Anulados os direitos políticos democráticos e sem oposição, não existe nenhum vestígio do pluralismo que manda a Constituição.
Carlos F. Chamorro, Confidencial
(jornalista nicaraguense)
trad. Daniel Lopes
A destituição ilegal de dezesseis deputados titulares e doze suplentes eleitos em 2011 pelo opositor Partido Liberal Independente (PLI) representa o preâmbulo do novo sistema político que se pretende institucionalizar nas eleições de seis de novembro. Assim como o somozismo com o Partido Liberal Nacionalista e seu sistema de “minorias congeladas”, o orteguismo está instituindo sua própria versão de um regime de partido hegemônico com a Frente Sandinista de Libertação Nacional e seu bando de colaboracionistas. Ambos pertencem à mesma raça de “sanguessugas” do erário público. A diferença é que a ditadura dinástica anterior só podia contar com um partido parasita para dar aparência de formalidade democrática eleitoral – o PLI histórico nunca pactuou com Somoza –, enquanto que Daniel Ortega e a FSLN dispõem de um amplo leque de micropartidos satélites: PLC, PLI, PC, APRE e vários outros.
Essa aparente vantagem significa apenas que a corrupção pública e a degeneração da classe política agora se multiplicaram. O que, paradoxalmente, conspira contra a sobrevivência do orteguismo, pois sua própria cúpula familiar, seu entorno empresarial e as possibilidades de manter e expandir sua base social dependem cada vez mais de um sistema que está podre desde a raiz, tendo como sustento a corrupção da política.
Do ponto de vista formal, o orteguismo alega que não é um regime de partido único, pois além da FSLN existem outros dezessete partidos que gozam de pessoa jurídica. Não obstante, anulados os direitos políticos democráticos e sem oposição, não existe nenhum vestígio do pluralismo que manda a Constituição. Todas as lideranças opositoras autenticamente democráticas, da centro-esquerda à centro-direita, foram decapitadas sem qualquer justificativa legal, em um ato de repressão baseado apenas em razões políticas.
Do Movimento Renovador Sandinista, despojaram sua pessoa jurídica em 2008, enquanto que do movimento liberal liderado por Eduardo Montealegre, arrebataram duas vezes a representação legal – primeiro em 2008, ao lhe retirarem a Aliança Liberal Nicaraguense (ALN), e em junho deste ano, em uma dupla vingança política, a guilhotina caiu outra vez no PLI, sem que isto signifique o ponto final da onda de perseguição.
Estamos, portanto, diante de um regime autoritário que não tolera qualquer tipo de concorrência nos espaços institucionais ou autonomia nos poderes de estado, e que diante de qualquer protesto social ou desafio político nos espaços públicos recorre à repressão paramilitar ou policial. O monopólio da política nas ruas, sem oposição, sempre foi um dos pilares da estabilidade autoritária, na qual se apoia a aliança econômica com o grande capital.
Ainda assim, apesar da aparente força do orteguismo para as eleições de novembro, o terceiro mandato consecutivo de Ortega se projeta sob o signo da incerteza. Não apenas pelos ventos econômicos desfavoráveis e a redução da cooperação venezuelana que terão impacto nos próximos anos, mas também porque, sob um regime extremamente personalista, a corrupção e a repressão tampouco oferecem garantias permanentes de estabilidade.
O emblemático caso de corrupção envolvendo o presidente da Empresa Administradora de Aeroportos Internacionais, do qual a presidência cuida como um assunto “privado”, é um exemplo dos novos tempos que se avizinham. Na contramão da retórica oficial que proclama a vocação do regime para os pobres, a corrupção e o desperdício são uma doença que a classe governante e seus amigos já não podem esconder, aliás agravando-a quando preferem administrar o escândalo público como um “assunto de família”.
Ortega sobreviverá ao desgaste causado pela corrupção desenfreada, parasitismo institucionalizado e efeito nocivo do personalismo na centralização do poder lançando mão de mais repressão? A liquidação do pluralismo político sugere que o regime está se preparando para os tempos difíceis.
O Conselho Superior da Empresa Privada fez um diagnóstico correto da nova situação que ameaça o clima de negócios, alertando que a destituição ilegal dos deputados opositores afeta a democracia, o pluralismo e a divisão de poderes. Mas a cúpula empresarial não se atreve a atiçar a onça, e se dilui em um chamado para que os “atores políticos” colaborem com a solução do problema, fugindo da responsabilidade dos grandes empresários.
Como aliados e beneficiários do regime corporativista de Ortega, os grandes empresários são também atores políticos, no momento em que silenciam diante da corrupção e da falta de transparência pública. E também interveem na política, quando promovem campanhas cívicas para incentivar o voto, se fazendo de idiotas diante das flagrantes violações perpetradas contra o sistema democrático, que reduziram o direito de livre escolha. A anulação definitiva do pluralismo político está colocando o empresariado diante de uma encruzilhada: manter um silêncio cúmplice ou assumir o risco de se converter em um ator político democrático.
Nas eleições de seis de novembro, sem concorrência e sem transparência, não estará em jogo o poder da FSLN, mas sim a legitimidade futura do regime de Ortega. Seu único obstáculo no momento, enquanto não surgem novas lideranças que possam abrigar uma bandeira de mudança, é que não há por que nem por quem votar.
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