Como continuar petista?

Os casos de Tati Bernardi e Juca Kfouri sintetizam os dois principais argumentos que ainda tentam justificar alguém continuar sendo petista.


Tati Bernardi e Jô Soares, 2011

Tati Bernardi e Jô Soares, 2011

O título do artigo tomei emprestado da colunista da Folha de São Paulo, Tati Bernardi, petista desde criancinha até esta semana quando, finalmente, jogou a toalha ao perceber que não tinha mais argumentos para continuar defendendo o partido.

Aliás, ela não foi a única a surpreender na semana. Juca Kfouri reconheceu publicamente que Zé Dirceu é corrupto. Ooooooh! Claro que isso não significa ainda que ele tenha virado coxinha, mas já é um primeiro passo. Embora tenha jogado a toalha quanto a Dirceu, lá pela metade do artigo ele faz o seguinte questionamento: “Não dava para ter parado antes de ficar evidente que os meios eram ilícitos e tornar as punições inevitáveis?”

Sim. Ele disse isso. Ou seja, se Dirceu tivesse parado de se corromper depois que foi preso pela primeira vez, tudo bem.

Os casos de Tati Bernardi e Juca Kfouri são emblemáticos, pois eles sintetizam os dois principais argumentos que ainda tentam justificar alguém continuar sendo petista. No caso de Tati, ela revela que todas as vezes que lhe faltavam argumentos, procurava enganar a si mesma com o mote “mas tanto foi feito pelos pobres”. Compreendo, Tati. Passei pelo mesmo dilema, só que há quase uma década. Apesar do atraso, antes tarde que nunca. Bem vinda ao clube.

Brincadeiras a parte, chega a ser patológico o fato de que uma jornalista de um dos maiores jornais do país não consiga perceber que os milhões que ascenderam no Brasil na década passada são proporcionais aos milhões que ascenderam em todo o mundo decorrente do deslocamento do eixo de desenvolvimento da economia dos países ricos para os emergentes, combinado, claro, a uma boa dose do crédito que agora cobra a fatura. Acreditar que Lula foi responsável por tirar 40 milhões da pobreza, portanto, é o mesmo que acreditar que Lula mudou o mundo (e não o contrário). Será que Lula poderia comemorar o inflacionado número de “40 milhões de ex-pobres” se tivesse governado na década atual, por exemplo?

Claro que não. E a prova disso é que, apesar dos esforços da Dilma em intensificar as tais “políticas sociais” do PT, o número de pobres voltou a aumentar desde o ano passado, como revelou o próprio IBGE na época das eleições, apesar das pressões do governo para esconder os dados. Imaginem então os dados deste ano!

Portanto, o principal motivo da defesa tardia de Tati ao PT não passa de um mito. Nem mesmo o comemorado Bolsa Família foi mérito do PT, uma vez que a unificação do programas sociais do governo FHC que originaram o bolsa família já havia sido iniciada em 2001.

No caso de Juca, o argumento mais importante para defender o PT é o relativismo moral que procura jogar todo mundo no mesmo saco, colocando um viés positivo para a “corrupção pela causa” do PT.

Para estas pessoas, não importam os fatos revelados pela operação Lava Jato. Elas simplesmente dão de ombros e simplificam tudo com o “argumento” de que o PT não inventou a corrupção, apesar dos próprios delatores afirmarem categoricamente que a corrupção institucionalizada, com o aval do partido do poder, com definição de percentuais aos partidos comparsas, ter começado em 2003. Ou seja, já no primeiro ano do governo Lula. E olha que tais delatores foram todos cúmplices do PT, o que naturalmente coloca em dúvida se estão falando realmente toda a verdade ou apenas meias verdades.

Aliás, segundo um dos fundadores do PT, Cesar Benjamin, a corrupção institucionalizada no partido começou assim que este conquistou as primeiras prefeituras no interior de São Paulo. Recentemente, lamentando a morte do petista, Antônio Neiva, Benjamin relembrou o dia em que este se interpôs entre ele os “capangas do Dirceu” (expressão dele) que o tiraram da tribuna à força de um congresso nacional do PT, simplesmente porque Dirceu achou que ele iria abrir o bico e denunciar o esquema de corrupção que já se desenrolava na primeira metade da década de 90, o mesmo que culminou anos depois na morte do prefeito Celso Daniel e mais sete pessoas ligadas ao caso. Detalhe: um ano antes da morte de Celso Daniel, outro prefeito do PT, na mesma região, foi assassinado: Toninho do PT. Coincidência? Não para a família do Celso Daniel que teve que fugir do país para não ter o mesmo destino.

