A velha política está em xeque – é o que nos permite supor a análise das intenções do eleitor das grandes capitais.
O Datafolha já divulgou uma seqüência de pesquisas após o registro oficial das candidaturas, o que permite algumas análises e a percepção de tendências. Às vezes as tendências podem mudar, mas a observação da segmentação do eleitorado e a comparação com a dinâmica das eleições anteriores permitem compreender de maneira segura alguns cenários.
O instituto está cobrindo apenas 6 capitais. São Paulo recebe pesquisas com maior periodicidade – 21 de julho, 20 de agosto, 28 de agosto, 3 de setembro e 11 de setembro. É quase que uma pesquisa semanal, que permite olhar o humor do eleitorado com lupa. Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Curitiba são acompanhados com menor periodicidade, e tiveram apenas as pesquisas de 21 de julho, 29 de agosto e 11 de setembro. Mas também já é possível ver inflexões importantes, e arriscar algumas previsões e análises.
Antes de sair comentando alguma coisa, é preciso dizer que o trabalho de análise das pesquisas sempre foi uma coisa mal feita na grande imprensa. Basicamente, números absolutos da pesquisa estimulada – aquela em que o entrevistado escolhe entre os candidatos apresentados em uma lista. Os números absolutos incluem também os indecisos e as intenções de voto nulo ou branco. É muito melhor acompanhar o número dos votos válidos da espontânea, ou seja, analisar apenas o percentual de intenções de voto dirigidas a candidatos reais pelo entrevistado antes que lhe seja apresentada qualquer lista. Os gráficos que serão apresentados neste texto foram feitos com este tipo de dado.
Durante as últimas eleições eu me considerei um dos poucos que fazia este tipo de análise, uma coisa que eu senti necessidade na medida em que via a absoluta carência de análises detalhadas na imprensa (seja escrita ou televisiva), e na medida em que os institutos começavam a disponibilizar os pdf das pesquisas em seus sítios na internet. Hoje vai ficando mais difícil fazer análises originais, depois que o Elton Flaubert começou a destrinchar os dados no blog Razão Crítica. Você deve correr ler tudo que ele escreve, e eu aqui vou tentar não repetir o que já está lá.
São Paulo
Já está sendo muito discutido por aí e não é mais novidade que o grande fenômeno da eleição paulistana até agora é o desempenho de Celso Russomano, de nem sei mais qual partido (ele muda mais de partido do que de cuecas). Eu também já me espantei com a rejeição de José Serra três Datafolhas atrás, e ela continua aumentando. Está num nível que praticamente inviabiliza sua vitória, dado que se ele for a um segundo turno, mais da metade do eleitorado votaria em qualquer um contra ele. Isso pode ser revertido em campanha, mas José Serra tem demonstrado fartamente que não é capaz de atrair qualquer sentimento parecido com simpatia, nem mesmo entre correligionários, que já o estão rifando abertamente. Parece que só haverá vida no PSDB após Serra, e isso seria uma coisa muito boa para o país, porque é muito ruim um governo ficar tão sem oposição como está sendo a era Dilma.
Mas, como dizia a presidenta nos debates quando candidata, tergiverso.
José Serra tem poucas chances de vencer por causa de sua rejeição. E Russomano chegou a apontar para uma vitória em primeiro turno. No Datafolha de 3 de setembro o candidato estava beirando os 50% das intenções de voto válidos em vários segmentos do eleitorado. Mas o Datafolha de 11 de setembro trouxe uma virada, ainda sutil, mas já muito importante. Parece que Russomano bateu no teto. E, do ponto de vista da estratégia de sua campanha, foi ruim pra ele ter crescido demais muito cedo. Significa que todos o estão atacando (é uma suposição minha, não acompanho a campanha em São Paulo), e considero que ele é um candidato de pouca consistência política. Ou seja, se “baterem” nele direito, ele cai.
Hoje o Datafolha não permite saber o que vai acontecer. Parece claro que Russomano vai para um segundo turno. Restaria saber se contra Serra ou contra Haddad, do PT. Entretanto, eu apostaria numa queda significativa de Russomano, com espaço para o crescimento de Haddad, Chalita e Soninha. É uma tendência que pode ser observada nos segmentos mais informados do eleitorado. Veja, por exemplo, o gráfico que fiz para o segmento dos entrevistados que possuem Ensino Superior.
