Já vimos essa evasão de Donald Trump outras vezes.
Stephen F. Hayes* | The Weekly Standard
trad. Daniel Lopes e Fabrício Tavares
Donald Trump é um crítico inflexível de tudo o que considera não-americano. Neste sábado, ele foi flexível.
A essa altura, já sabemos como Donald Trump age quando quer condenar alguém. Brit Hume é “tolo” e um “sabe-nada”. Mika Brzezinski é “besta como uma pedra” e “louca”. Bill e Hillary Clinton foram “os verdadeiros predadores”. Ted Cruz é um “doido” e “fracote”. Chick Todd, “patético” e “muito desonesto”. James Comey, “maluco”. Funcionários da Intel que vazaram informações são “vadios” e democratas são “hipócritas impostores”. Já deu para ter uma ideia.
Trump é rápido no gatilho para condenar – em termos específicos e duros – qualquer um de quem não goste. Ele é brusco, direto e politicamente incorreto.
Então chamou a atenção quando, no sábado, Trump se recusou a denunciar os supremacistas brancos e neonazistas cujo evento em Charlottesville, Virgínia, acabou em violência. Os racistas caminharam pelas ruas carregando bandeiras nazistas e tochas, cantando “Não tomarão nosso lugar” e “Sangue e solo”. Eles insultaram manifestantes do outro lado e transeuntes inocentes.
Não obstante, quando tal comportamento agressivo desencadeou confusões e violência nas ruas daquela pacata cidade universitária, o presidente preferiu não condená-los. O que ele ofereceu foi uma declaração covarde, hesitante e passiva, criticando uma intolerância genérica de grupos não nomeados.
“Condenamos nos termos mais fortes possíveis essa flagrante exibição de ódio, fanatismo e violência dos vários lados”, disse o presidente em um pronunciamento ao vivo. “Dos vários lados”.
Se essa declaração genérica e ambivalente fosse uma anomalia, seria possível desconsiderá-la facilmente. Esperaríamos ter sido apenas um descuido e desejaríamos que Trump fosse mais presidencial. Mas já vimos isso antes.
Em 26 de fevereiro de 2016, Trump deu entrevista para a mídia. Um repórter perguntou ao emergente republicano sobre um apoio espontâneo que recebera do ex-líder da Ku Klux Klan, David Duke. Duke dissera aos ouvintes de seu programa de rádio para serem voluntários na campanha de Trump: “Vocês encontrarão pessoas com o mesmo tipo de mentalidade que vocês têm.” Ele disse: “Votar contra Donald Trump a essa altura é trair sua herança.”
Trump não ficou feliz com a questão. “Eu nem sabia que ele me apoiava. David Duke declarou apoio a mim? Tudo bem”, disse Trump dando de ombros. “Eu rejeito, ok?”
A rejeição relutante de Trump atraiu crítica de um amplo espectro de políticos e grupos de direitos civis, incluindo a organização judaica Liga Antidifamação. Dois dias depois, Jack Tapper, da CNN, deu a Trump uma chance de melhorar aquela rejeição irresoluta. “O senhor condena inequivocamente David Duke e declara não querer seu voto e os votos de outros supremacistas brancos nessa eleição?”
Trump não condenou inequivocamente. Ele não condenou de jeito nenhum. Ao invés disso, respondeu com um emaranhado de meias-verdades, desorientações e jargões trumpianos que servem para evitar a condenação de algo.
“Bem, só para que você entenda, eu não sei nada sobre David Duke”, disse Trump. “Nem sei qualquer coisa sobre o que você está falando sobre supremacia branca ou supremacistas brancos. Então, não sei. Não sei – ele me deu apoio ou o quê? Porque, sabe como é, eu não sei nada sobre David Duke. Não sei nada sobre supremacistas brancos. E você está me perguntando sobre algo que eu devia falar sobre pessoas que não conheço.”