Durante muito tempo a militância petista (e a imprensa) fez vistas grossas a este caso escabroso. Mas aos poucos a verdade vem vindo à tona. Primeiro em 2005, com a revelações de trechos de gravações telefônicas entre o braço direito de Lula, Gilberto Carvalho, e o principal suspeito do assassinato, Sérgio Sombra, combinando táticas de defesa, inclusive a intensão de desqualificar a investigação. Em outra gravação, o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh, também em conversa com Gilberto Carvalho, demostrava sua preocupação com o depoimento de um dos irmãos do Celso Daniel, que hoje é um dos ex-petistas que acusam o partido pelo assassinato do prefeito — não só ele, como também o ex-delegado Tuma Junior, o juiz João Carlos da Rocha Mattos e empresários extorquidos pelo esquema, como, por exemplo, o pai da hoje deputada Mara Gabrilli.

No pouco que sobrou das horas e horas de gravações consideradas ilegais e que foram destruídas, pelo menos outros cinco trechos altamente comprometedores apontam para a mesma direção: o PT sempre esteve mais interessado em abafar as investigações do caso Celso Daniel do que de fato encontrar os culpados por tal atrocidade. Em nenhum trecho das conversas, ninguém (nem mesmo a viúva) demostra qualquer pesar com a morte do antigo companheiro, apenas preocupação com a versão que irão passar para a imprensa, como sempre.

Mais recentemente, ao ser condenado a 37 anos de prisão no esquema do Mensalão, Marcos Valério, numa tentativa desesperada de reduzir sua pena através de uma delação premiada, falou da chantagem do empresário Ronan Maria Pinto, que ameaçava envolver Lula no caso Celso Daniel. Na época o PT ironizou a denúncia, como sempre, desqualificando o antigo comparsa do mensalão. Em meados de 2014, no entanto, a PF apreendeu um documento do doleiro Youssef referente a um empréstimo de R$ 6 milhões ao suposto chantagista Ronan Maria Pinto, conforme descrito por Valério.

Em julho de 2015, outro relato de Marcos Valério veio a ser confirmado pela PF: a existência de uma conta na Suíça que “movimentou 7 milhões de reais e envolvia o próprio Lula, Antonio Palocci e Miguel Horta e Costa, da Portugal Telecom”. Detalhe: Miguel Horta e Costa já está preso em Portugal por corrupção no mesmo caso que envolve Lula, oficialmente investigado naquele país.

Por tudo que já veio à tona sobre o caso Celso Daniel, no mínimo a chegada ao poder do PT já veio manchada de sangue. Se isto não é suficiente para colocar uma pulga atrás da orelha dos abnegados que continuam firmes “na luta”, não sei mais o que será necessário para tirá-los do estado hipnótico em que se encontram.

Ao PT resta agora apelar para o vitimismo. O patético caso da bomba caseira jogada na porta da garagem do Instituto Lula, tratado pelo segmento da imprensa aliada ao PT como um “atentado político”, demostra o desespero com a atual situação. Para manter o caso no noticiário, o PT chegou a organizar um ato de apoio ao Instituto Lula, com direito inclusive a Lula jogando flores nos manifestantes que gritavam seu nome. Que meigo…

O mais irônico da situação é que o próprio PT, que passou toda sua existência pregando o ódio a adversários, apostando na política do “nós contra eles”, agora tem a cara de pau de posar de vítima do ódio que cultivou, mesmo tendo como oposição um partido que, apesar de toda a crise moral, política e econômica que o PT jogou nosso país, apesar de ter sido vítima de todas as campanhas de difamação, de um tentativa de impeachment, de dossiês comprovadamente falsos e manipulações da máquina pública de todo tipo, ainda se divide em apoiar ou não o impeachment.

Enfim, como Tati reconheceu em seu artigo, “não se ‘cura’ com facilidade algo que se aprendeu a amar na infância”. Mas reconhecer-se doente é o primeiro passo para a cura de uma doença psicológica. Quem sabe os demais 8% que ainda apoiam o governo do PT deem o passo que Tati e milhões de brasileiros (incluindo muitos fundadores do PT) já deram.

Amálgama




Amilton Aquino

Formado em jornalismo pela UFPE.


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MAIS RECENTES


  • Marcelo Marques Costa

    Doente é o cara que escreve um artigo desse.

    • Amilton Aquino

      Bom, pelo menos quem simplifica as coisas deixando de lado a evolução tecnológica fala uma meia verdade. A mentira completa acontece quando
      os petistas comparam cada indicador da era PT com os “500 antes” desconsiderando não apenas a mesma evolução tecnológica que vc agora aponta em seu favor, mas todo o processo evolutivo acelerado pela globalização que a esquerda tanto demonizou e que, ironicamente, proporcionou que tantos países antes miseráveis hoje compitam com nações avançadas. Espero que vc melhore. Não só a saúde, como também os argumentos. Abraço!

    • Olimpio Alvares

      É mesmo é? Por que?

      • João Paulo Rodrigues

        Um cara que trata adversários políticos como doentes lembra muito o perfil dos que inventaram campos de concentração nos anos 30 na URSS e na Alemanha. Era o mesmo mindset: como o sujeito pode ter uma posição política criminosa? No fundo, o autor pode ter abandonado certo esquerdismo, mas certo esquerdismo não abandonou o autor.

        • Amilton Aquino

          Amigo, vc já ouviu falar de uma coisa chamada ironia? É claro que não acho que tais pessoas são doentes de fato. Apenas peguei o mote da Tati que citou seu processo de “cura” e extrapolei para os demais petistas de forma irônica. Daí a me comparar a nazistas e comunistas aí já é apelar para a falácia do espantalho, né? Aliás, uma das mais manjadas táticas usadas pela esquerda para desqualificar o interlocutor. Será que foi de mim mesmo que o esquerdismo não saiu? Pelo menos vc coloca nazismo e comunismo no mesmo patamar. Nisso estamos juntos. 😉

          • João Paulo Rodrigues

            Você pode ter tentado ser sarcástico, cáustico, ou tentado usar uma metáfora. Mas afirmar o inverso do que escreveu é o que você não tentou afirmar.

          • Gustavo Branco

            Concordo com Dostiévski quando ele disse: “..a consciência exagerada é uma doença..” portando jamais concordarei que o autor deste artigo seja doente, é apenas mais um cão a ladrar enquanto a caravana passa. Aliás, o que esperar de alguém que ache que o comunismo e o nazismo estão (estiveram) no mesmo patamar simplesmente pelo fato de um ou ouro líder comunista não ter entendido sua essência?!

  • Marcelo Marques Costa

    Diz que o Brasil melhorou porque o mundo todo melhorou. Nem esse argumento é original. Quem diz isso são os mesmos que dizem, sem um pingo de vergonha, que usamos celulares em massa no Brasil graças ao FHC, e não à evolução da tecnologia.

    • Marly Danila Camargo

      O argumento pode não ser original,mas é verdadeiro.Ao contrário do outro que é apenas falacioso.A massificação da telefonia deu-se graças às privatizações levadas a cabo pelo governo FHC e não por causa da evolução tecnológica.E aqui temos que fazer justiça até ao governo Collor de Melo que acabou com a reserva de mercado.

      PS-Não gosto nem do PT e nem do PSDB.E muito menos do FHC.

  • Vafanculo

    continuar petista é fácil…afinal o petismo é somente uma religião fundamentalista, irracional e absurda como todas…e como disse Sto Agostinho: “creio pq é absurdo”…

    • Gustavo Branco

      O anti-petismo também é uma religião, tem seus preconceitos e suas paixões irracionais.

      • Tutameia

        nisso não posso deixar de concordar com vc…afinal como ja disse alguém “a revolução com base politico ideológica é a mais fútil e leviana de todas”.

  • Olimpio Alvares

    Este artigo é uma homenagem a Zé de Abreu. Agora só falta você!

  • Júlio Crespo

    Assino embaixo e reconheço firma.

  • Gustavo Branco

    Obs. Tati não deixou de ser petista, ela apenas não concorda 100% com o governo PT, deveria se informar melhor.