Atacar um boneco, por mais ridículo que toda a história seja, passa a imagem de uma militância descontrolada
Ao “atentar” contra o Pixuleco (Lula inflável) os governistas deram visibilidade (maior) a ele – e à oposição – e ainda saíram com fama de violentos e intolerantes. Uma verdadeira sucessão de erros e de total falta de habilidade política. É de se questionar onde foram parar os estrategistas do partido, onde foram parar os políticos.
Tudo bem que a ação foi, digamos, perpetrada por uma militante da UJS, a infantil e totalitária organização juvenil do PCdoB (também conhecido como PSeudoB), então não podemos esperar que algo de bom ou inteligente saia de onde não há inteligência ou capacidade política para além da cooptação, manipulação e fraudes eleitorais (a UNE que o diga), mas é notável a falta de preparo e capacidade política dessa nova turma de militantes políticos de carteirinha e da inércia da turma da velha-guarda.
Antes de mais nada deixo algo claro: não tenho a mais remota simpatia pelos criadores do boneco inflável do Lula e nem por suas agendas.
O boneco vinha ganhando fama pelas redes mais em tom de galhofa do que de efetivo apoio. Comentários jocosos dominavam, ao passo que a grande mídia dava atenção apenas protocolar ao inflável. A ação inconsequente dos governistas acabou por ampliar o interesse sobre o boneco, garantir um espaço (maior) na mídia e transformar os responsáveis (materiais e, digamos, intelectuais) em intolerantes raivosos (o que de fato são, mas não era preciso espalhar, certo?).
Ao invés de ignorar ou de propor um debate efetivamente político, denunciando o ridículo do boneco, questionando quem o financiou e como, governistas preferiram partir para a violência (sim, violência, mesmo que contra um boneco). E isto diz muito sobre o modus operandi dos membros do PT e PCdoB nos últimos anos. É a denúncia, mais uma vez, da total incapacidade de ambos os partidos e seus membros de realizarem um debate político sério, de realizarem autocrítica, de proporem algo de forma coerente.
Oras, como você consegue dialogar com opositores se baseando em política e argumentos quando seu programa é basicamente o mesmo (até piorado) da oposição de direita? Claro que isso também é uma demonstração da incapacidade política da própria oposição de direita (como se um boneco do Lula com uniforme prisional não fosse o suficiente), que não apenas não consegue propor nada politicamente, como protesta contra um governo que basicamente é o seu governo dos sonhos – ou deveria ser. É uma disputa de dois lados muito parecidos, senão iguais, mas que se odeiam apenas porque… bem, apenas porque se odeiam. Não há absolutamente conteúdo político, há apenas o vazio completo que se tornou a política brasileira (ou amenos a política partidária e institucional).
É preciso ainda lembrar dois episódios emblemáticos do passado recente do país para demonstrar a total incapacidade política destes governistas.
Primeiro, vamos a 1998:
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) do Distrito Federal promoveu neste sábado a malhação de Judas com um boneco de 12 metros representando o presidente Fernando Henrique Cardoso. Foram gastos 120 metros de tecido, isopor e espuma.
Ao lado do boneco de FHC estavam “sete anões” -políticos que apoiaram a aprovação das reformas administrativa e da Previdência. Os bonecos custaram R$ 10,8 mil. O dinheiro foi arrecadado entre os sindicatos filiados à central. A CUT vai tentar incluir o boneco no Guiness, livro que registra os recordes mundiais.
Os cariocas também malharam bonecos de judas representando o presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador Marcello Alencar, o prefeito Luiz Paulo Conde e até o deputado federal Sérgio, seguindo a tradição do Sábado de Aleluia.
E depois vamos a 2012:
Um protesto na noite de quinta-feira no centro de Porto Alegre derrubou o mascote da Copa do Mundo de 2014. Literalmente. Durante manifestação de um ato combinado pela internet, o boneco gigante do tatu-bola exposto no Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, foi destruído.
O Jornalismo B descreveu, na época, o ocorrido. E, como lembrou o ativista José Afonso da Silva:
Na época, o governo Dilma, seu ministro José Eduardo Cardoso, o ministro dos Esportes Orlando Silva (PCdoB, ex-UJS e ex-presidente da UNE) chegaram a falar na utilização da Lei de Segurança Nacional contra os manifestantes que detonaram com o Fuleco.
As lideranças falaram, a “militância” aplaudiu, para logo depois, em junho de 2013, fazer coro de “vai PM” contra manifestantes.
São três reações diferentes da militância governista. E três situações com paralelos claros.
Em 1998 foram os atuais governistas – então na oposição – a malhar um boneco do presidente. Em 2015 a situação se inverteu, a oposição resolveu malhar o boneco do presidente (ex-presidente, mas um símbolo do governo ainda e atuante) e a reação dos antigos “malhadores” foi a mais estúpida possível.
Ao passo que em 2012 manifestantes contra a Copa e a privatização do espaço público destruíram um boneco que, para o governo do PT e seus militantes, tinha significado, e sua reação foi a de atacar e criminalizar os responsáveis (e na verdade todos que protestavam contra a Copa). Ao que parece a militância governista gosta de fazer/patrocinar bonecos, mas não tolera que mais ninguém faça ou que acabe com a brincadeira.
A intenção dos petistas em 1998 foi claramente de dar uma declaração política inequívoca, de confrontar, de subir o tom contra o governo FHC. Naquele momento fazia todo sentido. Mas vamos nos concentrar em analisar as intenções políticas por trás da ação de manifestantes em 2012 e a ação de governistas hoje.
Qual era a intenção dos manifestantes em 2012? Dar uma declaração política contundente, chamar para o embate e o enfrentamento político – uma agenda bastante semelhante à do PT de 1998 – e deixar claro que não iriam tolerar nem a privatização do espaço público e nem a continuidade dos crimes cometidos em nome da Copa pelos governos federal e estaduais, além de servir como resposta à violência que os ativistas estavam sofrendo naquele momento (e em outros) por parte da polícia em Porto Alegre.
Ou seja, havia uma intenção de contestação, de desafio e mesmo de autodefesa na ação de 2012, tudo o que falta em 2015.
O PT é governo (assim como o PCdoB de onde saiu a esfaqueadora de bonecos), detém o poder efetivo do país, tem o apoio de parte considerável da elite nacional (os Setúbal que o digam), detém uma mídia favorável paga, acredita-se, com dinheiro público e está, ao mesmo tempo, envolto em denúncias de corrupção que abalam o governo e colocam em dúvida sua continuidade. Tudo que o PT não precisa é, em meio a ânimos acirrados na disputa PT versus PSDB (uma batalha de iguais), criar ainda mais argumentos contrários a si e animosidade.
Acuado, atacar um boneco, por mais ridículo que toda a história seja, passa a imagem de um partido acuado, de uma militância descontrolada. É um ato político impensado, burro.
Se os manifestantes em 2012 precisavam chamar atenção para sua agenda – e em meio à repressão que sofriam uma resposta violenta fazia sentido -, o PT não precisa chamar atenção de forma violenta para sua falta de agenda, assim como não precisa jogar mais lenha na fogueira em um momento em que é o governo que está no fogo.
Raphael Tsavkko Garcia
Formado em Relações Internacionais (PUC-SP), mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto).