Experimentos em aceleradores de partículas cada vez mais potentes a partir da década de 1940 revelaram que havia um verdadeiro zoológico de partículas subatômicas, que pareciam brotar do nada.
[ leia a parte I ]
Estrutura da Matéria
Todo mundo sabe (ou deveria saber) que nós e os objetos ao nosso redor são compostos de átomos, que por sua vez são compostos de partículas menores. Mas essa pequena informação, tão lugar-comum hoje, vem de um conhecimento bem mais antigo. Os gregos, sempre eles, já tinham imaginado que deveria haver um limite para a matéria – que não deveria ser possível subdividir uma barra de ferro indefinidamente, por exemplo. Em alguma hora esbarraríamos na menor partícula de ferro possível. A essa menor partícula os gregos (Leucipo e seu aluno Demócrito, se você estiver tomando notas) chamaram de átomo, que significa, literalmente, “indivisível”.
A ideia era boa, mas como não havia faca afiada o bastante para cortar objetos quase indefinidamente, permaneceu como um construto filosófico por bastante tempo. Só muito depois, com o surgimento da química moderna, que o conceito foi resgatado e posto à prova. Foi então que se percebeu que a matéria era composta de partes bem pequenas – moléculas, a menor divisão de uma substância que ainda apresenta suas propriedades e características; e átomos, um novo conceito baseado na velha ideia. Se antes se pensava que havia átomos de cada coisa – átomos de madeira, átomos de ar e por aí afora – os cientistas do século XIX (Dalton, principalmente, apoiando-se em conceitos de Lavoisier) perceberam que cada substância era formada por uma molécula diferente, mas que cada molécula era formada por um conjunto limitado de átomos. Notou-se também que certas substâncias, denominadas “puras”, eram compostas apenas por um mesmo tipo de átomo. A água, por exemplo, é uma substância composta de oxigênio e hidrogênio, mas se fizermos uma eletrólise – ou seja, se passarmos uma corrente elétrica em dois eletrodos dentro da água – vamos obter oxigênio e hidrogênio em gás. E esses dois gases são substâncias puras.
Tudo isso levou ao estabelecimento da teoria dos elementos químicos: os mesmos 92 elementos encontrados na natureza (mais uns quantos fabricados pelo ser humano) podem se combinar para formar qualquer substância. É bom notar que elementos químicos são conceitos diferentes de átomos. Um mesmo elemento químico pode se apresentar de várias formas diferentes (os isótopos), cada qual correspondendo a uma diferente configuração atômica.
Agora que recapitulamos a química do Ensino Médio, voltemos à física.
Menos de vinte anos depois da publicação da famosa Tabela Periódica dos Elementos do russo Mendeleev, o físico J. J. Thomson demonstrou a existência de partículas com carga elétrica negativa que constituíam o átomo, com massa muito menor do que este. Thomson chamou essas partículas de elétrons e imaginou que eles estavam distribuídos dentro de um átomo eletricamente neutro mais ou menos como ameixas dentro de um pudim. O creme do pudim seria uma mistura meio amorfa de cargas positivas, para contrabalançar as cargas negativas dos elétrons. Doze anos mais tarde uma experiência orientada por Ernst Rutherford demonstrou que o modelo do pudim de ameixas não era muito bom. Ele bombardeou uma folha fina de ouro com partículas alfa – uma espécie de partícula radioativa que à época já se sabia transportar uma forte carga elétrica positiva, além de uma massa relativamente alta. Os resultados foram muito interessantes: parte das partículas alfa simplesmente atravessou a folha de ouro, mas uma fração apreciável delas foi defletida – algumas em ângulos rasos, outras com desvio bastante grande. Pense num jogo de bilhar: dependendo do ângulo de impacto entre a bola branca e uma outra qualquer, a branca pode parar, seguir em frente levemente desviada, ou mudar completamente a trajetória. Foi isso que o grupo de Rutherford viu. E isso só podia significar uma coisa: que havia cargas positivas dentro do átomo, sim, mas que estavam todas concentradas numa minúscula região central, com os elétrons orbitando em volta. Mais tarde, Rutherford chamaria a partícula portadora de carga positiva de próton.
