Singer aproxima o lulismo do New Deal como fenômeno político de manutenção duradoura de medidas governamentais
1.
Falar sobre o presente, como disse em minha última resenha, pode ser bastante arriscado. Isso se intensifica ainda mais quando quem fala é interessado e participante direto dos acontecimentos, especialmente em política. André Singer, porta-voz da presidência durante o primeiro mandato de Lula, estará o tempo todo confrontando o fantasma de interpretarem suas teses como “justificação” ou “exaltação” do modelo petista de governo, apesar de ser um acadêmico experiente e de sólido trabalho. Não obstante, faz o possível para compreender o lulismo, fenômeno político que considera o mais importante no Brasil nas últimas décadas, pelas luzes do rigor científico e da capacidade de articulação do pensamento produzido sobre o tema nos últimos anos, seja de críticos ou de entusiastas do PT.
Os resultados de sua pesquisa já têm sido comentados há pelo menos três anos, quando do lançamento de “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”, artigo publicado na revista Novos Estudos e sucesso instantâneo (guardados os limites da discussão acadêmica brasileira, é claro). Agora, após a obtenção de livre-docência pela USP, Singer procura em Os sentidos do lulismo uma definição ao mesmo tempo completa e aprofundada do fenômeno que tem ajudado a descrever e que o país ainda vive – e talvez continue a viver por muito tempo, a se fiar em suas conclusões. Buscando um público maior para sua pesquisa, o cientista político lança-se mais claramente à arena do debate, qualificando-o bastante (à diferença do que tem sido comum na imprensa e na internet de um modo geral, com a adesão e a rejeição viscerais ao PT sendo a norma das manifestações, pouco analíticas).
Como é de se esperar, comentar um livro como esse é uma tarefa também arriscada, embora não tanto quanto escrevê-lo. Sem dúvida, minhas simpatias e antipatias pessoais podem emergir aqui e acolá na leitura, turvando a capacidade de análise dos argumentos. Entretanto, espero que o ímpeto crítico, conjugado ao profundo respeito que sinto por Singer como professor (tenho assistido suas aulas na USP recentemente) e pesquisador, seja o suficiente para despertar questões para as quais o livro aponta e seja um incentivo para mais comentários e reflexões sobre o tema.
2.
Mais da metade do livro é composta por textos modificados ou adaptados de outras publicações de Singer, como o artigo acima citado, o ensaio de 2010 na mesma Novos Estudos sobre “A segunda alma do Partido dos Trabalhadores” e outro publicado na piauí. Portanto, quem acompanha com cuidado o debate acadêmico na Ciência Política não terá exatamente grandes novidades em boa parte da obra, mas a integração dos textos no conjunto permite visualizar com mais clareza a totalidade do lulismo na interpretação do autor. Nisso, o primeiro capítulo é uma introdução propriamente dita, ao desvelar o todo da argumentação e apontar os planos de análise. A linha-mestra aqui é o que Singer chama de “questão setentrional”, à semelhança da “questão meridional” de Gramsci.
Para quem não conhece o autor italiano, o que este chama de “questão meridional” é algo relativamente simples: a Itália, dividida entre o Norte industrializado, desenvolvido, e o Sul (meridional) ainda agrário, latifundiário e atrasado, teria produzido um arranjo político que levava a uma aliança entre elites agrárias e industriais em detrimento do proletariado de ambas as regiões, que não lograva uma integração de interesses devido à estratégia bem-sucedida dos proprietários de contrapor os interesses do trabalho. Segundo Singer, uma aliança semelhante se encontra no seio da formação política brasileira: as elites conservadoras das regiões pobres (em especial o Norte-Nordeste, por isso a questão aqui seria “setentrional”), unidas ao capital empresarial das regiões ricas, barrariam as reformas necessárias para a plena integração política e para a participação das massas.
Agravando a questão, existe ainda o “subproletariado”, um grupo enorme de pobres e miseráveis que sequer se encontram proletarizados no sentido marxista do termo, permanecendo à margem da industrialização e não obtendo apropriada representação política por si mesmos enquanto classe. Daí outro livro clássico empresta a Singer o insight para compreender a situação política do subproletariado: O dezoito brumário de Luís Bonaparte, até hoje meu livro preferido de Karl Marx, no qual se tem a famosa afirmação de que os camponeses não podem se fazer representar por si mesmos, precisam ser representados. E esse é o ponto de partida da tese de todo o livro: Lula e seu governo foram a instância de representação do subproletariado, que enfim ascende ao jogo político, ainda que tenha sido organizado (ou apenas manifesto) de cima para baixo.
