por Daniel Lopes — Recebi uma notícia no meu e-mail, publicada no final de agosto no site católico Zenit (“O mundo visto de Roma”) e encaminhado para o pobre Daniel nessa manhã de sábado pelo padre Osnildo Klann, que já tive o prazer de publicar mais de uma vez no Amálgama. Título: “Reconhecido cientista assegura: […]
por Daniel Lopes — Recebi uma notícia no meu e-mail, publicada no final de agosto no site católico Zenit (“O mundo visto de Roma”) e encaminhado para o pobre Daniel nessa manhã de sábado pelo padre Osnildo Klann, que já tive o prazer de publicar mais de uma vez no Amálgama. Título: “Reconhecido cientista assegura: Papa tinha razão sobre a AIDS”.
Hum…
A declaração, de ninguém menos que Edward Green, da Harvard School of Public Health e diretor do AIDS Prevention Research Project, veio a propósito da polêmica causada recentemente por Bento XVI, que, em viagem ao continente africano, disse que apenas os preservativos não são suficientes para lutar contra a AIDS. Claro que não. Educação sexual, por exemplo, também ajuda. Mas Ratzinger também é contra a educação sexual, não? Sim, a tão estimada (pela igreja Católica mas não apenas) “mudança no comportamento sexual” é eficaz contra a propagação da AIDS. Exceto que ela é ainda mais difícil de se implementar em escala continental do que a educação sexual e o uso de preservativos. Como, pelos céus, o papa e o estimado cientista e o Zenit pretendem “mudar o costume das pessoas” antes que a AIDS acabe com elas?
Edward Green destaca, na notícia, o “êxito” na luta contra a AIDS em Uganda, através da pregação da abstinência e fidelidade. Ótimo, agora esperaremos calma e respeitosamente à pregação e subsequente adoção dessa política pelo restante do continente, enquanto as pessoas continuam sendo desinformadas sobre os preservativos. Sim, porque dizer que usar preservativos não é garantia total de imunidade, é contar apenas metade da história, preparando o terreno para a pregação da mudança dos hábitos — hábitos sexuais, bem entendido, não o hábito de não usar preservativos.
Algumas das pesquisas mais recentes mostram que as chances de uma camisinha estourar durante o ato sexual é inferior a 1%, e a chance de haver vazamento por poros é inferior a 0,01%. Definitivamente, a segurança não é de 100%. Mas para daí você concluir, como o cientista Green papagaiando Ratzinger, que “O preservativo não detém a AIDS. Só um comportamento sexual responsável pode fazer frente à pandemia”, só mesmo sofrendo de um avançado estado de decomposição moral.
Responda rápido (mas você pode parar pra pensar, se quiser): junto com a luta contra a pobreza, o que pode ajudar mais a África a parar de ser devastada pelo HIV? Informar o continente sobre a altíssima eficácia do uso de preservativos (ou pelo menos não mentir a respeito) ou sair tentando mudar o comportamento de cada jovem e adulto em cada rincão de cada país? Pra não falar que, do lado de fora dos portões do Vaticano, não se tem conhecimento de muitos outros lugares onde a abstinência é seguida com eficácia, o que dizer com empolgação.
Que ninguém se engane: não há sequer vulto de lógica nesse racionício da igreja Católica. É apenas fachada. Nunca se viu o papa ou um dos seus pregando a ineficácia da vacina contra a febre tifóide (25%) ou desestimulando o rebanho a tomar a vacina contra a paralisia infantil (cuja eficácia, vejam vocês, é de “apenas” 95%). Sim, eu sei, a febre e a paralisia não se pode lutar mudando o estilo de vida, a AIDS sim. Mas então, por que essa conversa sobre a “ineficácia” dos preservativos? A verdade é que a batalha, agora como sempre, é contra estilos “pervertidos” de vida — apenas, os tempos mudaram, e falar o que se pensa com as palavras certas às vezes não é uma boa política de marketing.
Hipocrisia, arremedo de lógica e desinformação em massa, junto com a miséria, é o que vai matando a África. O senhor Edward Green devia ter vergonha de abrir a boca pra chancelar esse nonsense papal. Mas o senhor Edward Green, eu vejo agora na Wikipédia, tem um longo histórico de “desafiar o conhecimento aceito” da comunidade científica sobre a eficácia do uso de preservativos. Como é que esse homem foi parar em um site de notícias católico?
Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
[email protected]