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A ciência não explica tudo, mas explica Deus?

por Daniel Lopes (30/09/2008)

por Daniel Lopes – Se houvesse por aí um livro com o subtítulo “Evidências científicas da não-existência de Deus” eu ainda assim iria atrás de ler, porque com quase absoluta certeza seria um festival de abobrinhas divertidas e perda de tempo, com ampla vantagem para as abobrinhas divertidas. E se o subtítulo é “Evidências científicas […]

por Daniel Lopes – Se houvesse por aí um livro com o subtítulo “Evidências científicas da não-existência de Deus” eu ainda assim iria atrás de ler, porque com quase absoluta certeza seria um festival de abobrinhas divertidas e perda de tempo, com ampla vantagem para as abobrinhas divertidas. E se o subtítulo é “Evidências científicas da existência divina”, aí então é que a coisa promete mesmo. Pois este é exatamente o subtítulo de Deus não está morto (Aleph, 2008), do crente e cientista (claro! claro!) indiano Amit Goswami.

Todas as minhas esperanças e idéia original de levar o livro do senhor Goswami muito a sério ficaram aí por entre o Prefácio e o Prólogo. Eu tenho inclusive que parar de ler esse tipo de autor, senão daqui a pouco vou acabar me transformando num detestável ateu praticante, eu que estou tão feliz (conformado, se quiserem) em minha condição de ateu não praticante, ou agnóstico, ou sei lá o quê – vai ver nutro apenas a mais absoluta desconfiança pelas religiões instituídas, e não tenho nenhuma querela com o Homem, em especial. No primeiro semestre li I don’t believe in atheists, de Chris Hedges (escrevei sobre alhures), e encerrei a leitura quase achando os 10 Mandamentos do Dawkins uma genialidade.

Acreditem em mim: não é possível explicar a existência ou a não-existência de Deus. Pelo menos explicar de uma forma que seja compreensível para mais de 1 por cento da humanidade, ou seja, de uma forma que não seja pura embromação. Então, você me pergunta, se quase todos os humanos não podem entender uma lógica dedicada a explicar a existência de Deus, como é que quase todos acreditam Nele? Bem, pela mesma razão pela qual eu não acredito: por nada – ou por inércia – ou por preguiça (uma colega do Encontro de Jovens me disse, dentro de um ônibus, para (perdão) Deus e o mundo, que eu não sou ateu, e sim um preguiçoso, que tenho preguiça de ir nas missas e nos Encontros disso e daquilo; não pude refutá-la).

Não é que as explanações dos teólogos não tenham qualquer utilidade. Sem elas, sem dúvida haveriam menos motivos para rir neste vale de lágrimas. Padre Copleston, em célebre debate com o cientista Bertrand Russell, pergunta se ele, Russell, pode provar que Deus não é uma realidade. Russell diz que provar isso ele não pode, e que portanto, desse ponto de vista, é um agnóstico. Mas o padre Copleston, esse sim, pode provar a existência do Senhor. Filosoficamente:

Tome a proposição “se há uma existência contingente, há uma existência necessária”. Considero que essa proposição expressa de maneira hipotética é uma proposição necessária. (…) Mas a proposição é uma proposição necessária somente diante da suposição de que a existência contingente existe. Que há um ser contingente que realmente existe é algo que tem de ser descoberto pela experiência, e a proposição de que existe um ser contingente certamente não é uma proposição analítica, apesar de, uma vez que se sabe da existência de um ser contingente, devo reiterar, segue-se a isso a necessidade da existência de um ser necessário.

Não é óbvio?

É bem verdade que entre “evidências da não-existência de Deus” e “evidências da existência divina” ainda fico com a primeira, pois pro bem ou pro mal os meus sentidos só percebem o material e o que dele provém, e a minha mente só processa o que meus sentidos percebem, ou, no máximo, bola de vez em quando uma das suas em períodos de sono – o que, afinal de contas, não passa de mais uma conseqüência das percepções nos períodos de vigília. Se, no fundo, não é assim, e eu estou errado, a culpa é de Deus, por me ter brindado com uma mente tão limitada. Ou vai ver a existência de mentes inacreditavelmente limitadas como a minha também são frutos de Sua inteligência e bondade, embora não bondade para comigo, mas com aqueles que acreditam em Sua existência, posto que a crença só existe em contraponto com a descrença, e vice-versa.

Amit GoswamiMas esqueçam a filosofia do padre Copleston, e bem-vindos à ciência do senhor Amit Goswami. Ou melhor, à “nova ciência” do senhor Goswami, pois é com esse termo que ele orgulhosamente classifica o campo em que atua e onde situa sua teoria. O título do seu livro, claro, é um contraponto à célebre frase de Nietzsche. E, indiretamente (na verdade, diretamente, como fica provado ao longo da obra), uma ratificação da famosa frase daquela personagem dostoievskiana, para quem, se Deus não existe, então tudo é possível. Não lembro agora quem disse certa vez que, efetivamente, se Deus não existe, tudo é possível – inclusive viver como se Deus existisse. Mas, adiante.