A primeira grande hipótese do livro, considerada com grande desconfiança por Celso Barros quando do lançamento de “Raízes ideológicas…”, é o fato de esse subproletariado ser essencialmente conservador. Isso gera um problema e ao mesmo tempo uma solução. É problema pois deixa em suspenso o significado da ascensão política dos mais pobres – essa ascensão pode muito bem ser mais uma manifestação do populismo, como será visto adiante. Por outro lado, é solução, pois explica melhor como um partido de esquerda se comporta de modo bastante conservador no governo – sua própria base de apoio popular comunga desses princípios: defensor da ordem e avesso às revoluções, devido à percepção de que é quem mais tem a perder com elas (falsa ideologia? Cálculo correto? Medo atávico infundido pelas classes dominantes?), o subproletariado só dá seu apoio maciço a Lula quando percebe nele não uma ameaça, mas uma continuidade da ordem, agora melhorada com maior justiça social.
Nesse sentido, a percepção de Singer é acurada por mostrar que há muito mais do que o Bolsa Família. Por exemplo, citando Claudio Shikida e outros colaboradores, economistas de corte marcadamente antipetista, para dizer o mínimo, nota que também o controle de preços foi um fator importante de agregação eleitoral para o PT. Este, em vez de surfar na onda do lulismo (como no passado tentou o PTB, fracassado em servir de elo entre as massas e o sistema político elitista de 1946), se mantém com a mesma base de apoio eleitoral, centrado nas grandes cidades. Acima e além do PT, Lula não logra a hegemonia completa de seu partido, mas cria o que Singer chama de “ponto de fuga para a luta de classes” ao coordenar um governo que satisfaz imensamente as classes mais pobres e não cria obstáculos às classes dominantes, em detrimento da classe média.
Esse contraste entre o PT e o lulismo é abordado também no segundo capítulo, no qual se expõe o movimento contraditório entre as “duas almas” do partido. Uma seria a alma do Sion, colégio de São Paulo no qual o PT foi fundado em 1980. O espírito do Sion, radical e socialista, isolacionista (no exemplo mais gritante, a recusa do apoio de Ulysses Guimarães em 1989 contra Collor) e predominantemente ligado às classes médias urbanas de esquerda, teria dado lugar a uma “segunda alma”, emergente do Congresso do partido realizado no Anhembi às vésperas da eleição vitoriosa de 2002. Esse espírito não surge do nada: já havia sido gestado ao longo das disputas políticas internas do partido e alcança seu ponto máximo na hegemonia do outrora nomeado Campo Majoritário, hoje Construindo um Novo Brasil (sobre isso em maior detalhe, ler o História do PT, de Lincoln Secco). Quase todos os grandes nomes do primeiro governo de Lula vêm dessa tendência, que advogava uma aproximação aos representantes do capital, a moderação do discurso e a ampliação do arco de alianças com outros partidos – culminando no “Lulinha paz e amor”, aliado ao PL (hoje PR) e implementador, no governo, de um aumento na taxa de juros e do superávit primário.
De exemplo de partido radical, o PT passa a ser “mais um” partido pragmático, muito embora seus membros sempre lembrem de sua vocação popular. Ora, em uma bela sacada, Singer mostra como a crise do mensalão construiu, a partir do abandono da classe média e da incorporação substantiva do subproletariado nas políticas de governo, uma “popularização por subtração” no partido. Parte dos representantes do espírito do Sion migra para o PSOL, outra parte se desliga do PT, mas uma boa parcela ainda continua lá, gerando uma convivência contraditória (e não sem atritos) entre correntes ainda radicais e outras mais interessadas nos paradigmas correntes da realpolitik brasileira e na manutenção do poder. Quando o autor diz que o PT se tornou “mais Brasil” está se referindo à popularização de sua base militante, mas é lícito pensar que a expressão também é válida para o modus operandi adotado pelo partido, para o bem e para o mal (adiante, mais sobre o mal e o bem nisso).