Em contraste, os entrevistados que estão na faixa de renda até 2 Salários Mínimos estão tendendo a dar vitória a Russomano no primeiro turno, segundo o Datafolha. É algo ainda passível de muita mudança, se pensarmos que está aí provavelmente a maior parcela do eleitor de Lula, e é de se supor que a aparição do ex-presidente no programa da TV de Haddad ainda vá surtir muito efeito na última semana antes do pleito. Veja o gráfico que fiz:
Se me obrigassem a fazer alguma previsão, eu diria que o resultado publicado pelo TSE irá mostrar 5 candidatos com votação significativa e não muito distantes entre si. Minha aposta é para um segundo turno entre Haddad e Serra, com significativa vantagem para o petista no segundo turno, devido ao apoio incisivo de personalidades políticas muito influentes entre o eleitorado paulistano: Dilma, Lula e Marta Suplicy.
Mas, melhor do que acreditar em minhas análises, você pode fazer as suas próprias, se tiver a paciência de olhar os relatórios do Datafolha: 21 de julho, 20 de agosto, 28 de agosto, 3 de setembro e 11 de setembro. Você também pode ver os gráficos que fiz para vários segmentos, sempre com o percentual de intenções de voto válidas na espontânea. Estão neste pdf.
Rio de Janeiro
Nas últimas análises que fiz aqui pro Amálgama eu disse que a questão no Rio de Janeiro era saber qual o potencial de crescimento de Marcelo Freixo, do PSOL, como candidato do “voto ético” escolarizado Zona Sul (o mesmo que foi para Gabeira na eleição passada). Também era uma incógnita saber o potencial das candidaturas dos partidos tradicionais: Rodrigo Maia (DEM) e Otávio Leite (PSDB).
No Rio de Janeiro, mais do que em qualquer outra capital, os partidos tradicionais foram pulverizados pela política personalista. Rodrigo Maia e Otávio Leite são candidaturas inexistentes, e nenhum segmento do eleitorado dá a nenhum dos dois mais do que 2% de intenções de voto válidos.
Isso significa que o prefeito Eduardo Paes está virtualmente reeleito em primeiro turno. Isso já estava desenhado desde o momento em que se fecharam as candidaturas, e fica confirmado na medida em que Marcelo Freixo não consegue ir além de um nicho muito específico do eleitorado. O candidato do PSOL vence por pequena margem entre os entrevistados que possuem Ensino Superior, mas Eduardo Paes ostenta 93% das intenções de voto válidas entre os entrevistados com Ensino Fundamental e 86% nos de renda até 2 Salários Mínimos.
Confira mais gráficos que fiz por segmentos neste pdf. Você verá que não há grandes variações. A eleição no Rio já está decidida.
Curitiba
Minhas análises sobre a eleição em Curitiba estão prejudicadas porque até o momento não saiu o relatório completo no site do Datafolha. O atraso em relação às demais capitais se deu porque a candidatura de Gustavo Fruet (coligação PDT/PT/PV) bloqueou na justiça a divulgação da pesquisa por uns dias. O que temos até o momento é só retrato parcial da reportagem da Gazeta do Povo, com os dados dos votos absolutos da estimulada.
Sem olhar os dados por segmentos fica difícil fazer maiores inferências, mas o resultado visualizado na reportagem do jornal nos faz entender por que o medo de Gustavo Fruet quanto à divulgação da pesquisa.
Ele é o candidato com maior densidade política (formação, carreira pública, relações na classe política), foi o único que teve apoio de doadores individuais na primeira prestação de contas ao TSE e vinha tendo bom destaque entre o eleitorado de maior renda e escolaridade.
É uma surpresa nada desprezível que o candidato que mereceu o voto de quase 70% dos eleitores de Curitiba na eleição para o Senado em 2010 esteja tendo tanta dificuldade na campanha para prefeito. As explicações que estão sendo ensaiadas nas análises por aí vão da baixa qualidade da campanha do candidato na televisão a uma má explicação dos fatores que lhe levaram a trocar o PSDB pelo PDT e se aliar ao PT. Não custa lembrar que Fruet ganhou notoriedade nacional por sua atuação como deputado durante a CPI que investigou o valerioduto ou “mensalão do PT”.
A campanha de Ducci explorou bastante o lado anti-petista do eleitor curitibano, principalmente com spots no rádio. Apenas para passar ridículo, pois o atual prefeito e candidato à reeleição usa imagens de Dilma na campanha de TV, e defendeu na justiça este direito.