Depois disso a porteira abriu: o pequeno átomo, que já não era tão indivisível desde Thomson, se revelou muito mais complicado do que se imaginava. A revolução da mecânica quântica (sobre a qual pretendo falar em outra série nesta coluna) demonstrou que até mesmo o modelinho “planetário” de Rutherford não estava correto, pois as órbitas dos elétrons são muito mais estranhas que a calma regularidade de nosso sistema solar. Além disso, um verdadeiro zoológico de partículas foi sendo descoberto depois dos elétrons e prótons. Primeiro foram os nêutrons, partículas sem carga com aproximadamente a mesma massa dos prótons, descobertos em 1932 por Chadwick. Sabia-se, então, que átomos podiam absorver e emitir partículas de luz, os fótons; e que as partículas alfa usadas na experiência de Rutherford eram compostas por dois prótons e dois nêutrons. Sabia-se ainda que os fótons transportam energia, além de carregarem momento linear. Além disso, prótons, elétrons e nêutrons apresentavam outras propriedades além da carga – cada uma possui um campo magnético, por exemplo.
Assim, com essas três partículas mais o fóton e munidos das recentes descobertas possibilitadas pela teoria da Relatividade e pela mecânica quântica, os físicos puderam montar um panorama que descrevia bastante bem o que acontecia no interior dos átomos. Só que mesmo isso era insuficiente para explicar a gama de fenômenos observados. Um dos maiores problemas enfrentados na época era o da estabilidade dos núcleos atômicos. Prótons e nêutrons ficam concentrados em volumes muitíssimo pequenos, da ordem de 10-15m. Para se ter uma ideia, se um núcleo atômico típico fosse do tamanho de um grão de sal refinado, os elétrons estariam voando em torno dele a uma distância de mais ou menos 30 metros! E já que prótons tem carga elétrica positiva, pode-se calcular a força de repulsão elétrica entre dois deles num núcleo de hélio, por exemplo. O resultado é assustadoramente grande. Assim, um átomo típico só poderia permanecer estável e coeso tempo bastante para coisas como rochas, metais, seres humanos etc. existirem se alguma coisa ainda mais potente que a repulsão elétrica estiver agindo no núcleo atômico. Ora, essa alguma coisa só poderia ser outra força – semelhante em princípio à força da gravidade e ao próprio eletromagnetismo, mas com uma forma muito diferente, já que só parece atuar a distâncias muito curtas.
Além dessa força nuclear forte, ou interação forte, como foi mais tarde chamada, outra força tinha que existir para explicar certos fenômenos da radioatividade. Quando um isótopo radioativo decai, isto é, quando ele se quebra ou se transforma em outro isótopo, além de emitir radiação algumas de suas partículas constituintes mudam de cara. O Césio-137, de triste memória para os brasileiros, pode emitir uma partícula beta (um elétron, basicamente) e se transformar em Bário-137, que é um elemento com número de massa (isto é, número de prótons em seu núcleo) maior. Isso porque um dos nêutrons do núcleo de Césio se transforma num próton, ejetando um elétron no processo – e uma outra partícula, sobre a qual falarei no próximo artigo. O ponto é, esse tipo de mudança de identidade só é possível porque existe uma outra força em ação, capaz de alterar as propriedades do nêutron. Essa força foi chamada de interação fraca e sua descoberta abriu a porta para uma revolução na física de partículas.
As duas novas forças introduziam um novo complicador para a descrição da estrutura da matéria. As três partículas de massa, mais o fóton já não bastavam para explicar do que as coisas são feitas. Experimentos em aceleradores de partículas cada vez mais potentes a partir da década de 1940 revelaram que havia um verdadeiro zoológico de partículas subatômicas, que pareciam brotar do nada. Era preciso pôr ordem na casa e dar um jeito de classificar essa bicharada exótica de acordo com suas propriedades e ver se havia alguma regra que dissesse como elas poderiam aparecer. E a isso chamamos de Modelo Padrão, que vamos discutir na próxima coluna.
[ parte III. parte IV ]
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Rogério
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Gustavo Mourao
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Jose Antonio Franco
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Denis Correa
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Daniel Bezerra
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Lilian Macedo