Mas essa divisão do partido que tem obtido sucessivas vitórias no âmbito federal (e possivelmente se encaminhe para um quarto mandato, considerando a altíssima popularidade de Dilma Rousseff) não interferiria no essencial da fórmula de governo vigente. O autor aponta precisamente que José Serra, em sua campanha de 2010, não se opunha às medidas populares do PT, mas prometia ampliá-las – irônico que o PSDB, muitas vezes acusado de arrochar salários quando no governo, tenha defendido aumento do salário mínimo maior que o PT na campanha e depois no Congresso. Assim, estaria aberto o caminho para uma hegemonia de longo prazo: no que é possivelmente a tese mais controversa até aqui dentre as presentes no livro, motivo para uma resposta bastante interessante de Marcos Nobre também na revista piauí, Singer aproxima o lulismo do New Deal como fenômeno político de manutenção duradoura de medidas governamentais e estilos de atuação, mesmo com alternância de partidos no período de seu desenvolvimento.
Pessoalmente, não entendo muito bem por que tanto Nobre como Mario Sergio Conti, em sua resenha do livro publicada, novamente, na revista piauí deste mês, considerem a aproximação tão infundada. A meu ver, a comparação passa pelas devidas mediações no texto de Singer. Entretanto, talvez devesse incluir os governos de FHC no panorama, ainda que estes não sejam associados diretamente ao que faz o lulismo uma grande força. A oposição ferrenha do PT ao governo Fernando Henrique talvez nuble o fato de que este também foi um momento de reformas conservadoras, mesmo se exagerarmos o efeito das privatizações – que, como mostra Sérgio Lazzarini, não foram exatamente um desvencilhamento completo do Estado como indutor do desenvolvimento. Não se trata aqui do “teste de paternidade” exigido pelos tucanos para que petistas reconheçam que suas políticas meritórias teriam sido gestadas sob FHC, mas de interpretar os dois governos como um arco longo de reformas e realizações que mantém uma relativa estabilidade já há quase 20 anos e talvez continuem por mais tempo. Para um país cuja experiência democrática anterior – regime de 1946 – durou quase o mesmo tempo (com tentativas de golpe, renúncia, suicídio, troca de sistema no meio de mandato, ilegalização de partidos, etc.), não é um acontecimento menor.
De todo modo, ainda há muito a ser feito dentro desse panorama. Aqueles que defendem o modelo atual geralmente reconhecem que a pobreza ainda precisa ser enfrentada em dimensões mais complexas – como, por exemplo, a vergonhosa falta de rede de esgoto para uma enorme parcela da população. Nesse contexto, torna-se difícil que um partido se eleja contra o projeto de estender, via governo, os marcos civilizatórios a todos os cidadãos, mas o próprio conservadorismo inerente ao arranjo político que tem sustentado o projeto ameaça recriar o risco de retrocesso por meio de aventureirismo (como parece ser o caso do apoio a Russomanno em São Paulo). Além disso, o problema central da sociedade permanece ainda muito forte, embora tenha se reduzido: a desigualdade de renda. Em suma: o país está ficando menos miserável, mas a maior parte de sua população continua sendo empobrecida, ainda mais em comparação com as classes dominantes. Essa contradição ameaça a própria estabilidade do sistema – enquanto o país cresce e “todos ganham”, tudo parece em ordem, mas o que pode surgir dos desdobramentos da crise mundial? Para isso, não deixem de ler o artigo de Celso Barros na piauí deste mês.
Quando cita a possibilidade de o lulismo ser definido como um “reformismo fraco”, Singer aposta especialmente na abordagem bonapartista da política que daí surge: arbitragem acima das classes, que consegue a façanha de fazer a esquerda ganhar e perder ao mesmo tempo; no poder e alcançando uma parte do programa, mas incapaz de aprofundar suas raízes junto à população e de modificar a hegemonia ideológica corrente. Parece-me que o autor considera que o arranjo pode sobreviver mesmo em uma vitória da oposição. Mas a reflexão é ainda muito incipiente. Por exemplo, a campanha de 2010 é tratada no livro como mais um embate entre PT e PSDB, desta vez com este recorrendo a alguns estratagemas no mínimo questionáveis; entretanto, o significado do fator mais relevante da eleição – a votação surpreendente de Marina Silva – ficou turvado. Mais a respeito a seguir.
