Coletânea traz textos fundamentais, mas acabou deixando de fora muitos autores clássicos em detrimento de outros menos essenciais.
O debate intelectual no Brasil, nas mais diversas áreas e com raras e notáveis exceções, pode ser caracterizado de duas formas. Por um lado, é um debate anêmico. Tanto na academia, como fora dela, o Brasil é um país que pensa (e se pensa) pouco. Não é difícil perceber como o saber é mal visto em nosso país. Podemos, inclusive, dizer que o brasileiro não só desconfia do conhecimento (e daqueles que se interessam por conhecer), como também que sente orgulho da sua ignorância. Assim, já nas escolas e, depois, nas universidades, “descolados” ou “legais” são aqueles que mostram não saber e até fazem troça com aqueles que se interessam por estudar. Hoje em dia, talvez pela confluência do espírito da maioria da nossa nação com o espírito do tempo, o Brasil parece, com essa marca, estar em sintonia com o restante do planeta.
A segunda característica de nosso debate intelectual é a sua falta de entendimento dos fundamentos das posições atuais. É fácil encontrar – certamente mais fácil no debate público presente nos jornais ou na internet – pessoas que defendem certas visões de mundo, mas que nada sabem sobre como (a partir de quais problemas e tendo em vista quais textos) aquela posição foi construída. Assim, por exemplo, temos aqueles que se dizem liberais e não conhecem textos básicos para a formação do liberalismo ou a própria história do liberalismo tanto no mundo como entre nós; ou aqueles que dizem defender o pensamento de, por exemplo, Foucault e nada conhecem dos textos que influenciaram o pensamento deste escritor ou dos problemas aos quais ele pretende responder.
Parece ser pensando nessas duas características que Danilo Marcondes e Noel Struchiner publicam Textos básicos de Filosofia do Direito. O livro apresenta 25 excertos de textos considerados básicos para a Filosofia do Direito pelos autores, juntamente com um pequeno comentário e com questões propostas para debate em sala de aula (ou para a reflexão do leitor). Os textos cobrem 2500 anos de pensamento a partir do Direito e passaram por uma excelente tradução – especialmente se levarmos em consideração que os originais estão em 6 línguas diferentes! –, com a participação de alguns nomes consagrados no mercado editorial brasileiro. Merece menção, também, a excelente ideia de começar o trabalho com Antígona, de Sófocles. Além de reconhecer a importância desse texto para o pensamento jurídico, também mostra ao estudante iniciante a importância da literatura para a Filosofia do Direito.
Em um trabalho desse tipo, fatalmente existirá o questionamento sobre as escolhas dos textos e dos pensadores. Neste sentido, os autores buscaram dividir as contribuições entre a antiguidade clássica (Grécia e Roma), a idade média, a modernidade e a contemporaneidade a partir de duas linhas: primeiramente, uma introdução ao pensamento filosófico a partir do Direito; em segundo lugar, a apresentação do debate contemporâneo. E aqui começam os problemas do livro. Embora os autores justifiquem na apresentação o modo como o trabalho foi realizado, causa estranheza o fato de um trabalho intitulado como “textos básicos” ter nada menos do que 8 dos seus 20 filósofos escrevendo nos séculos XX e XXI. Por mais que se queira mostrar ao leitor o estado do debate atual, o livro parece sofrer, assim, de uma espécie de “esquizofrenia”.
Além dessa discrepância, o livro apresenta outra muito importante. O Brasil está inserido na tradição jurídica continental, isto é, naquela que se espraiou do continente europeu para o resto do mundo. Pois bem, o livro apresenta apenas um único autor do século XX desta tradição: todos os outros escrevem a partir da influência da tradição do common law (tradição de origem britânica). Parece, então, que o livro busca inserir-se na atual onda de interesse por autores do direito insular que muito tem influenciado a produção não só acadêmica, bem como aquela dos nossos legisladores (uma das redações do projeto do CPC teve um grande exemplo dessa influência).
Entretanto, mesmo os autores atuais incluídos têm importância menor dentro do quadro da filosofia jurídica anglo-americana. Neste sentido, sentimos uma falta imensa de Ronald Dworkin. Por mais que os autores digam que quiseram privilegiar autores que não têm bibliografia publicada em português, parece-nos que a proposta do livro fica solapada: ou temos “textos básicos”, ou temos uma coletânea de textos “ainda sem versão em português”. Levando-se em conta, ainda, que os excertos são curtos – nenhum contando com mais do que 10 páginas –, não temos como dar razão ao argumento dos autores.
Portanto, o título da obra não se justifica – mesmo com as explicações dos autores –, já que temos muito mais uma tentativa de informar o estudante iniciante sobre os debates atuais na Filosofia do Direito do que uma seleção de textos básicos de Filosofia do Direito. Assim, mesmo os textos mais antigos são utilizados como forma de introduzir questões ou problemas nos presentes no pensamento dos filósofos atuais. Para ser mais honesto com o título, talvez pudessem ter sido abordados menos autores, mas os excertos dos textos pudessem ter sido mais significativos. Então, poderiam ter aparecido outros autores muito importantes para a história da Filosofia do Direito como Hobbes, Locke, Jeremy Bentham, Hans Kelsen e Dworkin (talvez até Carl Schmitt). Deste modo, o nosso receio é que muito pouco este livro contribua para remediar as razões da nossa miséria intelectual.