Brasil

A necessidade da troca de elites

por Elton Flaubert (18/08/2015)

O maior problema do Brasil é o de suas elites: iníquas e progressistas. Elites políticas, econômicas, intelectuais, artísticas, midiáticas

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A operação Lava Jato não é só a coisa mais importante que ocorreu na Nova República, como também deverá desencadear uma substituição de elites e uma profunda fissura nas certezas progressistas e no consenso social-democrata. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público nos revelaram que o chamado Petrolão foi uma aliança entre a elite política, a elite econômica e os tecnocratas burocratas.

Desde a Era Vargas, a economia brasileira tem aguda presença do Estado, constituindo-se num capitalismo de Estado, com traços característicos de compadrio, onde grandes grupos empresariais se beneficiam das benesses estatais. Estes possuem acesso ao crédito subsidiado, concedido com muitas vantagens pelos bancos estatais. O regime militar não rompeu de todo com o nacional-desenvolvimentismo, e viu no governo Geisel um recrudescimento do modelo estatista.

Durante o período Collor, Itamar e FHC aparentemente houve uma inflexão ao mercado, mas isto ocorreu apenas em parte. Mesmo com a venda de grandes empresas governamentais, o governo tucano apenas trocou a maneira do Estado atuar na economia. Sai de cena o monopólio estatal e entra uma espécie de oligopólio público-privado com a troca de favores entre grandes corporações e agentes reguladores. As agências reguladoras muitas vezes passam a atuar como lobistas das grandes empresas. Uma economia com a essência cronicamente vacilante dos tucanos.

O modelo da “terceira via” foi aprofundado pelo PT na construção de sua hegemonia, ainda acrescentando-lhe o financiamento público com juros subsidiados a grandes empresas. No governo Lula, o BNDES adotou o modelo de apoio aos “campeões nacionais”, subsidiando bilhões para empresas que seriam modelo e marca do país. A maior parte dos financiamentos concentrou-se em 12 grandes empresas. Com Dilma, a interferência do Estado e os retoques nacional-desenvolvimentista ficaram ainda mais claros.

Assim, a elite econômica se torna parte do Estado. Os grandes empresários estão sempre em negociação com o governo, pois isto lhes garante mais estabilidade frente à concorrência. O Estado concentrador das atividades econômicas, e extremamente regulador, torna os empreendedores de alto porte dependentes de favores e benesses. O modelo cria uma elite econômica extremamente dependente da elite política, e uma elite política com o poder suficiente para mobilizar e transformar a sociedade a partir de todas as outras elites que dela dependem. O PT não precisa acabar com o capitalismo ou ser sectário na política. Sendo pragmático, ele consegue tornar o poder político e o poder econômico coincidentes, orientando as instituições a se tonarem um Estado socializante que reforma e intervém na sociedade, criando um processo de hegemonia.

A banca do Petrolão reunia elite política, elite econômica, burocracia. Isto afeta também a elite midiática, a elite artística e a elite intelectual. Provavelmente, a operação Lava Jato irá estraçalhar a elite política e afetar partes importantes da econômica. Diferente do impeachment de Collor, dessa vez não é só um presidente que está na berlinda, mas todo um esquema, um modus operandi e mesmo uma maneira de conceber as coisas da maior parte de nossas elites. O que está em jogo não é só o PT, mas o consenso social-democrata da Nova República, essa confluência das elites, o seu manejo do patrimonialismo e a forma de interpretar e se aliar ao populacho, ao Brasil profundo.

Uma das questões mais interessantes é o comportamento da imprensa durante a era petista. Acusada pelo petismo de perseguição, na verdade ela é composta em sua maioria por progressistas de esquerda. Boa parte das redações e do colunismo é composta por petistas ou simpatizantes. Os donos dos jornais também são, em sua maioria, progressistas, mas com predileção pelas ideias da “terceira via”. Os petistas só acusam a imprensa de perseguição porque possuem no Pravda ou no Granma o modelo ideal. Qualquer notícia negativa divulgada é alvo de choro, mas poucos foram tão poupados pela imprensa quanto Lula – antes da presidência, durante a crise do Mensalão (onde se fez todo um esforço para dissociá-lo) e, principalmente, no seu segundo mandato, quando foi exaltado em pleno delírio coletivo do “Brasil potência”. Ninguém chega a 90% de aprovação enquanto o assalto ao Estado corre solto, sem proteção da elite midiática, econômica, intelectual e política (sim, uma oposição ausente e omissa). A empresa Globo, tão acusada de golpismo pela esquerda delirante, tem o seu jornalismo orientado pelas ideias de centro-esquerda (liberal-social mais precisamente), na TV aberta ou fechada. A Globo é uma tentativa de macaquear a NBC. Os donos da Globo não querem o impeachment porque desejam manter o consenso social-democrata e suas elites da maneira como se encontram. Eles estão assustados com a possibilidade de uma troca de elites.

Há na imprensa uma grande resistência aos atuais movimentos de rua, por sua orientação não ser de esquerda, já que para o consenso social-democrata ir para a direita é uma grande radicalidade. O jornalismo da Rede Globo, que sempre tenta reivindicar o misticismo do dar voz aos dois lados, logo após as passeatas de 15 de março chamou um ex-ministro do STF para negar que haja materialidade para o impeachment. Ives Gandra ou Modesto Carvalhosa não foram convidados. Não se trata de uma questão jurídica, mas do fato da crise colocar em cheque toda a banca da Nova República e suas elites. Não é só o PT que corre risco, mas quem do petismo – e de seu projeto de hegemonia – se locupletou de alguma forma.

Diante desses fatos, confia-se cada vez menos na grande imprensa, o que é comprovado pelo crescimento vertiginoso de sites independentes de notícias como O Antagonista. Isto ocorre porque uma fissura foi aberta no consenso social-democrata e nas ilusões progressistas.

Nos últimos anos, ocorreu uma ascensão de setores médios da sociedade, entre as elites progressistas e o populacho, que passaram a se informar cada vez mais sobre política, a cobrar seus representantes. Pegue parte dos setores médios que passaram a duvidar da esquerda e adicione uma maior organização do populacho contra pautas do petismo, como legalização do aborto e ideologia de gênero, e a união resultante fomenta a resistência ao petismo.

Há uma insatisfação latente, prestes a explodir, do povo brasileiro contra suas elites iníquas. Elas querem manter a maioridade em 18 anos e não aumentar a rigidez das penas – o povo não aguenta mais tanto bandido e quer leis mais duras. Elas querem legalizar o aborto em nome da liberdade – o povo tem verdadeiro horror a isto. Elas querem legalizar as drogas – o povo reza dia e noite para ninguém na sua família virar viciado ou cair nas garras do tráfico. Elas querem o poliamor e a desmistificação do casamento – o povo chama isso de falta de vergonha na cara mesmo.

O grande problema do Brasil há, pelo menos, mais de um século é a iniquidade de suas elites. Essa mesma iniquidade nos faz por vezes tender a adotar a fácil posição em prol do populacho, nos levando ao populismo.

Não existe sociedade sem elites. Antigamente, a aristocracia era formada de famílias sob as quais se organizava o povo. Cabia a ela a proteção do território e das tradições. No mundo moderno, as elites são mais porosas. No Brasil, elas possuem pouca noção de sua importância para que a sociedade se torne virtuosa, sendo ela própria um manancial de impropriedades. As elites são decisivas no declínio e ascensão de uma nação. Em especial, a elite intelectual.

A elite brasileira é iníqua, arrivista, carnavalesca, vive de aparências, tem orgulho do imoral e possui religião ou crenças esteticistas. Vive no turbilhão da cultura do repúdio, esperando pelo esplendor da nação, admirando as ideias progressistas e as maravilhas do progresso material e da liberdade. Não se preocupa com a verdade, com o justo, quando neles sequer acredita, mas antes com o prazer e la dolce vita.

As elites (e as ideias) progressistas estão em cheque diante do que a Lava Jato descobre e de sua repercussão. O país precisa de uma troca de elites. O consenso se enfraquece. As ruínas da Nova República já não comovem. Não sabemos se o desfecho a longo prazo da Lava Jato será este; tampouco dá para garantir que isto ocorrerá sem traumas ou que as novas elites serão melhores. Mas está claro que é preciso pôr fim à cultura do repúdio, reencontrar-se com nosso passado, entender nossos antepassados. O maior empecilho do Brasil são suas elites: iníquas e progressistas.

Elton Flaubert

Doutor em História pela UnB.