No fim das contas, a previsão de Singer ao final do livro é que o PSDB talvez se ancore na classe média, apresentando-se como o mais capaz de satisfazer os anseios de consumo do subproletariado emergente e tentando vencer o lulismo sem modificar-lhe o essencial; enquanto isso, o PT defenderia o aprofundamento de seu legado e brandiria os fantasmas do passado – ou seja, as privatizações e o baixo crescimento sob FHC – sempre que se sentisse ameaçado. Nesse ponto, acredito que o autor encontra seu limite analítico. Os sentidos do lulismo estão mapeados, mas no final parecem relativamente estáticos. O que não é exatamente uma crítica, mas um convite à reflexão, não sem ressaltar que ciência política é algo difícil de fazer pela dificuldade de prever o comportamento de tantos atores ao mesmo tempo; as dinâmicas são cada vez mais complexas, e uma movimentação social tão forte quanto a gerada pelo lulismo não deixará de provocar efeitos colaterais imprevistos.
3.
Prometi acima desenvolver melhor alguns temas que passaram ao largo da exposição. O motivo para isso é sua interligação. São eles: o (neo)populismo implícito no lulismo; males e benesses de termos um partido de esquerda transformado em “partido tradicional”; futuro do arranjo tendo em vista a configuração contemporânea da política nacional. Como o PT e Lula se converteram em assunto preferencial das discussões políticas, os outros atores tendem a ficar relegados a segundo plano ou à condição de coadjuvante. Há quem defenda que talvez seja o caso mesmo, e o protagonismo político parece ser monopólio do PT nos tempos atuais. Mas será? Parece-me que os momentos mais fracos do livro estão justamente na caracterização desses atores, talvez porque estejamos em “tempos de reformismo fraco”, como provoca Singer em um dado momento da exposição.
Primeiramente, parte do que os analistas apontam como populismo, entretanto, é outro fenômeno: a mercantilização da política, na qual um candidato se apresenta praticamente como um produto construído pela publicidade. Não devemos considerar, porém, que isso se restrinja aos indefectíveis “não interessados por política”. No limite, todos temos nos dias de hoje uma visão essencialmente propagandística dos fenômenos sociais – não se trata de prerrogativa deste ou daquele grupo. Em outras palavras, ninguém está imune à tendência, que em última análise é uma característica de nosso tempo. Dito isso, a dimensão populista do lulismo se confirma mais pela natureza do sistema político e por sua sustentação ideológica conservadora do que por qualquer outro motivo. Apontar que Lula é um líder populista é dizer que ele se comunica diretamente às massas e procura mostrar que transforma os anseios populares em realidade. Cesarismo? Talvez, mas dificilmente será de modo diverso que a oposição chegará ao poder. Que o populismo voltado às classes médias, por exemplo, não seja visto como tal é um sinal interessante de como as palavras podem embotar a reflexão. Acertadamente, Singer escapa a essa falsa questão e sempre ressalta os pontos políticos relevantes do lulismo, e não os estereótipos (ainda que em parte corretos) com que se tenta definir o fenômeno.
Em segundo lugar, parece evidente, de todos os lados do espectro político, o mal da postura atual do PT. Pragmático demais para a esquerda, cooptador demais para uma certa direita; há quem defenda que o atual pragmatismo é mero jogo de cena enquanto se está produzindo, nos bastidores, um Estado paralelo (vocês conhecem o tipo). Pretendo ir um pouco na contramão. Quando os representantes da esquerda, em especial, atacam o arranjo político construído pelo PT na última década não raro o atacam justamente por ser o que Singer chama de “pacto conservador”. Mas a lição do primeiro capítulo (e o motivo pelo qual o acho um dos melhores ensaios de ciência política brasileira já feitos) é clara: o conservadorismo é parte do povo brasileiro e a aceitação de Lula pelo eleitorado pobre está ligada diretamente à percepção de que este não bate de frente com esses valores. Não é sábio politicamente, nem verdadeiramente democrático, alienar essa parcela da população, especialmente sob o pretexto da superioridade dos paradigmas de esquerda.
