideologia. Isso fica evidente quando os autores mencionam ter Brizola uma “elaboração política”, mas não apresentam nada mais consistente que um discurso sobre “perdas internacionais”. Alguém assim interferir no cenário político como fez Brizola não é pouca coisa.
Aguardo uma biografia que me explique como o mesmo homem pode dividir o exército na campanha da legalidade, enfrentar a Globo após a Proconsult e apoiar Collor às vésperas do impeachment.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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