O eleitor não deixa de perceber a incoerência, e paga com uma intenção pífia de voto em Ducci (PSB, com uma coligação tão grande que os spots de rádio gastam mais tempo para falar o nome dos partidos que para veicular a mensagem propriamente). Atual prefeito, apoiado por um governador bem avaliado, usando amplamente a máquina pública (a verba para asfaltamento de ruas aumentou quase 10 vezes este ano, os servidores municipais são pressionados a trabalhar na campanha), tendo um terço de todo o tempo de TV e contando com um orçamento dez vezes superior ao dos concorrentes, a intenção de voto em Ducci é simplesmente ridícula.
O fraco desempenho de Ducci e Fruet se explica em parte pela surpresa chamada Ratinho Jr (PSC). Jovem político sem formação nem carreira, que tem como principal slogan o apelo contra o voto nas famílias tradicionais que dominam a política do estado há décadas, ele é o principal sintoma do cansaço do eleitor brasileiro e do forte desejo de mudança que ficou patente, por exemplo, no brilhante desempenho de Marina Silva na eleição presidencial.
O eleitor quer novos projetos, novos jeitos de governar, e os partidos lhe apresentam um bufê requentado de velhas caras e velhas propostas. Ratinho consegue mobilizar este sentimento, e leva vantagem em relação a Russomano (um candidato de mesmo perfil, se aproveitando dos dotes de comunicador de rádio e TV para atingir o eleitor) pelo fato de estar crescendo mais forte no fim da campanha. Ao contrário do que acontece em São Paulo, em Curitiba pode ser tarde demais para tentar tirar votos de Ratinho, o que não seria difícil se Ducci e Fruet tivessem algo parecido com bons estrategistas em seu staff.
Porto Alegre
Em Porto Alegre houve um momento (na pesquisa divulgada em 3 de setembro) em que o Datafolha apontava a possibilidade de uma virada de Manuela d’Ávila (PCdoB) sobre o atual prefeito José Fortunatti (PDT). Mas, após a assimilação da campanha de TV, as coisas mudaram de rumo novamente, e a tendência parece apontar para uma vitória do atual prefeito ainda em primeiro turno. Veja o gráfico.
Não há diferença significativa em nenhum segmento do eleitorado, exeto para Adão Villaverde (PT), que cresceu vertiginosamente entre o eleitorado que tem até 2 Salários Mínimos de renda. Veja o gráfico.
Exceto pela possibilidade de Adão Villaverde surpreender com um desempenho em outros segmentos, Fortunatti vai garantindo sua reeleição em primeiro turno. Eu gostaria de saber que tipo de apoio o candidato do PT vem tendo do governador Tarso Genro, de Lula e de Dilma.
Mais segmentos podem ser conferidos neste pdf.
Belo Horizonte
Na capital mineira o cenário é completamente diferente pelo fato de haverem duas e somente duas candidaturas competitivas. Não há possibilidade de qualquer previsão de resultado, pois qualquer crescimento de uma candidatura se dá às custas do percentual de votos válidos da outra. Ou seja, se Patrus Ananias (PT) ganhar 3% dos votos válidos, diminuirá 3% dos votos válidos de Márcio Lacerda (PSB), uma vez que Vanessa Portugal (PSTU) parece ter poucas possibilidades de extrapolar seu atual patamar de 2% das intenções.
Nem mesmo a existência de segundo turno pode ser descartada, pois não seria absurdo imaginar um resultado em que a diferença entre Lacerda e Ananias seja menor que os votos de Vanessa Portugal. Isso costuma acontecer em eleições muito polarizadas como a que parece estar acontecendo em BH.
O irônico é que, até o final de junho, PT e PSB estavam juntos num chapão que garantiria a Lacerda uma reeleição mais fácil que a de Eduardo Paes no Rio de Janeiro, mas Aécio Neves resolveu dinamitar as pontes que tinha construído com parcela do PT mineiro, já pensando alguma bobagem para 2014.
Hoje o Datafolha aponta para vitória folgada de Lacerda, com 59% das intenções de voto. Mas a coisa está muito mais apertada (com tendência de crescimento de Ananias) no segmento dos eleitores entre 25 e 34 anos, ou no eleitorado com renda até 2 Salários Mínimos. O fato de ter definido sua candidatura apenas na véspera do registro no TSE deu a Ananias uma considerável desvantagem inicial, que se transforma em vantagem estratégica se sua candidatura embicar qualquer crescimento significativo. Veja aqui os vários gráficos por segmentos.
Recife
Na capital pernambucana o cenário é o mais dinâmico, e talvez seja a eleição de maiores implicações para a política nacional e para as eleições de 2014. O cenário é parecido ao que vai se desenhando também em Fortaleza, onde temos apenas pesquisas do IBOPE (que eu talvez comente em outro texto).