Em outras palavras, se um arranjo político se sustenta continuadamente sob uma democracia, é porque representa ao menos em parte os anseios de uma maioria. Não se trata de uma defesa do PT, mas de uma constatação: a sociedade é quem produz o pacto conservador e a mudança ideológica não pode ser conduzida de cima para baixo. (Por outro lado, se a esquerda mais radical acha que está ruim no atual governo, imaginem o que um liberal como eu pensa do que o povo espera do governo.) Quando André Singer apresenta a representatividade popular alcançada pelos governos atuais, mostra o quanto isso está desvinculado das lutas tradicionais de parte do PT a favor de minorias políticas, por exemplo. A briga para mudar o panorama está na sociedade.
Por fim, faço uma nota breve sobre o que Singer espera da oposição ao lulismo e da classe média de um modo geral. Em alguns momentos do livro, fica patente uma certa má-vontade para com essa parcela tão controversa da sociedade brasileira. O conjunto da obra parece dizer que a oposição a Lula dentro da camada intermediária nacional viria ou da indignação com a corrupção ou da vontade de restaurar um status quo, com o fito de barrar a ascensão popular aos territórios outrora exclusivos da classe média, como aeroportos. Não nego que esse desejo restaurador exista em muitos, mas será esse realmente o fator principal? Seria preciso um estudo mais detido, qualitativo, para entender melhor como se dá essa rejeição ao lulismo.
De todo modo, esta aversão parece ter fôlego curto no que tange às eleições para a presidência. Mais interessante parece ser o movimento em direção a alternativas que não desafiam os parâmetros essenciais do lulismo. Já citei aqui Marina Silva e Russomanno. Sobre o desempenho da primeira, escrevi um texto um tanto wishful thinking no calor da hora, do qual retenho especialmente a ideia de que há um movimento eleitoral em direção ao esgotamento da dicotomia PT-PSDB nos termos em que ela se dá. Em minha opinião, Aécio Neves terá, em 2014, a última chance de o PSDB se construir como o outro de um bipartidarismo gerado em consequência do lulismo – sem negar as “vacas sagradas” do modelo, mas apontando para algo além que permita ao menos o estabelecimento não inercial dos tucanos como adversário. Traduzindo: um projeto. Coisa que nem Alckmin nem Serra apresentaram nas campanhas passadas, mas que um terceiro acabará apresentando, não necessariamente em termos efetivamente republicanos. A política odeia vácuos e acaba por preenchê-los com o que aparece. Vide Russomanno.
4.
À guisa de conclusão, não poderia deixar de mencionar o posfácio do livro, adaptado do memorial de André Singer para o concurso de livre-docência do final do ano passado. Uma bela narrativa pessoal sobre a política em sua vida, da qual gostaria de ressaltar um trecho:
A atividade política profissional, como qualquer ramo de especialização, tem regras internas. […] Por definição, o dirigente político não é autêntico, pois representa algo geral. O seu papel é condensar os pontos de vista da unidade política que lidera […].
Em sentido contrário, talvez, está a função do acadêmico. Deste se espera que represente primordialmente a si mesmo e que sua experiência e seu conhecimento forneçam bons subsídios para a compreensão da realidade, com o máximo de transparência e objetividade possíveis, muito embora o absolutismo desses ideais seja também uma quimera.
O conjunto da obra de Singer é sem dúvida suficientemente autêntico, refletido e embasado, e sua leitura é uma verdadeira injeção de ânimo para aqueles desejosos de interpretar melhor o país em que vivemos. Especialmente, eu diria, para os que se opõem ao PT no plano federal – entre os quais, por inúmeros motivos, me incluo. É uma pena que não exista um André Singer da oposição, capaz de rearticular a viabilidade política do campo oposto ao PT em termos mais civilizados e capacitados, para além da hidrofobia corrente. Enquanto isso, não se pode dizer que a classe média antipetista, em comparação com os eleitores do PT, tenha uma compreensão menos alienada do que é o lulismo para as classes mais pobres.
::: Os sentidos do lulismo :::
::: André Singer :::
::: Companhia das Letras, 2012, 280 páginas :::
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Vinícius Justo
Mestre em Teoria Literária pela USP.
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