O Deus do cristianismo popular não serve ao senhor Goswami – Ele não passaria de um “Deus de palha”. Os cristãos discordam, mas a existência desse ser superior – aparentemente tão simples, patente, evidente, clara e fácil de ser comprovada – tem mesmo esse poder de suscitar controvérsias infinitas e onipresentes. É que o autor precisa de um deus mais, hum…, natural, ou seja, com mais conexão com o material, sem a qual sua idéia de atestar Sua existência através da ciência dará em nada com coisa nenhuma.

No entanto, o autor reconhece que, apesar das infindáveis discordâncias entre religiões e seitas, todas identificam em Deus (seja lá qual for sua verdadeira identidade) “três aspectos fundamentais”, que ele enumera na primeira página de seu Prefácio:

O primeiro aspecto é que Deus é um agente de causação acima da causação que provém do nível terreno e mundano. Segundo, há níveis da realidade mais sutis do que o nível material. E, terceiro, há qualidades divinas – o amor é uma das mais importantes – às quais todas as pessoas deveriam aspirar e que a religião deseja mostrar e ensinar.

Sobre as “causações”, nenhum teórico conseguiu explicar razoavelmente (o que dizer cientificamente) até hoje qual foi a causa de Deus. Um outro Deus? Neste caso, a quem adorar, ao Deus 1 ou ao Deus 10? Deus não pode ter criado a Si mesmo, pois, segundo os crentes, nada surge do nada – pelo menos é o que eles dizem quando criticam a teoria evolucionista. Segundo, as “realidades” que fogem (ainda ou para sempre) da mera explicação material têm realmente que ser provas de uma existência divina? Ou será que o senhor Goswami está pensando nas atitudes humanas que não podem ser “explicadas” cientificamente? É verdade, às vezes, raramente, acontece de alguém levar um tapa e, em seguida, dar a outra face. Mas essas atitudes têm que ser provas da existência de Deus? E depois, fora o fato de que não se precisa ser um crente ou ter religião para cometer atos de bondade, não são apenas atitudes de perdão e de amor que são por vezes inexplicáveis. E no caso daquele pai de família que todos têm como exemplar e que, de repente, violenta e mata a filha pequena? É isso um atestado da existência de Deus? Como já disse Christopher Hitchens, se Deus realmente queria uma espécie que fizesse da bondade o motor da vida na Terra, melhor teria feito em criar algo muito diferente do homem.

De qualquer forma, para Goswami esses “aspectos fundamentais” que unem as desunidas facções de crentes não passam, por assim de dizer, de abstrações – embora sirvam de fonte inesgotável para discursos proselitistas. Ele, não esqueça, está interessado é na comprovação científica da existência de um ser superior a todos nós. Daí, as “assinaturas quânticas do divino” e os “domínios sutis da realidade”.

É que a física quântica, nascida para explicar o comportamento da matéria e da energia dos átomos e subátomos, e que hoje também serve para se estudar fenômenos macro como o Big Bang, inevitavelmente, segundo Goswami, com seus pontos não explicáveis acaba por provar a existência de Deus, já que põe em xeque o determinismo causal da “velha ciência” de Descartes, Galileu e Newton. Sim, nosso autor acredita que “a única explicação possível” para o inexplicável é que ele é “causado pela intervenção de Deus”. Pensando assim, quem precisa da velharia de um método que busca compreender cientificamente o que ainda não foi esclarecido, se o não esclarecido é nada mais que a prova… etc? Agora imaginem se tivessem tido que louvar o inexplicável que um dia foram a rubéola, a malária e a AIDS. Nada animador, não é verdade?

Por falar em doenças e curas, o que na verdade o senhor Goswami quer dizer na passagem seguinte?

A ciência materialista tem tido muito progresso e tem nos proporcionado muitas tecnologias úteis, mas quanto mais nós a aplicamos a problemas biológicos e humanos, menos parece capaz de nos oferecer soluções palpáveis.

Por ciência materialista, entendam a “velha ciência”, em contraponto à “nova”, espiritual. Parece até um estalinista falando da “arte burguesa”. Ou um extrato de discurso da Madre Teresa de Calcutá, que pregava aos miseráveis a resignação, mas, quando ela mesma teve um grave problema de saúde, pegou o primeiro vôo rumo a uma clínica californiana contaminada pela ciência burguesa, digo, materialista.

Daniel Lopes

Editor da Amálgama.

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