É claro que Trump sabia quem é David Duke – qualquer consumidor casual de notícias dos últimos vinte anos sabe quem é David Duke. Em 2000, Trump mencionou Duke como uma razão para ter reservas em se filiar ao Partido da Reforma, e naquela época parecia conhecer muito bem a história de Duke. (“Bem, David Duke acabou de se filiar – um fanático, um racista, um problema. Digo, esse não é exatamente o tipo de gente que você quer no seu partido.”) Além disso, apenas dois dias antes da entrevista à CNN Trump fora perguntado sobre Duke e sabia o bastante sobre a figura para soltar uma rejeição sem convicção.
Taper pressionou. “Acho que a questão da Liga Antidifamação é que, ainda que você não saiba a respeito daquilo que eles aprovam, existem esses grupos e indivíduos que te aprovam; você simplesmente diria, de modo inequívoco, que os condena e não deseja o apoio deles?”
“Bem, eu teria que dar uma olhada no grupo. Não sei de que grupo você está falando. Você quer que eu condene um grupo do qual não sei nada. Olha, se você me mandasse uma lista de grupos, eu pesquisaria sobre eles e certamente desaprovaria, caso acreditasse que havia algo de errado”, disse Trump.
“A Ku Klux Klan?”
“Você pode ter grupos que são totalmente válidos e seria algo muito injusto, então dê-me uma lista dos grupos e eu te informarei.”
“Ok, estou falando aqui somente de David Duke e da Ku Klux Klan.”
“Sinceramente, não conheço David Duke”, Trump afirmou a Tapper. “Não tenho certeza de tê-lo encontrado alguma vez – tenho absoluta certeza de que não me encontrei com ele. Não sei nada sobre ele.”
Esse diálogo não foi apenas uma falha em denunciar Duke e os grupos supremacistas brancos; foi uma recusa em fazê-lo. E o flerte neonazi de Trump trouxe ainda mais críticas ao então candidato à presidência do partido Republicano.
Como sempre, Trump apresentou uma explicação. “Estou sentado dentro de uma casa na Flórida, com um pequeno aparelho receptor no ouvido que eles me deram, e quase não conseguia ouvir o que ele estava dizendo”, disse Trump no programa Today da NBC, no dia seguinte. “O que entendi foi ‘vários grupos’. E eu não me importo em desaprovar ninguém, e eu desaprovei David Duke.”
Tapper mencionou David Duke e a Ku Klux Klan duas vezes cada um deles, e uma vez os supremacistas brancos. E Trump repetiu, em suas respostas, as mesmas palavras utilizadas nas questões. Mas, é claro, Trump ouviu somente “vários grupos”.
Por que Trump faz isso? Ele é racista? Simplesmente simpático ao tipo de racismo adotado pela “alt-right”? Ou sua impulsividade é somente para criticar pessoas que se opõem a ele e louvar – ou, pelo menos, abster-se de criticar – aqueles que o apoiam?
A despeito – ou talvez por causa – dos repúdios tímidos de Trump no passado, os supremacistas brancos ainda pensam que Trump está, no mínimo, aberto a eles. No comício à tarde do sábado, David Duke disse: “Cumpriremos as promessas de Donald Trump.” E após os reparos na fala de Trump, Duke o encorajou a “dar uma boa olhada no espelho e lembrar que foram os americanos brancos que te colocaram na presidência, e não esquerdistas radicais.”
Outros supremacistas brancos estão convencidos de que o presidente Trump está mais do que simplesmente aberto a eles. O site supremacista Daily Stormer organizou um liveblog do comício em Charlottesville e abertamente celebraram a recusa de Trump em denunciá-los: “Nenhuma condenação… Quando solicitado a condenar, [Trump] simplesmente deixou a sala… Deus o abençoe.”
O presidente Trump construiu sua reputação com conversas duras e condenações ríspidas a pessoas que mereceram sua desaprovação. O fato de que ele se recusou em demonstrá-las no sábado não é acidental.
E também não é surpreendente.
______
* Stephen F. Hayes é editor-chefe da Weekly Standard e comentarista da Fox News
Amálgama Traduções
Além de textos exclusivos, também publicamos artigos traduzidos.