Assim como na capital cearense, o cenário era o de uma prefeitura do PT mal avaliada, um governo estadual do PSB bem avaliado, e uma decisão de romper a coligação dos dois partidos, apostando em candidatos com uma perfil novidadeiro contra candidaturas tradicionais desgastadas. Em ambas as capitais, está o dedo estrategista do governador Eduardo Campos, que pode transformar seu partido na segunda força destas eleições, atrás apenas do PT, cacifando-se como um nome viável para enfrentar Dilma em 2014 ou ao menos para ganhar força dentro da aliança de esquerda e ser o nome para a sucessão dela dentro de uma coligação de esquerda em 2018.
O candidato do PSB em Recife é Geraldo Júlio, e sua campanha deu-lhe um crescimento vertiginoso, enquanto o gráfico mostra uma queda igualmente vertiginosa dos candidatos tradicionais – Humberto Costa (PT) e Mendonça (DEM). Não se pode deixar de notar o crescimento espantoso de Daniel Coelho (PSDB), outro candidato que aparece como novidade. Veja o gráfico.
As transformações vertiginosas acompanham a situação geral nos grandes estados do Nordeste, região que passa pelas mais profundas mudanças econômicas e políticas no Brasil atual. A dinâmica da vida produz uma nova dinâmica em relação às eleições, e quem parece estar captando isso melhor é Eduardo Campos.
Há diferenças nos percentuais, mas as tendências de crescimento de Júlio e Coelho e queda de Costa e Mendonça são mantidas em todos os segmentos. Você pode conferir todos os gráficos que fiz neste pdf.
Ainda é difícil definir um resultado com segurança. As tendências permitem supor um segundo turno entre Geraldo Júlio e Daniel Coelho, ou mesmo uma vitória de Geraldo Júlio em primeiro turno. A única diferença mais significativa está no eleitorado com renda até 2 Salários Mínimos, segmento no qual Humberto Costa ainda vem conseguindo sustentar a segunda posição.
Avaliação geral
A análise destas 6 capitais chama a atenção para o seguinte fator: não existe oposição à coligação governista nas eleições atuais. PSDB, DEM e PPS, os únicos partidos que poderiam ser definidos mais ou menos como oposição, optaram pela estratégia marota do não confronto.
Em Curitiba isso é mais claro, com o candidato apoiado pelo governador do PSDB tentando jogar ao mesmo tempo com o anti-petismo a seu favor e com o fato de seu partido ser da coligação de Dilma. Os únicos candidatos com alguma expressão nas pesquisas que não são de partidos aliados a Dilma no plano federal são José Serra em São Paulo e Daniel Coelho em Recife, ambos do PSDB. Os demais candidatos são do PSB, PT, PDT, PSC, PRB, PCdoB – todos partidos da base governista. Isso significa que a popularidade de Lula e Dilma é tão alta que ninguém quer arriscar uma posição claramente contrária.
Por outro lado, os problemas do Brasil são tantos, e as ineficiências do governo tão claras, que não seria difícil construir um discurso e propostas verdadeiramente de oposição. O fato é que o PT conseguiu criar um nó górdio a apertar o pescoço das antigas elites que dominaram o Brasil de dentro da Casa Grande, sem nunca encontrar uma força política estruturada que viesse como enfrentamento de dentro das senzalas. Quem quer ser oposição hoje, tem vergonha do seu próprio discurso político. Não há partido com coragem para fazer oposição à direita, cujos ideais políticos foram expostos a nu com a cassação do senador Demóstenes Torres – aquele antigo paladino da ética ostentado em capas da revista Veja, que chegou a ir ao STF durante as audiências públicas sobre cotas raciais nas universidades para dizer que as escravas transavam com os senhores porque gostavam.
As últimas eleições têm demonstrado que a memória do eleitorado brasileiro não é o que se supunha. A gente vai inventando nossos jeitos de driblar a política partidária oligárquica e clientelista, e abrindo brechas políticas por onde passará o novo e as futuras transformações. Ninguém quer voltar ao Brasil de antes de Lula, e ainda não estão aí os políticos capazes de planejar e governar de forma consistente o Brasil de classe média que vai se desenhando no médio prazo.
Quem sabe as eleições deste ano ajudam a afundar um pouquinho mais a velha política?
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Luiz
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http://andreegg.opsblog.org André Egg
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Leandro Leite
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João Paulo Rodrigues